Reportagem

Os mistérios da santidade de Jacinta Marto

O relógio marcava 22h30 do dia 20 de fevereiro de 1920 quando, no Hospital de Dona Estefânia em Lisboa, morria a Jacinta, Pastorinha e vidente de Fátima.


Sozinha, sem poder ter visitas, morreu como a Virgem lhe tinha dito. “A Senhora visitou-me e disse-me que, depois de sofrer muito, morro sozinha. Mas que não tenha medo, porque Ela vem buscar-me para o Céu”, disse a Jacinta 11 dias antes da sua morte.


Mas não foi só quando morreu que a Jacinta começou a alcançar graças e milagres do Céu a quem lhos pedia. Muitos peregrinos, os primeiros da Cova da Iria, dirigiam-se aos pastorinhos para que rezassem por eles à “Senhora mais brilhante que o Sol”.


Um soldado poupado à Guerra e duas mulheres curadas, uma na alma, outra no corpo


Relata a Lúcia, sua prima: “Havia no nosso lugar uma mulher que nos insultava sempre que nos encontrava. (…) A Jacinta diz-me: – Temos que pedir a Nossa Senhora e oferecer-Lhe sacrifícios pela conversão desta mulher. Diz tantos pecados que, se não se confessa, vai para o Inferno.”


Passados alguns dias, corriam os pastorinhos em frente da porta da casa dessa mulher e a Jacinta, “sem pensar que alguém a podia ver, levanta aos mãozinhas e os olhos ao Céu e faz o oferecimento a Deus” pela senhora.

A mulherzinha viu e, falando com a mãe de Lúcia, disse que tinha ficado tão impressionada, “que não necessitava doutra prova”, pedindo à três crianças que ” Nossa Senhora Ihe perdoasse os seus pecados”.


Numa outra vez, relata a Lúcia, uma mulher encontrou-os e ajoelhou-se diante da Jacinta “a pedir-lhe que Ihe obtivesse de Nossa Senhora a cura duma terrível doença”.

A Jacinta, ao ver de joelhos, diante de si, uma mulher, “afligiu-se e pegou-lhe nas mãos trémulas para a levantar. Mas vendo que não era capaz, ajoelhou também e rezou com a mulher três Ave-Marias; depois, pediu-lhe que se levantasse, que Nossa Senhora havia de curá-la”. Uns tempos depois, estava curada do mal que parecia incurável.


Havia em Aljustrel um soldado que tinha recebido ordem de partir para a I Guerra Mundial e deixava a sua mulher doente, acamada, e três filhos. Ele pedia à Jacinta ou a cura da mulher ou a revogação da ordem. “A Jacinta convidou-o a rezar com ela o Terço”, conta a Lúcia. “Depois disse-lhe: – Não chore. Nossa Senhora é tão boa! Com certeza faz-Ihe a graça que Ihe pede. E não esqueceu mais o seu soldado. No fim do Terço rezava sempre uma Ave-Maria por ele”.


Passados alguns meses, apareceu com a esposa e os seus filhos para agradecer a Nossa Senhora as duas graças recebidas por intermédio da Jacinta: a cura da mulher e ter sido poupado à participação na Guerra.


Os últimos dias da Jacinta


Jacinta adoeceu pouco depois da morte do Francisco, em 1919. Com a progressão da pneumónica, foi sugerida aos pais a transferência para o Hospital em Lisboa.

O Hospital Dona Estefânia só aceitava crianças de Lisboa, pelo que a Jacinta ficou registada como órfã, chegando à capital a 21 de janeiro de1920, “levando consigo apenas um saquinho com utensílios de refeição, um terço e um lenço”, como está nos registos do local atual.

Vestido emprestado à Jacinta, lenço e o saquinho que levou para Lisboa


Ficou 12 dias internada no Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres, perto da Basílica da Estrela, onde atualmente existe um mosteiro de Irmãs Clarissas que ainda hoje guarda intacto o quarto e os poucos pertences da pastorinha.


Uma das coisas que mais fazia sofrer a Jacinta, além do mau cheiro e das dores físicas da ferida resultante extração de duas costelas infectadas com um abcesso sem recurso a anestesia, eram as saudades da mãe e do pai. “Vou morrer sem os voltar a ver… Mas a minha família durará pouco tempo e em breve se encontrarão no Céu…”.

Cama onde a Jacinta dormia no Orfanato de Lisboa, antes de ir para o Hospital


De 17 a 20 de fevereiro de 1920, já no Hospital de Dona Estefânia, a Jacinta terá comentado com uma enfermeira que Nossa Senhora lhe tinha tirado as dores e que morreria sozinha, “mas que não tivesse medo”, porque a Virgem viria buscá-la para o Céu.


A marca do sobrenatural, tanto na vida como na morte


Quando a Jacinta morreu, foi levada para a Igreja dos Anjos, em Lisboa, onde foi realizado um velório durante quatro dias. As autoridades tiveram muita dificuldade em gerir a multidão que chegava e que queria vê-la e tocá-la.


Em 1997, João Marto, o único irmão dos Pastorinhos que era ainda vivo – morreu a 28 de abril de 2000 – contou que o funeral esteve marcado para o cemitério dos Prazeres, mas o Barão de Alvaiázere, homem importante, tinha ouvido dizer que à Jacinta “lhe metia impressão ir para debaixo de terra” e “mexeu os cordelinhos” para a levar para o jazigo de família em Ourém.


Foi também este homem que angariou 199 mil réis em donativos para pagar todas as despesas do funeral.


No dia da partida do corpo para Fátima, o cortejo fúnebre foi seguido por uma multidão debaixo de chuva. Terá sido um agente funerário que fez tudo para proteger o caixão dos muitos já devotos e começou a comentar-se o estado do corpo da pequena vidente, que não apresentava os típicos sinais cadavéricos.


“A menina cheirava a flores”, disse o diretor do Hospital Dona Estefânia, acrescentando que “parecia um anjinho a dormir”. O rosto “estava coradinho”, como se estivesse num “sono tranquilo”.

Este testemunho pode revelar-se bastante imparcial, uma vez que o diretor do Hospital era declaradamente ateu e não queria “procissões de peregrinos”, chegando a proibir que se revelasse que a Jacinta estava internada naquela Unidade de Saúde.


O caixão com o corpo da vidente, selado em Lisboa, foi então sepultado no jazigo do Barão de Alvaiázere em Ourém.


Em 1935 – 15 anos depois – a urna foi aberta para confirmar a autenticidade dos restos mortais. O corpo, segundo os relatos da época, estava incorrupto, ou seja, sem sinais de decomposição.

Túmulo de Santa Jacinta Marto, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário – Fátima


Em 1951, foi decidida a transladação da Jacinta para a Basílica de Fátima. Foi então constatado que, mais uma vez, que o corpo não tinha sinais de decomposição. Apesar de íntegro, apresentava apenas a pele ligeiramente seca e com menos volume.


Todo o rosto da Jacinta estava intacto, inclusive o nariz e os olhos, que normalmente são as partes moles da cara que primeiro sofrem com o decorrer do tempo após a morte.


Algumas fotografias atestam estes factos, tendo algumas sido enviadas à Irmã Lúcia. Ao vê-las, ficou tão emocionada que decidiu escrever uma parte das suas ‘Memórias’ exclusivamente dedicada à sua prima Jacinta.


Do Céu, a Jacinta e o Francisco continuam atentos ao mundo


O processo de beatificação e canonização do Francisco e da Jacinta decorreu em conjunto. Para a beatificação, foi necessário um milagre. Esse acontecimento sobrenatural deu-se com Maria Emília Santos, uma mulher com uma doença neurológica que lhe paralisava as pernas.


Fazia muitas orações aos Pastorinhos e, no último dia de uma novena, invocou expressamente a Jacinta para poder voltar a andar, mesmo sabendo pelos médicos que tal seria impossível.


“Jacintinha, se não te soube pedir, desculpa, mas se me pusesses a andar… e eu depois levantei-me”, contou a miraculada ao Diário de Notícias, no ano 2000.


“Eu estava deitada, e estava a rezar à Jacintinha. Faltava só um dia para acabar [aquela novena], e eu disse-lhe: ‘Jacinta, só falta um dia e ainda nada’… Senti então um formigueiro e depois [ouvi] uma vozinha, assim de criança… que dizia ‘Senta-te que tu podes’.”

E a partir desse dia, Maria Emília Santos começou a sentar-se sozinha e depois a recuperar a marcha.
Esteve até à sua morte sem qualquer sequela da doença e a caminhar normalmente.

Basílica de Nossa Senhora do Rosário – Fátima, na solenidade dos Santos Pastorinhos, 20 de fevereiro de 2022


Na altura da beatificação, a 13 de maio de 2000, o então bispo de Leiria-Fátima, D. Serafim Ferreira e Silva, explicou à TVI que “o dia litúrgico dos Santos é normalmente o dia em que nascem para o Céu”.


Como o processo dos dois irmãos é um só, escolheu-se a data da morte da Jacinta, porque o Francisco morreu a 4 de abril de 1919 e “a probabilidade de a Festa litúrgica ser transferida para outro dia por causa da Páscoa era muito grande”.


Para serem canonizados, os Pastorinhos precisaram de um novo milagre. O escolhido foi a cura de Lucas, em 2013, no Brasil. O menino de 5 anos, depois de cair de uma altura de quase 7 metros e ter perdido massa encefálica, sofreu duas paragens cardiorrespiratórias a caminho do Hospital.


Segundo o prognóstico médico, não sobreviveria sem sequelas. Isto se sobrevivesse.

Com o menino em coma, a queda e o estado da criança souberam-se no Carmelo que existe na localidade. As Irmãs carmelitas começaram a rezar imediatamente pelo Lucas diante de uma relíquia do Francisco e da Jacinta.

No dia seguinte às orações pelo Lucas, o menino acordou e foi submetido vários exames.

Lucas sobreviveu, de acordo com os médicos sem explicação científica e sem quaisquer sequelas apesar da perda de massa cerebral.

Lucas e os pais estiveram presentes em 2017 em Fátima, na canonização dos seus “amigos do Céu”, conforme o Lucas chamou aos Pastorinhos em conversa com o Diário do Distrito no dia da canonização. 


E se só apenas desde 2017 que os mais novos videntes de Fátima, os irmãos Francisco e Jacinta, são celebrados oficialmente como Santos da Igreja Católica, esta “fama de Santidade” vem desde que há devotos. Desde que há Fátima. 


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