Opinião

Não Vale Tudo! A Privacidade Em Regime de Teletrabalho

Nos dias que correm face ao grande impacto derivado da pandemia que vivemos, o teletrabalho foi um mecanismo extremamente utilizado para não deixar que a economia congelasse e se afogasse por completo, impedindo que muitas empresas do setor privado encerassem a sua atividade.

Mais de um milhão de pessoas ficaram em regime de teletrabalho e sem sombra de dúvida este instrumento jurídico, abarca diversas vantagens tanto para o empregador como para o trabalhador, como a comodidade de ser flexível e de puder ser desenvolvido em qualquer local apetecido. Não obstante, uma das grandes desvantagens do trabalho à distância é a dificuldade em controlar o trabalhador, uma vez que é necessário cumprir à letra a lei, sendo por exemplo a utilização de programas informáticos de monitorização ilícito, tornando assim árduo esta fiscalização constante do empregador, todavia possível, como irei desenvolver e elucidar ulteriormente. Estes programas informáticos permitem ao empregador vigiar e controlar tudo aquilo que o trabalhador faz online, sendo isto um verdadeiro atentado à Privacidade e são instalados de forma dissimulada para que ninguém dê conta da sua existência.

Na minha ótica, uma das formas legais de monitorizar os trabalhadores que se encontrem em regime de trabalho à distância são a criação de objetivos diários e semanais e os mesmos terem de ser entregues e cumpridos a tempo e horas, sendo por isso, basilar que as empresas criem estas métricas temporais de execução de tarefas para que não percam a sua gravitas.

O teletrabalho encontra-se regulado no código do trabalho, sendo o artigo 165 que o enuncia, “Considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação”. Este artigo reflete expressamente a vontade do legislador em imunizar os direitos dos trabalhadores ao oferecer-lhes um meio de proteção jurídica evitando assim práticas ilegais e abusivas dos “patrões”, visto que estes se encontram numa posição mais favorável e o Direito salvaguarda sempre a parte mais frágil num negócio jurídico, neste caso o trabalhador.

É necessário escudar a privacidade do trabalhador que se encontre em teletrabalho, em virtude de respeitar os direitos de personalidade, erga ommes, que dimanam do código civil de 1966, neste contexto em concreto o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ao abrigo do artigo 80 do cc. A violação deste direito acarreta o dever de indemnizar o lesado em conjugação com o artigo 483cc, referente à responsabilidade civil que emana da prática de um ato ilícito, podendo ser estes danos patrimoniais e ou não patrimoniais. Os direitos de personalidade possuem tutela jurídica e são direitos irrenunciáveis, intransmissíveis e visam promover a defesa da dignidade humana na sua essencialidade, inerentes à construção do Direito e da “Pessoa”.

 É isto que todos os trabalhadores deveriam de saber! Esta informação jurídica é indispensável e é originada desde do nascimento completo e com vida, à luz do artigo 66cc. Esta noção genérica do ADN que um Estado de Direito doa ao seu cidadão é imprescindível, daí que a meu ver teria de ser obrigatório que as empresas públicas e privadas dessem uma pequena formação jurídica aos seus trabalhadores, uma vez que o Direito é o “Pão Nosso de Cada Dia”.  

O modus operandi das pessoas coletivas tem de mudar! Só assim podemos blindar as pessoas singulares de males invisíveis que apenas ulteriormente emergem.

Temos vindo a saber que tem existido com frequência práticas ilegais e abusivas iniciadas voluntariamente pelos empregadores, por forma a controlarem os seus trabalhadores no trabalho remoto ou à distância, porém, “Não vale tudo!”. Esta prática ilegal é punida por lei e acarreta consequências jurídicas graves para quem as realiza, sendo atualmente uma práxis. Estes acontecimentos atípicos têm vindo a crescer exponencialmente desde que o regime de trabalho à distância foi implementado e utilizado por muitas empresas e muitos trabalhadores nem se apercebem de que estão a ser “espiados”.

 Neste âmbito irei enunciar outro artigo que visa zelar pela proteção dos trabalhadores em regime de teletrabalho, sendo este o 16 do código do trabalho, em que o empregador e trabalhador têm de se respeitar mutuamente no que toca aos direitos de personalidade como supra referi e expliquei.

A forma legal de supervisionar o trabalho à distância no domicilio do trabalhador é através de visitas realizadas pelo empregador tendo por objeto o controlo da atividade laboral e apenas pode ser efetuado entre as 9 e as 19 horas, sendo que deve ser sempre respeitado esta regra jurídica emanada da lei, ao abrigo do artigo 170 do código do trabalho.

As empresas têm recorrido a diversos programas informáticos para conseguir vigiar os seus empregados à distância, sendo, todavia, uma prática ilegal e que coloca em xeque os direitos da pessoa humana, como o direito à privacidade constitucionalmente existente, artigo 26 número 1 CRP (Constituição da República Portuguesa).

Desde a Pandemia Covid-19, que à luz de dados da plataforma Top10 VPN, os pedidos de licenças para a instalação e uso dos programas de monitorização remoto aumento mais de 60%, o que revela que é necessário existir uma maior atenção dos Sindicatos em relação a este flagelo que se propaga diariamente na vida laboral dos trabalhadores.

O empregador tem deveres aos quais não pode escapar e ignorar, visto que o Direito tutela e não fecha os olhos, sendo ele o artigo 127 CT, nomeadamente o número 3 do código do Trabalho, uma vez que este deve proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho que favoreçam a conciliação entre a atividade laboral e a vida pessoal e familiar deste último.

O patrão tem o Direito de fixar as suas diretivas em relação aos seus funcionários sempre dentro dos limites legais, isto é, sem nunca “pisar” a lei e os direitos que dela derivam. Sublinho para sustentar aquilo que anteriormente referi, os artigos 128 CT e 97 CT, em que o empregador possui o poder de direção.

Irei por último abordar um pouco acerca do quadro europeu e internacional neste cenário jurídico de vigilância à distância no local de trabalho.

No quadro do Direito internacional, refiro o artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que protege a vida privada da pessoa humana, mais uma ferramenta jurídica útil que pode ser utilizada como arma de combate para vencer os abusos dos patrões aquando não respeitam a privacidade e insistem em controlar e monitorizar os seus trabalhadores sem consentimento e de forma ilícita. Esta realidade atual é grave e é um crime contra os direitos humanos!

No Pacto internacional sobre Direitos civis e políticos, enuncio o artigo 17, que refere que ninguém pode ser alvo de “ingerências arbitrarias e ilegais na sua vida privada”, mais um escudo que deve ser usado pelos trabalhadores contra os seus “patrões”.

Já na esfera da União Europeia, esta também cria imunidade jurídica e apoio ao direito à vida privada no seu artigo 7 e 8 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esta proteção é indispensável e basilar na vida de todas as pessoas, visto que protege a vida privada e o direito à proteção de dados de carácter pessoal que nada diga respeito a terceiros.

No prisma da lei RGPD (Regime de Proteção de Dados), existe também proteção jurídica no âmbito do Direito do Trabalho, no seu artigo 28, que engloba as relações laborais realizadas entre empregador e trabalhador. Neste contexto apenas sublinho que o tratamento de dados pessoais do trabalhador pode ser efetuado pelo empregador desde que respeite escrupulosamente os limites definidos pela Lei.

Posto isto, é necessário o olho bem aberto e bastante atenção para evitar estas práticas ilegais, abusivas e caso seja trabalhador em regime de teletrabalho, redobre a sua a prudência. Se suspeitar de algo díspar, irregular, reporte essa situação ao seu sindicato ou advogado.

O Direito é a égide da sociedade!


ÚLTIMA HORA! O seu Diário do Distrito acabou de chegar com um canal no whatsapp
Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *