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Setor imobiliário em risco com a covid-19

O mercado imobiliário estava mais vivo do que nunca, a especulação, os negócios milionários tornavam os tempos da Troika uma memória remota que se dissipava a cada negócio. Mas eis que o coronavírus apareceu e parou, parou a sociedade, a economia e o crescimento.

As consequências da pandemia covid-19 no mercado imobiliário a longo prazo ainda são difíceis de conjeturar, mas o presente já dá indícios que se avizinham tempos de crise.

Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), em declarações ao Diário do Distrito, divulga os dados de um inquérito realizado à APEMIP e às empresas de mediação imobiliária. Ao todo neste estudo participaram 4000 agências imobiliárias, “63,7% destas indicaram ter tido clientes que desistiram de comprar casa durante o mês de abril, dos quais 19,8% indicaram que esta desistência terá decorrido após celebração do contrato de promessa de compra e venda”. O que para o dirigente é um “sinal de que as pessoas recuaram face à incógnita que esta pandemia apresenta, na sua estabilidade económica, e que leva ao adiamento de decisões tão importantes como é a compra de casa.”



Luís Lima, Presidente da APEMIP (Imagem Jornal de Negócios)

O Diário do Distrito entrevistou também Paulo Leal da agência imobiliária Remax UP Palmela, Rui Roque da Century 21 Contacto Direto e José Carlos Pereira da Domus Baía. E, se o estudo avançado por Luís Lima com quatro mil agências imobiliárias inquiridas é avassalador, no que diz respeito aos nossos entrevistados “não se verificaram” desistências na compra de casa após o surgimento desta crise sanitária. Muito pelo contrário, já que “existiam vários negócios em andamento acima dos dois dígitos, nenhum deixou-se de efetivar, dos negócios antes de 19 de março, só dois falta escriturar, mas devido aos atrasos por parte da Câmara Municipal na emissão de licenças de habitabilidade”, avança José Carlos Pereira.

Rui Roque, Century 21 Contacto Direto

Rui Roque justifica a falta de desistências pela estratégia de “antecipação antes da notícia da pandemia”, que passou por “confirmar e fechar todas as ações que estivessem em ponto de ser concluídas, antevendo a dificuldade que viria a tornar-se algum contacto presencial.” Antecipação também em “certa medida, quando nos deparamos que as companhias de seguros estavam a ser mais exigentes”, ficando assim logo em alerta”, pois “desde janeiro, aceleramos os processos mais difíceis em termos de crédito bancário”, avança José Carlos Pereira.

A compra de casa através do recurso ao crédito à habitação, no primeiro trimestre de 2020, atingiu máximos de 2008, segundo o Banco de Portugal. O aumento foi de 9,4% em comparação com o mesmo período de 2019. Entre janeiro a marco de 2020, os bancos emprestarem às famílias 2.848 milhões de euros para aquisição de habitação.

O efeito covid-19 no travão de acesso ao crédito habitação ainda não se pode contabilizar, mas para Rui Roque “as entidades bancárias mantiveram, dentro das contingências determinadas pelo Governo, a sua atividade normal. Diria até que conseguiram “flexibilizar” bem alguns procedimentos, como as avaliações, exatamente para minimizar impactos no processo de decisão de crédito”, avança.



“63,7% indicaram ter tido clientes que desistiram de comprar casa durante o mês de abril, dos quais 19,8% indicaram que esta desistência terá decorrido após celebração do contrato de promessa de compra e venda”

O cenário positivista parece não ser consensual entre os profissionais de mediação imobiliária, já que Luís Lima, presidente da APEMIP, apesar de não ter “nenhuma nota de que tenha havido entraves à concessão de crédito”, adianta que tal se deveu “porque neste período deverão ter sido muito poucos os pedidos de aprovação, até pela quebra do número de negócios que se terá registado nos últimos dois meses.”

Unânime também não é a visão relativa aos procedimentos bancários. Paulo Leal apesar de não sentir “por parte das entidades bancárias dificuldade nas aprovações de crédito”, reforça que os serviços estão demorados pelo regime de teletrabalho, “o que pode atrasar um pouco mais o processo.” Os entraves verificados são também ao nível das seguradoras na aprovação do seguro de vida, uma condição do crédito à habitação, visão partilhada por José Carlos Pereira que revela que “estão a ser mais burocráticas e exigentes nas questões dos seguros de vida”.

A descida dos preços das casas é outro dos receios, mas se até aqui faltava consensualidade, neste ponto as perspetivas parecem cruzar-se. “A par de alguns naturais reajustes a alguns preços que estavam especulados, em particular nos centros das principais cidades, não há motivo para assistir às descidas acentuadas de preços que vimos no passado”, afirma Luís Lima. José Carlos Pereira vai mais longe e retira protagonismo à COVID-19, pois para o agente imobiliário, “o mercado imobiliário tem geralmente oscilações cíclicas de 5 em 5 anos, isto de certa forma vem regularizar e estabilizar a própria atividade”.

Paulo Leal, Remax UP Palmela

Paulo Leal, antecipa que “a quebra do mercado imobiliário, pós covid-19, vai ser sentida principalmente no mercado estrangeiro”, no mercado nacional está “convicto que vai continuar a funcionar até porque os preços vão estar mais apelativos”. Apelativos talvez, mas pela descida de preços que avizinha, “porque a procura pode ser menor”.

Rui Roque, analisa a situação atual, de forma ponderada. “Especula-se descida, porém será prematuro afirmar categoricamente. O mercado imobiliário é um mercado lento, complexo e demorado, em função de algumas variáveis, o seu tempo irá adaptar-se. A resposta e retoma da economia e do sistema financeiro, associado ao turismo e indicadores de confiança ao investimento, derivados do desenvolvimento do controlo da pandemia a nível sanitário, serão fatores-chave nesse percurso. No presente, diria que os preços se mantêm, aguardando a resposta da procura, atento aos fatores mencionados. É importante referir que pode haver respostas diferentes a nível local/regional, num panorama nacional, dependendo de onde se situem os imóveis”.

“Perante este cenário sabemos que é inevitável que o imobiliário sofra também o impacto desta crise pandémica, que é também uma crise económica”

A crise no mercado imobiliário parece estar a chegar, mas menos rigorosa, “atualmente não há excesso de stock, nem os níveis de endividamento a que assistimos no período da Troika”. Porém, “perante este cenário sabemos que é inevitável que o imobiliário sofra também o impacto desta crise pandémica, que é também uma crise económica, adivinhando-se pela frente um período de enormes desafios relacionados com a quebra da procura estrangeira motivada pelas questões sanitárias que farão com que nos próximos tempos haja uma tendência para o adiamento de investimentos e uma retração nas viagens. E também no mercado doméstico, devido à quebra do poder de compra das famílias motivada pela instabilidade laboral que é expectável”, reforça Luís Lima.

O positivismo parece ser palavra de ordem, pelos “sinais positivos, que inclusive nos foram transmitidos pelo setor financeiro ao mais alto nível de que o “milagre português” na gestão da questão sanitária tem despertado o interesse dos estrangeiros em investir em Portugal, estando aqui uma “porta aberta” para conseguirmos agregar algum investimento que poderia estar dirigido para Espanha ou Itália. Sobre este ponto, os vistos gold continuarão decerto a ter um papel muito importante enquanto elemento para a captação de investimento estrangeiro”, antecipa o presidente da APEMIP.

A gestão do Governo português da crise sanitária para Rui Roque também pode ser um chamariz e um cartão de visita para investidores estrangeiros “pela boa resposta que, até agora, temos dado na gestão da pandemia, inspirando confiança dos investidores. É preciso perceber que, apesar das alterações que a covid-19 veio proporcionar, a vida continuará.”

José Carlos Pereira afasta o cenário de crise e enaltece o poder do mercado imobiliário que considera “um dos mais seguros em termos de investimento”. Paulo Leal, afasta receios quanto ao presente e ao futuro, pois acredita que todos “vamos ter de aprender a viver com o vírus até termos uma vacina, mas a vida não pode parar e não vai parar”. Adianta que “é provável que nesta fase inicial existam mais dificuldades e o número de vendas a baixar, mas brevemente voltará tudo ao normal.”

José Carlos Pereira, Domus Baía

O vírus parece ter deitado por terra o conceito de normalidade e a pandemia covid-19 continua a mudar vidas. Rui Roque acredita “que venha a sentir esse efeito nos próximos tempos, apesar de, a nível de agência, termos trabalhado bem, mesmo neste período, no que respeita à angariação e promoção de novos negócios.”

O vírus já mostra impacto no mercado imobiliário, muito “embora o mesmo só se vá sentir daqui a dois, três meses no nosso caso particular. Os negócios neste ramo, andam atrasados sensivelmente 60 a 90 dias, ou seja as escrituras que são efetuadas hoje, o negócio foi concretizado à 60 ou 90 dias atrás”, explica José Carlos Pereira.

Mas, se para José Carlos Pereira, este efeito ainda demora a sentir-se na atividade, Luís Lima mostra, “enquanto empresário de mediação imobiliária” que a “realidade foi semelhante à da grande maioria dos colegas, com o número de negócios a cair consideravelmente, até pelo impedimento que tivemos, imposto pelo Estado de Emergência, em realizar visitas aos imóveis com os nossos clientes. Felizmente desde o dia 4 de maio que a mediação imobiliária foi incluída num regime de exceção que permitiu a sua reabertura ao público, o que resultou das solicitações feitas pela APEMIP e transmitidas por via da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), em sede de Concertação Social, e que foram consideradas pelo Governo, dando um sinal positivo à classe de que está a ser dado o devido valor ao nosso setor e à importância que temos no panorama económico nacional.”

O futuro para estes profissionais está envolto em nuvens, os receios são muitos, mas, se José Carlos Pereira considera que “o mercado imobiliário tem geralmente oscilações cíclicas de 5 em 5 anos, isto de certa forma vêm regularizar e estabilizar a própria atividade, quando o mercado está mais ativo é normal abrirem muitas mais empresas no setor e aparecerem os chamados “freelancers” quando o mercado abranda, resistem os mais conhecedores da atividade e mais bem preparados para a quebra, como se diz na minha aldeia, é da vida”.

“A realidade foi semelhante à da grande maioria dos colegas, com o número de negócios a cair consideravelmente”

Luís Lima, alerta para uma “crise pandémica inédita e sem precedentes, pelo que todos os países estão quase diariamente a aprender a lidar com os desafios que se apresentam. O mesmo se aplica nos negócios. No setor imobiliário temos pela frente o desafio da quebra da procura nacional e estrangeira e a tendência para a desvalorização do património. Apesar de tudo, e como referi, não há justificação para que tal aconteça, a não ser pelo ajuste dos valores que já estavam especulados. Se na última crise, havia um excesso de oferta que motivava a descida de preços, desta vez este excesso não se verifica, sobretudo nos segmentos médio e médio baixo onde continua a haver falta de casas à medida das necessidades e possibilidades dos jovens e famílias. Tal situação exigirá muita prudência por parte dos agentes do setor na adequação à nova realidade do mercado. Do lado das oportunidades, o regresso da procura estrangeira (numa fase mais posterior) e o mercado de arrendamento. Vamos assistir a um aumento considerável da procura, mas também da oferta criada pela migração de produto oriundo do mercado de alojamento local. Perante esta realidade, o arrendamento surgirá como também uma oportunidade de investimento, aliada à expectável manutenção das taxas de juro.”


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