Opinião

Manual de Sobrevivência para o regresso a um futuro distópico num presente onde “uns são mais iguais do que outros”!

Em pleno período de transição entre o Estado de Emergência e o Estado de Calamidade, e muito longe da normalidade, no mesmo hiato temporal em que foram impostas medidas especialmente restritivas da circulação dos cidadãos, com proibição de circulação entre Concelhos, salvo questões de trabalho ou outras muito excepcionais, eis que assistimos no dia 1 de Maio a uma estranha “excepção à excepção” que começa a tornar-se lamentavelmente frequente e, facto também de lamentar, com o aval mais ou menos expresso das autoridades nacionais e dos Órgãos de Soberania.

Tal “excepção à excepção” consistiu nas comemorações do dia do Trabalhador na Alameda D. Afonso Henriques, com uma mobilização genérica de trabalhadores e sindicalistas oriundos de diversos locais do país, e que, desde logo, tiveram forçosamente que atravessar Concelhos sem que quaisquer explicações lhes fossem pedidas. Fizeram-se transportar em autocarros, desconhecendo-se sob que medidas de segurança em termos de cumprimento das determinações da Direcção Geral de Saúde, do que vimos nem todos tinham máscara, e quando se pede a um país inteiro que fique confinado em casa, que nem sequer possa ser assinalado o dia da mãe condignamente, é caso para nos questionarmos sobre o funcionamento da nossa democracia.

Podem dizer-me que foram respeitadas medidas de distanciamento social, mas se tal sucedeu em termos de disposição das pessoas a certa distância umas das outras, não se olvide que viajaram juntas muitas delas, que muitas não usavam máscara, e que muitas cruzaram Concelhos (o que era proibido ao comum dos mortais) e aquando da desmobilização, existem fotos que comprovam a distribuição perfeitamente errática e a concentração de pessoas em imensa quantidade, ao mais puro arrepia das boas práticas determinadas pela DGS. Existindo prova documental, não é possível negar o óbvio, nem “atirar areia para os olhos”.

À semelhança do 25 de Abril, mas diria que em escala ainda maior e quiçá ainda mais perigosa, permitem-se e insistem-se em assinalar alguns eventos presencialmente, enquanto se suprimem outros de forma aleatória, sem outros critérios que não sejam políticos, o que muito lamento ter de reconhecer.

Todos os que levam o confinamento a sério foram desrespeitados, e estão legitimados a sentir profunda revolta e tristeza, perante desigualdades deste porte.

Logo, e como ontem referi à laia de desabafo no meu perfil pessoal do Facebook, ocorreu-me reflectir o seguinte: A propósito do sistema de “Dois pesos e duas medidas” vigente na “democracia” Nacional, e ilustrando pelo menos duas situações da actualidade Portuguesa neste ano da nova peste negra posso retirar as seguintes conclusões do observado de forma pública e notória – há locais com imunidade garantida ao Corona Vírus, a saber: a Assembleia da República (durante o 25 de Abril) a Alameda D. Afonso Henriques (no dia 1º de Maio), há também pessoas com imunidade especial (todos os cidadãos que puderam comparecer em ambas as “celebrações”) enquanto ao resto do pais se pede que recolha a suas casas num confinamento descontente e forçado ( e desigual) sem poder cruzar concelhos.

Foi inevitável, para uma bibliófila como eu recordar o célebre “animal farm” de Orwell, livro mais conhecido em Portugal como “O Triunfo dos Porcos”, uma interessante e inteligente fábula que nos ensina que : “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”. É triste, mas é este tipo de “igualdade” que vejo no meu pais. Leiam Orwell e depois digam de vossa justiça se se identificam com algumas das personagens.

Triste é a inegável realidade que a todos (ou quase todos, já antecipando excepções mais ou menos públicas e notórias) espera a partir de segunda feira, com a necessidade e obrigatoriedade de usar máscara ou viseira em espaços fechados com múltipla afluência de pessoas, designadamente, nos serviços públicos, nos espaços comerciais, nos espaços de prestação de serviços, nas escolas e creches (com excepção  justificada relativamente a crianças de idade inferior a 6 anos) e nos transportes públicos, sendo aplicadas coimas que variam entre €120 e €350 euros para os incumpridores (desconhece-se ainda qual a entidade que irá gerir os processos de contraordenação e quais as garantias de defesa os futuros arguidos). Espero sinceramente que existam máscaras, viseiras e desinfectantes em quantidades e preços acessíveis para todos, e com taxas de Iva reduzidas, visto serem doravante e por tempo indeterminado bens absolutamente essenciais.

Espero que a especulação de preços seja também tão duramente penalizada quanto o incumprimento das normas impostas (e a não ser assim lá teremos mais uma desigualdade).

Vamos precisar de programar nas nossas mentes um verdadeiro manual de sobrevivência, vamos ter mesmo que nos reprogramar, cada vez mais nos será exigida a adaptação a um novo e cruel mundo distópico que nada tem de normal e está mesmo muito distante de “ficar bem”. Muitas destas medidas, que reconheço serem imperativas nesta guerra biológica que atravessamos e de que somos voluntários à força, fazem crescer em nós a sensação de que, a pouco e pouco, nos desumanizamos, é especialmente duro para os povos latinos, por norma extrovertidos e muito sociais, cumprir as normas de uma nova etiqueta social , familiar e, mais grave, afectiva.

Questiono-me até quanto? E tenho a certeza de que em todos nós vão ficar gravados traumas que nunca iremos esquecer, mesmo os mais jovens. Tudo isto só será “normal” para os que agora nascem e que irão crescer neste novo mundo. Não é menos triste para eles, embora não tenham consciência inicialmente, pois ninguém é feliz num mundo distópico, onde uma máscara, uma viseira, uma distância e a impossibilidade de um beijo ou de um abraço e mesmo de um cordial aperto de mão nos separa como seres humanos.

Pessoalmente confesso que não me parece nada bonito o mundo visto atrás de uma viseira, que me protege a vida mas me mata por dentro, aos poucos.


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