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«Para mim, enquanto cidadão, Alcochete não está resolvido» – Bruno de Carvalho | Entrevista prt. III

[Entrevista feita a 5 de fevereiro de 2021]

O ataque à academia de Alcochete voltou a ser falado nas redes sociais devido a um ataque, dentro do mesmo cariz, feito em finais de janeiro ao Olympique de Marseille

Em entrevista ao Diário do Distrito, em resposta à comparação entre os acontecimentos, Bruno de Carvalho, ilibado das acusações, falou da questão da intensidade. 

A base do crime é similar, estamos a falar da entrada numa academia com destruição de bens e agressões, mas, como se diz no futebol, tem tudo a ver com a intensidade do lance. Em Alcochete vimos uma a lançar uma tocha e outra logo a apagar, em França houve incêndio. Lá sucederam-se agressões muito complexas… Se as pessoas tivessem seguido o julgamento de Alcochete, que não seguiram porque eu também lia o que ia sendo escrito pela comunicação social e, se não tivesse lá dentro, não tinha noção nenhuma do que foi o julgamento. Não há imagens, o que os vários intervenientes disseram foi que o que se passou foram uns empurrões, e não estou a minimizar, é um crime que já foi julgado e decidido para aquele conjunto de pessoas; acenderam uma tocha dentro do balneário que fez ligar o alarme de incêndio, deram umas estaladas, uma pessoa drogada, o próprio assumiu em tribunal, tirou o cinto e bateu no Bas Dost e no Jorge Jesus; e tivemos coisas como, por exemplo, o jogador William Carvalho que, quando tudo aconteceu, teve vontade de ir à casa de banho… E foi, e uma das pessoas que estava a invadir a academia foi ter com ele e acompanho-o numa conversa que o William não se lembra… Quando voltou, já tinha tudo acabado. Não querendo minimizar nada, mas vendo pelo tal instrumento da intensidade, vejo o que aconteceu em França e é absolutamente assustador. Não estamos  a falar de uma pochet enviada em direção de um elemento do staff, de um bidon de água vazio que foi lançado e que não acertou em ninguém. Não quero estar a dizer que Alcochete não foi assustador… Claro que foi, claro que as pessoas ficaram aterrorizadas, ninguém gosta. Nem precisam de ser 20 pessoas, se vierem três pessoas aos gritos para me baterem a mim…

«Nas mensagens de Alcochete, também me queriam bater e diziam que eu tinha de cair»

Sobre as consequências relativas a cada ataque, o ex-presidente do Sporting fala das diferentes posturas da comunicação social. 

A primeira que foi similar, foram pessoas presas. Até me parece mais ou menos o mesmo número. Tirando esta, na sequência,  nenhuma rescisão. São crimes? Claro que são. Devem ser punidos? Claro que sim. Desportivamente, houve rescisões e programas infinitos e canais de televisão em repetição? Não. Não vi ninguém, e tenho acesso a canais franceses, a dizer que tinha sido o presidente do Olympique de Marseille o responsável… Aliás, as notícias foram todas muito claras, que as pessoas queriam bater nele. Nas mensagens de Alcochete, também me queriam bater e diziam que eu tinha de cair. Está no processo, são factos. Tudo na vida pode ter um enquadramento, por isso é que existem nos tribunais de acusação e defesa com a mesma lei, não há uma lei específica para cada. Têm retóricas distintas perante a mesma lei, perante o mesmo texto. O mesmo acontece com a comunicação social.

«Se eu tivesse uma comunicação social que utilizasse os mesmos critérios para todos, se calhar as consequências desportivas daquilo que se passou em Marselha e Alcochete tinham sido as mesmas»

Bruno de Carvalho aponta o dedo à comunicação social nas diferentes posturas em situações consigo e com Frederico Varandas.

Já houve pelo menos duas situações onde presidentes de clubes estiveram envolvidos em quase confrontos com o atual presidente do Sporting… Uma em Setúbal e outra na Taça da Liga, com o Braga. Isto é factual, não é o diz que disse. O que é que a comunicação social podia ter feito? Podia ter explorado o lado trauliteiro, azeiteiro, grutesto, com pouca classe, labrego de Varandas (isto tudo foram termos atribuídos à minha conduta), o que já é a segunda com duas pessoas distintas, ou então como foi feito, disseram que no futebol é natural, e o assunto morre ali. Se eu tivesse uma comunicação social que utilizasse os mesmos critérios para todos, se calhar as consequências desportivas daquilo que se passou em Marselha e Alcochete tinham sido as mesmas. Às vezes aquilo que parece não é, toda a narrativa levou às consequências. Em França, como ninguém alinhou na narrativa, nem a entendem, de pôr a culpa no presidente… Isto não entra na cabeça de ninguém… Nem de jogadores, nem do staff… Porque não faz sentido. As coisas têm de fazer sentido às pessoas, e não fez. A partir daí, também não deram grande montra para que houvesse agentes a ligar para jogadores na tentativa de aproveitamento para rescindir.

«Creio que Alcochete teve particularidades que eu não consigo comparar com nada»

Acrescenta que, a seu ver, a ordem dos procedimentos não fez sentido, dando vários exemplos de acontecimentos noutros clubes.

Se tiveres um armazém e se incendiar, a primeira coisa enquanto força de autoridade é questionar se não foste tu. Então, se tiveres feito um seguro sobre os bens que dizes que tens no armazém uns dias antes, fores lucrar com o incêndio, não faz de ti culpado, mas faz de ti suspeito. Leva à investigação. Em Alcochete, se houve pessoas a usufruir milhões daquilo que se passou em Alcochete, é estranho… É por não ser um armazém? Em França, só rescindiu uma pessoa e não tem a ver com o ataque, só não teve essas consequências porque não foi dado um enquadramento que levasse as pessoas a pensar nesse assunto dessa forma. À dimensão de Alcochete, ainda há pouco tempo foi no Boavista FC, com jogadores a serem agredidos.. Uns dias antes de Alcochete foi em Guimarães… Também aconteceu no Leixões SC…  Que consequências tiveram? Já tivemos no mundo jogadores com uma bomba no autocarro, por exemplo, no Borussia Dortmund, um dos quais o Julian Weigl que está no Benfica; mais uma vez, não querendo eu diminuir o que se passou em Alcochete, não estamos a falar de uma pochete nem de um bidão de 5 litros vazio, nem de uma tocha mandada para um canto para fazer fumo, estamos a falar de uma bomba. Creio que Alcochete teve particularidades que eu não consigo comparar com nada… A base parece igual, mas depois a intensidade não é… Só que Alcochete teve uma dimensão de criar estragos e de criar crimes após o primeiro crime que eu duvido que alguma vez mais acontece isto tudo no mundo… Atenção, isto não significa não seja um fenómeno que não tenha de ser resolvido… Quando queres fazer de uma coisa o que não é, muitas vezes as pessoas que estão envolvidas no crime acabam por sofrer menos do que aquilo que as pessoas achavam que eles mereciam… O que quero dizer com isto é que, se eu tenho um crime e não o souber avaliar, quiser transformá-lo num terrorismo, e andar a convencer as pessoas disso, chegamos à conclusão no final que não há terrorismo nenhum, e a expectativa das pessoas que ficaram convencidas com a história do terrorismo acaba por sair frustrada. E eu lamento, não conheço as pessoas de lado nenhum e não é que lhes tenha estima, pelo contrário, ao irem lá estragaram a minha vida e prejudicaram o Sporting e cometeram o crime que cometeram, mas quando eu oiço pessoas a discutirem isto e dizem que as penas foram suspensas… Eu olho e vejo que as pessoas não tiveram noção de que estiveram cerca de ano e meio presos? Podem dizer que para terrorismo não é nada, mas se não é terrorismo

«As pessoas estiveram presas sobre um enquadramento que desapareceu…»


Ilibado do caso, Bruno de Carvalho confessou estar espantado com o facto de que as pessoas estiveram com base num enquadramento que não se veio a verificar, de acordo o próprio, levantando a questão de ninguém ter questionado o assunto.

Qualquer um dos crimes que foram acusados em Alcochete, qual em termos de enquadramento legal permitia prisão preventiva? Nenhum. As pessoas estiveram presas sobre um enquadramento que desapareceu… Não foram os advogados que tiveram de exercer através de requerimentos, não, foi a própria procuradora e a juíza que fizeram desaparecer. Nem foi uma batalha jurídica… Enquanto pai eu fiquei assustadíssimo, porque eu creio que todos têm pais… Se não podiam ter estado presos com o real enquadramento do caso com que o mesmo acabou, não é estranho que ninguém se tenha queixado? Não consigo perceber porque é que, que eu saiba, não houve ninguém que contestasse judicialmente essa situação. 

«Até hoje, ainda só vi ser feita parte de justiça no primeiro crime»

Para o ex-presidente do Sporting não restam dúvidas, ainda há justiça para ser feita no caso Alcochete.

As pessoas estão cada vez mais a perceber que aquilo que se passou não foi um crime, mas três: o que foi julgado, um contra o Sporting Clube de Portugal por parte de quem, sem esperar que o julgamento decorresse e que houvesse uma decisão, correu com as pessoas que lá estavam, onde eu me incluo; e lesar pessoalmente as pessoas que estavam a servir o Sporting. Até hoje, ainda só vi ser feita parte de justiça no primeiro crime. O segundo e terceiro crimes não foram de todo resolvidos. 

«Para mim, enquanto cidadão, Alcochete não está resolvido»

Apesar de absolvido, relatou que fez em novembro de 2020 uma denúncia de duas pessoas, Pedro Silveira e Diogo Amaral, sobre o caso Alcochete, considerando que os mesmos deviam ter sido investigados.

Quero relembrar que eu, enquanto cidadão, apresentei uma denúncia ao Ministério Público. Penso que é importante referir, é engraçado que nenhuma comunicação social considerou interessante um cidadão que esteve envolvido ou foi envolvido no processo, apresentar uma denúncia sobre outros dois cidadãos (Pedro Silveira e Diogo Amaral). É importante salientar que é possível fazer denúncias de casos já julgados. Isto é, a nossa lei não limita a capacidade de se fazerem denúncias sobre alegados crimes que tenham dúvidas, depois o Ministério Público decide se faz investigação ou não, logo se decidirá se há suspeita de crime ou não. Isto aconteceu em novembro do ano passado, e neste momento, o Ministério Público pediu-me para eu dar mais algumas informações. Para mim, enquanto cidadão, Alcochete não está resolvido pelo seguinte: quem acompanhou o julgamento de perto, ouviu os responsáveis da investigação serem claríssimos, a partir daí constituiu uma prova, a dizerem que não investigaram especificamente as duas pessoas que denunciei porque lhes foi dada ordem direta por parte da pessoa responsável da investigação no Ministério Público para não o fazerem, dizendo para investigarem só as pessoas que entraram. Quando somos confrontados num tribunal que não foi investigado a pessoa A e B porque nos foi dada uma diretriz, é porque a investigação foi noutro sentido. Aliás, esta resposta para mim pressupõe que a investigação não queria investigar… Se não, a resposta teria sido que foi investigado e não se encontrou nada. Foram-nos perguntados exatamente por estas duas pessoas. Logo daí, para mim, há uma falha, pelo menos esta, gritante na investigação. Que interesse tem esta denúncia? A autoria moral é algo que está muito bem definido. Em termos de justiça, uma das vertentes é de que alguém que tem conhecimento do crime, tem conhecimento que ele se está a efetuar, e que com isso tem a possibilidade de intervenção. Isto é a base do conceito. A partir do momento em que uma das pessoas que eu denunciei assumiu em tribunal que era aquela pessoa que estava no grupo escreveu a seguinte mensagem: “saiam, saiam”… Para escrever num grupo que organizou um crime esta mensagem, garantidamente sabia que as pessoas iam lá e o que iam fazer, que estava a acontecer naquele momento, e achou que tinha capacidade de intervenção, por isso dá uma ordem. Quem disse isto não fui eu, está nos documentos de investigação e no próprio julgamento. Para mim, isto é a verdadeira autoria moral. A denúncia que fiz não é porque me apeteceu… A partir do momento em que eu compreendo o que está em jogo em termos de Alcochete, e me apercebo que há pessoas que podem estar realmente enquadradas nessas, e pelos visto não foram as três que foram escolhidas, porque foram ilibadas…  As outras pessoas nem foram julgadas. Foram retiradas pela responsável do Ministério Público… Tinham a possibilidade de apurar mais perante aquilo que foi uma má decisão de não as investigarem, e não são situações de mera vontade minha, são uma série de factos que ficaram comprovados em tribunal. Como cidadão, não podia deixar de no mínimo tentar iniciar um processo porque quero no final de tudo, ter a consciência que também nesse caso tentei desde a primeira hora que se fizesse uma justiça total. Considero que ainda não está feita a justiça total no caso de Alcochete

1ª parte da entrevista – «Não tenho dúvida nenhuma que o Sporting vai ser campeão» – Bruno de Carvalho | Entrevista prt. I
2ª parte da entrevista: ≪A nível de gestão, eu duvido que tenha existido pior do que estes órgãos sociais» – Bruno de Carvalho | Entrevista prt. II
4ª parte da entrevista – «A seguir a Pinto da Costa, António Salvador é o melhor presidente em Portugal» – Bruno de Carvalho | Entrevista prt. IV
5ª parte da entrevista – «Tive um órgão de comunicação social que não descansou enquanto não pôs Portugal a considerar-me culpado» – Bruno de Carvalho | Entrevista prt. V


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4 Comentários

  1. Este maluco continua a tentar justificar-se!? Escovado do clube, desprezado pela sociedade… O paizinho que lhe dê uns tabefes e lhe diga para se fazer à vida!

    1. Leu tudo? Mesmo que não gostemos das pessoas, é boa prática emocional ler o que estas mesmas dizem. É certo que, neste país, não existe essa cultura: temos tendência a não querer olhar os dois lados, talvez por orgulho, talvez por ignorância. De qualquer maneira, isso é errado. Peço que tenha alguma sensibilidade por um cidadão que tem o direito de se defender face aos seus conflitos como ex-presidente de um clube, até pode ser do outro lado da barricada, mas tem de se justificar como deve ser – caso contrário, não diga nada.

  2. Que eu tenha conhecimento não existe incitamento por parte de presidente do Marselha como existe no caso da academia por parte de BC. Pode nem ser directamente culpado pelo que aconteceu mas moralmente tem muita culpa e disso não se livrar nunca por mais que seja absorvido em tribunal. Uma coisa tenho a certeza. Conheço a Academia e o seu funcionamento como poucos…e o que aconteceu nesse dia teve de tudo menos normalidade.

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