Opinião

A pneumónica em Aldeia Galega – 1918/1920

Já não existe ninguém vivo que tivesse assistido à pandemia da pneumónica em Aldeia Galega nos anos de 1918/1919, mas existem muitas pessoas ainda vivas que lhe contaram coisas horríveis sobre a doença e os seus familiares que tinham morrido nessa altura. Morreu um tio da minha mulher e todas as pessoas da família sabem disso. Uma vizinha com quem há dias falava sobre pandemia/pneumónica disse-me que na pneumónica tinham morrido quatro familiares seus.

O meu Pai que nasceu em 1900, já era um homem quando ocorreu a pneumónica e contou-me que morreram muitas pessoas ainda jovens, 20 anos a 30 anos, na altura o grupo de maior risco, que deixaram muitos filhos órfãos e que se criaram orfanatos para os recolherem. Nessa época os jovens casavam mais cedo e tinham muitos filhos.

Não havia hospital e só havia dois médicos, um no campo e outro na Vila. Nessa época muita gente vivia no campo. Não havia água canalizada, nem luz, nem esgotos e a grande maioria das casas eram de adobos, com chão em terra batida os rapazes andavam descalços e muito malvestidos. As ruas da Vila andavam muito sujas, por causa dos dejetos dos animais que circulavam pela Vila.

Nunca me contaram o número das pessoas que morreram, porque não sabiam, mas calculo pelo que tenho lido e ouvido que possam ter sido centenas de pessoas para uma população que pelos censos de 1900 era de cerca de 10 000 habitantes. As pessoas têm na memória os mortos que lhe contaram na família em relação aos seus familiares e nunca o número total.

O Médico César Fernandes Ventura, natural e residente em Aldeia Galega, mas que não exercia, era filho de António Soares Ventura, proprietário da maior empresa de Aldeia Galega. M. S. Ventura & Filhos, tinha um laboratório vinhos e dedicava a sua atividade à produção de vinhos, ao comércio e à agricultura.

A Firma M.S Ventura & Filhos à época (1851 a 1931) era de longe a maior empresa de Aldeia Galega e uma grandes empresas do país, importava batatas para semente, sulfato de cobre, enxofre e adubos e exportavam batatas, vinhos, carnes de porco. Cebolas. Alhos, laranjas, uvas e maçãs, sal, conservas de ervilha e feijão verde, tinham sede em Aldeia Galega, escritórios em Lisboa e em Paris. Tinham salinas, propriedades agrícolas, armazéns e muitas propriedades e 22 fragatas para serviço da Empresa.

O médico César Fernandes Ventura (1867/1957) que não exercia medicina, passou a exercer e tornou-se uma das pessoas mais influentes na tragédia da pneumónica em 1918/1919, tratando dos doentes dia e noite e colocou as primeiras duas dezenas de órfãos na casa da Mãe e mais tarde fundou o Orfanato Aldegalense na Rua Machado dos Santos. Este orfanato durou até 1973 (?), data em que foi extinto por Decreto. Na mesma data o Asilo de S. José também foi extinto e os idosos e as instalações passaram para a Santa Casa da Misericórdia de Montijo.

O Filho do Dr. César Fernandes Ventura que também se chamava César Ventura que já faleceu há uns bons anos e que eu conheci muito bem, escreveu um texto em que a

determinada altura disse que o Pai lhe disse que “Assistiu ao drama de uma Vila, com os seus melhores homens a morrer, sem que houvesse meios para os salvar”.

Para termos uma ideia da tragédia que foi a pandemia de há mais de século, transcrevo uma pequena parte do texto que o César Ventura (filho)escreveu sobre o que o Pai lhe contou.

“Apareceu-lhe uma mulher a pedir que fosse ver um casal que estava muito mal num forno de cal. O meu Pai foi, e quando chegou verificou o óbito da mulher e receitou ao homem que lhe parecia também estar a morrer. Quando se voltava para se ir embora pareceu-lhe ver a mulher mexer, voltando para junto dela e destapando-a, verificou que debaixo daqueles trapos e agarrada à mãe que já era cadáver, estava uma menina a mamar. O meu Pai chamou a mulher que lhe tinha pedido para os ir ver e mandou arranjar uma ama para a menina, pois naquele tempo não havia biberão.”


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