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‘Tertúlia dos Amigos da Quinta’presta auxílio alimentar na Quinta do Anjo

Em 2007 foi fundada a ‘Tertúlia dos Amigos da Quinta’, composta por um grupo de moradores na Quinta do Anjo, “que se reúne nas quintas-feiras à noite para um jantar cozinhado por cada um dos membros” e que conta actualmente com catorze elementos.

É esta ‘equipa’ que agora desenvolve um projecto solidário na localidade, com a distribuição de sacos com alimentos e uma refeição quente por semana, à quinta-feira, para quem os procura.

Miguel Reizinho explicou ao Diário do Distrito a génese desta ideia para ajudar pessoas carenciadas, surgida “depois de, há cerca de mês e meio, ter visto uma pessoa procurar comida num contentor do lixo. Nesse dia, vinha do supermercado com frango assado e mais comida, e abordei a pessoa que me disse estar a procurar algo para comer. Entreguei-lhe logo o que levava. No dia seguinte, dei com esse senhor e um outro, e voltei a entregar alguns alimentos.”

Da conversa com Rui Correia “chegámos à conclusão que podíamos fazer um almoço semanal, tipo take away, para que as pessoas tivessem, pelo menos uma vez por semana, uma refeição quente, e um saco com alguns alimentos”.

A iniciativa arrancou em Março e dois dos principais parceiros que se uniram a esta iniciativa foram a Sociedade de Instrução Musical e a Junta de Freguesia da Quinta do Anjo, com a primeira a ceder instalações onde as refeições são cozinhadas e os sacos distribuídos, bem como ali ficam armazenadas as dádivas que algumas empresas e particulares deixam, e a segunda com o apoio logístico de distribuição e ainda de encaminhamento de alguns casos.

“Às quintas servimos, das 12h00 às 13h30, um prato quente, uma sopa, acompanhada de pão, fruta e alguns bolos, em recipientes que compramos. Recebem ainda um saco com bens alimentares de primeira necessidade, como arroz e massas, marmelada, leite e alguma fruta que nos vão dando.”

Como nem todas as pessoas se podem deslocar à SIM, “conseguimos fazer entregas, sobretudo a Susana Vale, elemento do executivo da Junta, que percorre quilómetros, porque começámos pela freguesia da Quinta do Anjo, mas já temos pedidos do Pinhal Novo e de Palmela” explica Miguel Reizinho.

“Começamos com 30 pessoas, mas cada vez há mais pedidos e agora chegam perto das 100, entre os 16 anos de idade até aos cerca de 80 anos. Muitas pessoas tinham a sua vida e ficaram sem nada… e chegam-nos também imigrantes, alguns deles nem sequer falam português, pedem apenas comida com gestos, como é que depois podem pedir ajuda às entidades?”.

A divulgação é feita pelas redes sociais, pelas páginas pessoais e a da SIM, “onde podem deixar uma mensagem privada a pedir para que lhes seja entregue a refeição, caso não possa deslocar-se à SIM, deixamos também alguns cartazes nas papelarias, mercearias, farmácias, cafés, até nas paragens de autocarros, onde as pessoas possam ver e tomar nota do contacto, que é o número 930486581”.

A primeira refeição que confecionaram foi “carne de porco com esparguete, porque isto foi decidido um pouco em cima da hora, na terça-feira fomos comprar tudo e começámos a distribuir na quinta-feira”.

O menu varia conforme explica Rui Correia: “já fizemos feijoada, frango de fricassé, javali assado. Tudo depende do que nos vão dando. Na semana que recebemos o bacalhau, fizemos à Brás, porque nos deram também batatas e ovos.”

Embora reconheça que têm tido apoios diversos, “sobretudo de particulares e algumas empresas como o Intermarché Palmela, que nos dá legumes, o Minipreço, a Imeguisa, a mercearia Carla Rosa, a Padaria Marco Grandão, o Café Golden Grape e a Tomilis Pastelaria”, Miguel Reizinho lamenta que “muitas das grandes empresas da freguesia com quem tenho contactado não demonstram grande interesse. Parece que se esquecem que isto é para ajudar pessoas e que, quando economicamente isto andar para a frente, também virão a ganhar com isso. Queremos ajudar, mas também precisamos de mais apoios. Não pedimos dinheiro, mas se nos entregarem uns quilos de arroz, de massa, de bolachas, salsichas e de leite, isso permite-nos ajudar mais.”

Durante a entrevista, o Diário do Distrito pode assistir à chegada de uma dádiva de uma particular. “Mesmo pouco que seja, é uma ajuda e quem nos dera que todos trouxessem esse ‘pouco’.”

Ao nível institucional, Miguel Reizinho explica que “enviei um email à Câmara Municipal de Palmela, colocaram um gosto na nossa página de Facebook, mas pouco mais… percebo que não podem dar apoio financeiro porque não somos uma associação legalmente constituída, apenas um grupo de amigos, mas podiam ter-se interessado um pouco mais.”

Da Junta de Freguesia da Quinta do Anjo “tem havido uma ajuda grande, porque a Comissão Social da Freguesia já tem um trabalho de apoio para pessoas carenciadas e dão-nos um apoio logístico na distribuição das refeições e sacos”.

Sobre o futuro pós-pandemia “achamos que os casos devem continuar a ser acompanhados, mas por entidades próprias, porque o grupo irá continuar mas nos seus jantares.

Sacos preparado para a entrega semanal.

‘Os problemas de carência vão continuar após a pandemia’

 “Embora sem os apoios que precisam, esta iniciativa teve outro lado positivo: ‘abriu os olhos’ para muitas coisas, para a comunidade perceber que pode ajudar sem ser através de associações ou entidades, que a própria sociedade civil se pode organizar e ajudar, mas também alertou para que há muitas pessoas com necessidades” frisou António Mestre, presidente da Junta de Freguesia.

“Este grupo de amigos chegou-se à frente para ajudar, quando podia continuar apenas a fazer os seus jantares. E cabe agora à Junta de Freguesia levar ainda mais longe a ajuda, alguma da qual já é prestada através da Comissão Social de Freguesia. Não ficaria bem a esta Junta que, tendo o seu trabalho de gestão da comunidade, se alheasse deste processo. Não podemos ajudar financeiramente, mas fizemos divulgação e ajudamos na distribuição ou recolha dos bens.”

O edil esclarece que “a legislação não permite às autarquias dar ajudas financeiras a grupos de cidadãos, e nesta situação de pandemia o que pode ser feito é uma ajuda compensatória à SIM, que disponibilizou o espaço, de forma que não fiquem prejudicados, mas sejam compensados pelo contributo que quiseram dar”.

António Mestre alerta ainda para o facto de que “alguns destes casos de carência vão continuar a necessitar de ajuda depois da pandemia, porque estas pessoas não são as abrangidas pelo lay-off, vivem apenas ‘ao dia’, sem contratos, e que agora estão sem trabalho, até porque os cafés e restaurantes fecharam e as obras estão paradas.

Outras são imigrantes que não têm acesso a apoios, embora já tenhamos encaminhado uma pessoa de Leste que tinha os seus descontos em dia, mas ficou desempregado. Mas a maior parte são ‘pessoas invisíveis’ que vivem dos chamados biscates e depois nem sabem a quem se dirigir para pedirem ajuda, e são esses que nos preocupam.”

O aumento dos casos de necessidade é outra preocupação “porque é raro que, quando vamos fazer uma entrega de bens ou medicamentos, não nos depararmos com outro caso de necessidade, de pessoas que nos pedem comida para elas e até para os seus animais.

Há muitas pessoas que tinham as suas vidas resolvidas e de repente se veem sem nada, e acabam por se isolar. Não procuram ou não sabem procurar ajuda até que chegam a situações-limite. E não adianta dizerem que «pode aceder ao site da Segurança Social», quando a pessoa não tem internet nem dinheiro para pagar telefone, além de que o processo não é simples, e há uma iliteracia da burocracia que ainda dificulta mais.

Portanto, tem de ser o poder local, e neste as Juntas, na sua política de proximidade, a procurar resolver estas situações com outros parceiros, porque nesta altura temos de estar todos juntos.”

Os casos referenciados são encaminhados “a nível institucional em articulação com a Segurança Social e com a Comissão Social da Freguesia, da qual é responsável a Susana Vale.”

Membro do executivo e da Comissão Social da Freguesia, e elemento da direção da SIM, Susana Vale tem vindo a realizar o trabalho de ‘motorista’, na distribuição dos bens por quem não tem condições para se deslocar à Sociedade.

“Vou a vários lares, e uma das coisas que noto é a necessidade de as pessoas falarem, saírem um pouco do isolamento a que estão confinadas, o que se torna um pouco complicado porque há mais a quem entregar.”

Acerca do papel da SIM refere que “esta casa é feita de pessoas para pessoas e por isso temos aberto as nossas portas a alguns eventos solidários, como quando ocorreram os incêndios em Pedrógão Grande.

Devido ao Estado de Emergência tivemos de encerrar ao público, mas temos aqui condições para os ‘Amigos da Quinta’ cozinharem as refeições e armazenar os bens, bem como fazer a distribuição, e no início ajudámos com uma verba monetária porque sabíamos que o grupo precisava. Esta parceria poderá vir a manter-se no futuro, quando a pandemia passar e o grupo continuar com os seus jantares, mas mantendo o seu lado solidário, e por isso podemos vir a realizar concertos solidários para apoiar outras causas desta comunidade.

O grande objectivo da SIM foi ajudar, para que no futuro também a população da Quinta do Anjo reconheça esse trabalho e venha a ajudar quer a Sociedade quer também os eventos que aqui se venham a realizar.”

Quanto ao futuro em termos de auxílio, considera que “serão os organismos estatais que devem continuar esse trabalho. Além da ajuda que estão a dar a estas pessoas, o grupo dos ‘Amigos da Quinta’ detectou casos que ainda não estavam sinalizados, porque tudo isto aconteceu muito de repente, e estão a fazer essa ponte entre as pessoas e as instituições.

Após a pandemia, devem continuar os seus jantares, e sempre que surgirem situações a precisar de ajuda, a SIM estará também disponível para abrir as suas portas para eventos ou concertos solidários.”

Bens doados.


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