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Discotecas e bares em pandemia: quando a noite fala

O setor das discotecas e bares espera há longos meses para voltar a abrir. Num país onde os apoios com que contam não são suficientes para as perdas sofridas, adaptação, despesas e falência são palavras que se enraizaram no vocabulário dos proprietários.

Ao entrar no 5 Estrelas Bar somos absorvidos por um mar de silêncio desconfortante. A sala ampla, obriga a que cada passo soe demasiado alto, quase a pedir que o adormecido bar acorde. Faz quatro meses que o espaço está fechado pela segunda vez, e, ainda que possam abrir com horário restrito, André Margalhau, gerente e barman, acredita que os gastos não compensam.

“Do abrir ao funcionar são duas coisas completamente diferentes. Tenho a casa aberta, mas funciona? Fatura? Paga as despesas? Não tem lógica nenhuma, um bar em que as pessoas sabem que habitualmente abria às 21h30, agora fechar às 22h30. O cliente vai pensar «Daqui a nada vai fechar. Não vou lá fazer nada»”, desabafa.

Uma equipa de trabalho reduzida para menos de metade, despesas para pagar e projetos adiados são consequências do período drástico que o 5 Estrelas Bar vive. O gerente ri ao lembrar a “ajuda mínima” que tiveram no primeiro confinamento, em março de 2020.

“Tivemos ajuda do Estado, sim. Quando entrámos em lay-off houve um pagamento ou dois, não mais que isso. Mas não chegava para pagar a água ou a luz, nem sequer para pagar o ordenado de um dos quatro que ficaram a trabalhar”.

No verão de 2020, os bares e discotecas voltaram a ter luz verde para abrir, consoante a adoção das normas da Direção Geral de Saúde. A desinfeção constante, a marcação de mesas e a proibição de dançar já faziam parte da rotina do bar do Montijo. Ainda assim, André Margalhau acredita que o “medo incutido pelas autoridades” afastou as pessoas.

“O número de clientes reduziu de forma drástica! Houve uma semana em que tive dois clientes por dia, a tomar café. Eram clientes habituais que vinham cá só para nos fazer companhia”, relembra o barman.

No início deste ano, o país voltou a confinar e a equipa de trabalho do 5 Estrelas Bar está agora no desemprego. Tudo o que pedem é um “horário digno” para que possam trabalhar, mas o gerente do espaço acredita que isso não lhes é concedido por preconceito ao setor.

“O setor dos bares e discotecas está a ser esquecido pelo Governo de uma forma bem consciente (…) Isto não é só meia dúzia de pessoal que trabalha à noite e vem para aqui beber uns copos. Este pessoal tem família e há muita gente que faz disto a sua vida. Isto é a minha vida há 20 anos e como eu existe muita gente”, garante com revolta.

“As teias de aranha já fazem parte da casa”

Fernando Cândido, proprietário do Twelve Club, está parado à entrada do estabelecimento com uma carta na mão. Não é difícil imaginar o que aí vem. “Mais 40 euros de luz para pagar. Isto assim está difícil”, remata.

Desde outubro de 2020 que as mesas estão vazias, a música chegou ao fim e as portas estão completamente fechadas, sem previsões de abertura. Para Fernando Cândido só resta a memória das noites de euforia. “Costumávamos ter 1500 clientes por semana e agora nem um podemos ter. (…) Os jovens vinham para aqui divertir-se e saíam com as energias renovadas”, conta.

Junto à Avenida Luísa Todi, em Setúbal, o Twelve Club era considerado, desde 2018, o bar oficial do Instituto Politécnico de Setúbal. A boa disposição e as festas temáticas tão características da casa faziam do bar paragem obrigatória para muitos jovens. 

Em março de 2020 tudo mudou e o primeiro ano de pandemia foi especialmente difícil por não terem recebido qualquer tipo de apoio financeiro para as despesas que continuavam a aumentar.

“Só em março de 2021 é que recebemos a primeira ajuda do Estado. (…) Estas medidas poderiam ter sido adotadas logo passado um mês ou dois porque as pessoas comem todos os dias e as contas vêm todos os meses”, salienta o proprietário.

Rita Candeias, gerente da casa noturna, acrescenta ainda que o bar pagou “as contribuições ao Estado como se estivesse a faturar. Ou seja, eles estão a dar ajudas, mas continuam a cobrar como se tivéssemos faturação. Isso é tapar o sol com peneira”.

Toda esta dificuldade financeira levou a que fosse tomada uma decisão inevitável: abrir falência do segundo estabelecimentos noturno que possuíam. Localizado também em Setúbal, o bar contava com 15 anos de existência e foi o negócio pioneiro que permitiu que, mais tarde, o Twelve Club bar fosse criado.

Hoje, existe uma revolta sentida por Rita Candeias que considera que “as medidas tomadas pelo Governo não foram justas” por existir “favorecimentos ao nível do tipo de negócios”. Tendo em conta que os bares e discotecas se encontram inseridos no setor da Hotelaria e Restauração, a gerente do Twelve Club não entende como é que “a discrepância de medidas entre os restaurantes e bares é grande”.

Os empresários aguardam desesperadamente novas medidas para “restaurantes, bares e discotecas, o principal setor que traz turismo a Setúbal”.

“A confusão associada aos bares não é verdade”

“Ao longo deste tempo todo eu sinto-me como se tivesse barras da prisão à minha frente e eu estou a ver as pessoas a passar e a trabalhar e estou completamente preso porque não consigo fazer nada”. Este é o estado de espírito de Rodolfo Santos, proprietário do bar marroquino da Quinta do Anjo: o Marrakech Bar.

O espaço noturno pertence também à sua mulher, Sara Custódio, e é daqui que provém o total rendimento do casal. Assim que se aperceberam das consequências do primeiro confinamento, decidiram arriscar e alterar a designação do bar para restauração. Agora conseguem receber clientes, ainda que tivessem de transformar o objetivo do estabelecimento, no espaço de dias.

“Abrimos uma esplanada porque tínhamos espaço para isso e começámos a colocar tapas marroquinas para os clientes poderem jantar. De qualquer das formas, tivemos de educar as pessoas para não irem beber bebidas alcoólicas, mas sim comer e beber algo mais soft”, confessa.

Um espaço que marcava a diferença pela forte presença da cultura marroquina e espetáculos de dança oriental ao vivo, não conseguiu conquistar os clientes com a nova ementa e Rodolfo Santos sente que o grande problema é a “falta de adequação” do horário imposto.

“O horário é até às 22h30. Imagine o que é alguém marcar cabeleireiro para as 22h. Ninguém pensa em ir ao cabeleireiro às 22h porque não é horário para isso. É a mesma situação que nós estarmos a fechar às 22h30. Ninguém vai a um bar antes dessa hora”, remata.

O dono do Marrakech Bar acredita que, também os clientes sentem falta do ambiente que o estabelecimento costumava oferecer, o que se traduz na fraca procura do espaço enquanto restauração.

“As pessoas gostam de descansar a mente, estar com os amigos, desfrutar de um espetáculo como eu e muitos bares temos. A questão da confusão associada aos bares não é verdade. Muito mais confusão têm os transportes públicos de manhã em que as pessoas estão completamente coladas umas às outras”, afirma convicto.

A falta de clientes, fruto do horário restrito, fez com que o casal tivesse uma quebra mensal de 90%, relativamente ao ano de 2019. As perdas foram no valor de 13.000 euros e o apoio do Estado não chegou aos 5.000 euros. Rodolfo Santos acredita que, se o horário fosse alargado até às 00h, a quebra mensal reduzia para 50%.

Ao pensar no futuro, o proprietário do Marrakech Bar espera o momento em que possa ver “o sorriso das pessoas, as piadas que os clientes contam uns aos outros, a atmosfera que é criada em torno da noite”. Nunca esteve tão certo de que “há uma certa nostalgia que nós proporcionamos e não pode ser proporcionada à tarde. A noite também fala”.


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