Opinião

Limpar a floresta v/s floresta

Uma crónica de Teresa Foz

Muito se tem escrito e dito sobre a limpeza das florestas, desde que o estado decidiu atribuir esse encargo aos cidadãos.Importa antes de qualquer tomada de posição sobre este tema, perceber de que estamos a falar.

Sabemos que apenas cerca de 2% da floresta portuguesa é publica. Sabemos que, nomeadamente a norte do Tejo, onde impera o minifúndio, a maior parte do coberto florestal se encontra praticamente ao abandono, em virtude da migração das populações para as cidades do litoral desde a década de 70 do século passado.

A morte dos antigos proprietários esquartejou ainda mais as propriedades em virtude das partilhas, diminuindo ainda mais a viabilidade de qualquer cultura produtiva. Como se não bastasse, o desaparecimento dos proprietários originais e a falta de contacto dos herdeiros com a terra, aliada à falta de registo predial da grande maioria dos terrenos rústicos, e à ausência do respectivo cadastro, acabou por originar um sério problema de geolocalização dos terrenos. 

Mas o estado não se atrapalhou e perante o flagelo dos incêndios florestais de verão  e a tragédia de Pedrogão, atirou para cima dos cidadãos o ónus de resolverem o problema.Na falta do cadastro rustico e do registo predial, foi às matrizes fiscais e legislou a presunção de posse de quem nelas figurasse, atirando para cima dos presumidos possuidores o ónus de encontrarem os terrenos e procederem a sua limpeza.

Ou seja, para resolver um problema politico, o estado criou um verdadeiro drama para muitas famílias que não tiram qualquer proveitos dos ditos terrenos florestais, e na maioria das vezes nem sequer os sabem georreferenciar, tendo-se limitado a inscreve-los na relação de bens apresentada nas finanças, pelo facto de os mesmos constarem do património predial dos seus familiares entretanto falecidos e agora enfrentam a obrigação de proceder à sua limpeza sob pena de serem autuados com pesadas coimas. 

Aqui contudo surgiram desde logo dois problemas de aplicação prática deste regime, o primeiro é da fiscalização, uma vez que, sem cadastro torna-se impossível determinar, na maioria das situações, a correspondência entre determinado terreno e qualquer  descrição constante de caderneta predial, o segundo é da presunção a posse, uma vez que tal presunção é facilmente elidível. Na verdade, o que este regime draconiano veio criar foi mais um negócio, o negócio da limpeza florestal, sem qualquer regulamentação, deixando à especulação o caminho aberto.

Como acima se refere, sem cadastro, ninguém pode em bom rigor ser responsabilizado, pela simples razão de que não é possível saber de quem é o terreno florestal que não foi limpo.Reconhecendo implicitamente a sua impotência para resolver o problema, veio então o estado criar a chamada bolsa de terrenos sem dono conhecido.

Mas será que a chamada limpeza florestal, ou gestão de combustíveis tal como esta configurada pela Lei em vigor.é verdadeiramente um factor de prevenção dos incendidos em Portugal? E a que preço?O malogrado arq.º Ribeiro Teles num artigo publicado, vem contestar veementemente esta solução.

A caracterização da origem dos incêndios em Portugal , também sugere que a maioria dos incêndios se deve a duas causas primordiais: acção criminosa e a progressiva substituição das espécies autóctones, por espécies de crescimento rápido e maior facilidade de combustão, como o pinheiro e o eucalipto.A solução passaria por ventura pelo cadastro da floresta, e pela criação de incentivos económicos e financeiros à sua manutenção. 

Claro que isso custa muito dinheiro e leva muito tempo, é mais fácil bater nos suspeitos do costume, a classe média, imputando-lhes putativas condutas ilícitas, com base em presunções, esbulhando-os um pouco mais e escondendo o verdadeiro problema. Até quando? Que tragédia mais será necessária para que se encare a floresta como uma prioridade e um investimento no presente e no futuro?


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