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Aulas à distância aumentam preocupações dos professores

A pandemia de covid-19 levou ao encerramento dos estabelecimentos de ensino em todo o país e, se a situação foi um pouco controlada com as férias da Páscoa, o regresso dentro do possível às aulas, veio trazer novas forma de ensino para os quais nem alunos nem professores estavam preparados.

O Diário do Distrito auscultou alguns docentes sobre as preocupações e dificuldades que este ensino à distância tem trazido desde o início do terceiro período escolar. 

‘Um caos absoluto’

“Tenho dois endereços electrónicos (o pessoal e o profissional), mas ambos “trabalham” ao serviço do ensino e, agora, das aulas à distância” refere uma professora que trabalha num agrupamento da Grande Lisboa.

“Em cada um deles recebo diariamente entre 25 a 50 mensagens de alunos (cujo número de inscritos é ainda muito inferior ao número real), de colegas, da direcção da escola, do Ministério.

Trabalho desde as 7h00 até às 24h00 e, por vezes, até mais tarde, a dar resposta às mensagens, a preparar aulas, a pesquisar recursos, a produzir materiais, a estudar, a aprender.”

E desabafa: “é um caos absoluto. Se não tivéssemos de dormir, seriam 24 sobre 24 horas a dar resposta a tudo. E a maior parte das vezes até perdemos as refeições. São horas e horas de volta dos programas, dos emails, do planeamento e nem sempre os alunos seguem as instruções.

Só para ter uma ideia, ontem preparei uma aula síncrona online para as 11h00, avisei todos os alunos e 32 minutos depois estava a entrar na aula o 4º aluno… e as minhas aulas tento que não durem mais do que 40 minutos.”

Para esta professora “é tudo muito complicado, da tecnologia à adaptação, que tem de se rápida e por vezes os alunos também não conseguem aceder a estas tecnologias e que não têm perto de si quem os acompanhe e ajude.”

Da parte dos alunos nota “uma boa aceitação e uma enorme ânsia para estabelecerem contacto connosco e esclarecerem dúvidas, e por isso recebo centenas de emails por dia. Por outro lado, há alunos que ainda nem estão inscritos e outros que, estando inscritos, ainda nem apareceram às aulas.

Da nossa parte vamos fazendo o melhor que pudemos com o que temos.”

‘Horas e horas de planeamento e centenas de email’

Também uma professora no distrito de Setúbal que pediu para não ser identificada referiu ao Diário do Distrito que “está tudo muito complicado. São horas e horas de planeamento, muitos emails dos alunos com dúvidas e depois temos pais que não percebem como devem atuar e dar resposta às solicitações da escola e estão sempre a fazer as mesmas perguntas. Tive um aluno de quem durante 1 mês não soube nada sobre ele, mesmo depois de uns vinte emails enviados para o Encarregado de Educação e mensagens. Até que liguei do meu telemóvel e vim a saber que o menino até tinha feito todos os trabalhos que indiquei, mas não mos enviaram. E depois a mãe mandou-me 30 fotografias dos trabalhos realizados, será que julga que eu sou capaz de corrigir 30 trabalhos de uma assentada.

Na passada sexta-feira foram ‘só’ 56 fichas que vi, corrigi, fiz anotações e cotei… Eram 21h00 ainda não tinha jantado, e também tenho os meus filhos em casa…”.

Em relação aos alunos, esta professora aponta ainda os problemas com “os alunos com Necessidades Educativas Especiais que estão a receber trabalho porque os professores estão a reinventar estratégias de chegar até eles.

Depois tenho alunos que são os únicos que falam o português na sua família direta, facto que tem condicionado muito a explicação de trabalhos e a indicação de diretrizes.”

‘O trabalho de professores
está a deixar-nos doidos’

Uma terceira professora colocada num agrupamento do distrito, que também pediu anonimato desabafa: “o trabalho de professores está a deixar-nos doidos! Realizamos as tarefas, enviamos para os alunos e aí é que está o problema porque em todas as escolas, há muitos alunos sem computador, sem telemóveis ou sem acesso à internet.”

Segundo esta professora “isto obriga a que seja a escola a fornecer os materiais imprimindo-os e os pais recolhem-nos, ou então enviamos por email e depois têm de procurar um local com wi-fi gratuito (café, junta de freguesia, centro de saúde ou roubam ao vizinho) e descarregam as atividades, fazem-nas e reenviam, nem que seja por foto. As aulas síncronas são uma realidade muito infeliz, na minha escola, porque 60% dos alunos não têm PC e 20% não tem net, o que inviabiliza esse trabalho, mas muitos colegas avançam mesmo assim. Eu recuso-me. Tenho de trabalhar para a inclusão e não para a exclusão de alunos.”

Também esta professora apresenta os problemas relativos aos alunos de Necessidades Educativas Especiais, “que têm atividades adaptadas, para quem temos de conceber outras fichas e enviar para todos os canais (plataforma, mail ou entregue em mão).

Multiplique-se isto pelo número de turmas que os professores têm, eu tenho cinco e cada turma tem uma média de 4 alunos com adaptações (ao abrigo do Dec.54 e 55), e é ver o que pode significar uma atividade individual para cada, sendo que são pouco autónomos e não conseguem fazer muita coisa, necessitando da ajuda dos pais.”

Outro problema coloca-se aos directores de turma “que têm de estabelecer contacto com todos os professores da turma e com todos os encarregados de educação, os que atendem, claro, e assegurar que todos estão a cumprir, e se isso não acontecer é preciso reportar.

Chego a passar duas e três horas por dia a comunicar através de telefone ou mail.  E já tive que recorrer à Escola Segura, para ir a casa de pais que não atendem telefones nem respondem a mails.”

Esta professora conclui que “isto veio evidenciar que os bons alunos serão sempre aqueles que provêm de famílias estruturadas, com capacidade económica e com pais bem formados, só estes terão acesso à informação de uma forma correcta e profícua, os outros vão continuar a sentir-se inferiores, porque numa escola há turmas a trabalhar em plataformas, a receber e a enviar mails e eles apenas recebem fichas para fazer em casa.”

Outra dificuldade apontada por esta professora passa pelo facto dos professores “terem alguma dificuldade em conseguir adaptar-se a esta nova forma, não conseguem ser muito sucintos e enviam imensa informação que os alunos não conseguem ‘absorver’, por isso o objetivo será apenas manter os alunos com alguma atividade escolar, novos conteúdos, nem pensar.

Para o próximo ano o ministério da Educação deveria já estar a pensar como compensar tudo isto. Há que aumentar a carga horária, para compensar. Muitos programas não serão cumpridos, e deviam ser enviadas, já no final do ano, indicações nesse sentido, para as escolas se organizarem, porque irá mexer com horários de professores e ocupação de salas.”

E deixa uma última crítica “o Governo parece passar uma imagem que tudo está a funcionar mas isto é cada um por si, porque da parte da tutela as indicações são muito ‘vazias’, assim um pouco como o seu ministro, não dizem nada. E o que é estranho é o senhor ministro agora aparecer tantas vezes a elogiar os professores…”.

‘O complicado é corrigir os trabalhos no computador’

Outra professora numa escola do distrito de Setúbal, explica que “as aulas online à distância não são obrigatórias por isso cada escola ou cada professor está a gerir como entende. Eu decidi fazer on-line e nas disciplinas com mais carga horária como o português e matemática podemos dar 2 aulas de 50 min. As restantes disciplinas é 1 aula de 50 min.

Os meus alunos gostam porque conseguem ver-me e conseguem ver os colegas também. Trabalhamos com a plataforma google classroom onde todas as segundas-feiras são disponibilizadas as tarefas para os alunos fazerem (com um prazo de cerca de uma semana).

Isto depende de escola para escola, por exemplo o meu filho está no 7º ano e não têm aulas on-line. Distribuíram as disciplinas pelos dias da semana e os alunos têm que fazer as tarefas dessa disciplina e enviá-las no próprio dia.”

Todavia refere que “o preparar as tarefas e outros materiais não foi complicado, o que é complicado para mim é corrigir os trabalhos no computador porque definitivamente prefiro o papel. Aí sim temos imenso trabalho e ocupa muito tempo. Trabalhamos mais do que a dar aulas nesse aspeto.

Como a minha escola já era uma das que trabalha de forma diferente (trabalhamos em grupo 5º e 6º ano misturado e trabalhamos por projeto), não foi difícil para os alunos se adaptarem até porque já trabalhávamos muito com o programa.”

Nota: as professoras solicitaram o anonimato porque para poderem prestar declarações, têm de obter permissão superior, o que o Diário do Distrito respeita.


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