OpiniãoPolítica

A cobardia é o que permite a ascensão da tirania

Uma crónica de António Abreu.

216 deputados votaram a favor da nova lei da censura e 14 abstiveram-se no dia 8 de Abril de 2021. Nenhum votou contra. O Presidente promulgou o diploma no dia 8 de Maio, sem uma única notícia na comunicação social nem qualquer debate na sociedade civil.

O que é a “nova lei da censura”? É o artigo 6º. da “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital” que estabelece um novo Direito de “protecção contra a desinformação”, que institucionaliza a censura de pessoas singulares ou colectivas que “produzam, reproduzam ou difundam” narrativas consideradas pelo Estado como “desinformação”, baseando-se no Plano Europeu de Ação contra a Desinformação.

Esta “Carta” com um nome bonito e fofinho a favor dos “Direitos Humanos” determina que o Estado irá “apoiar a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social” e “incentivar a atribuição de selos de qualidade” à imprensa considerada “fidedigna”.

Os projectos de lei do PS e do PAN, foram debatidos em Outubro de 2020, e, na altura, vários deputados no plenário intervieram:

  • o deputado do PS, José Magalhães (um dos autores da lei), defendeu que a carta iria “afirmar” Portugal no processo de transformação da internet num “instrumento de conquista da liberdade”;
  • o deputado do PAN, Nelson Silva, reforçou a questão da “proteção dos cidadãos contra as fake news;
  • o deputado do PCP, João Oliveira, apresentou reservas e defendeu que o Estado Português não pode estar “contrangindo por força da regulamentação da União Europeia”;
  • o deputado do BE, José Manuel Pureza, disse que o Bloco não aceitaria o “argumento de que a esfera digital não está obrigada a regras” e que necessita de “supervisão democrática”;
  • o deputado da IL, João Cotrim Figueiredo, defendeu que era uma Carta que “acaba por ser uma desculpa mal disfarçada para aprovar instrumentos avulsos de monitorização e controlo digital por parte do Estado”;
  • a deputada do PSD, Sara Madruga da Costa, expressou hesitações referentes à “difícil harmonização dos direitos fundamentais à liberdade de expressão” mas referiu que “novos agentes mediáticos em redes sociais” colocam perigos à “sobrevivência de órgãos de informação tradicionais”;
  • o deputado do CH, André Ventura, argumentou que ” a ideia de um discurso de ódio transvestido de alguma forma de censura política não passará”;
  • o deputado do CDS-PP; João Gonçalves Pereira, disse que o “CDS está disponível para contribuir, mas este texto, infelizmente, tem partes em que é muito mau”, mas sem referir-se ao Artigo 6º.

Na votação final em 8 de Abril, a “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” foi aprovada no Parlamento com os votos a favor do PS, PSD, BE, CDS, PAN, das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues e a abstenção do PCP, PEV, CH e IL, tendo sido publicada em Diário da República (Lei n.º 27/2021) em 17 de Maio, e irá entrar em vigor a partir do dia 16 de Julho.

Os dois partidos que mais criticaram a lei em Outubro, a IL e o CH, e os seus respectivos deputados, acabaram por se abster em Abril, como se pode ver no vídeo da respectiva votação no Parlamento.

O PCP e o CDS apresentaram reservas no debate no plenário, mas o primeiro absteve-se e o segundo votou a favor.

Dos partidos que, em nome do “combate à desinformação” (um eufemismo para a manutenção do poder através da limitação da informação), defendem a censura de notícias incómodas e opiniões divergentes, como o PS, o PSD, e o BE, de pouco já se esperava, e o voto a favor tem toda a lógica. Mas de partidos que se consideram “defensores da Constituição” como o PCP, “democratas-cristãos” como o CDS, ou “alternativas” aos partidos dominantes como o CH e a IL, esperava-se muito mais do que uma cobarde abstenção.

Abster-se na lei que mais ataca as liberdades de expressão e de imprensa desde o 25 de Abril é o mesmo que votar a favor, e até agora não se ouviu um “piu”, um esclarecimento, uma retratação, um pedido de desculpas destes deputados. A única ligeira excepção, até ao momento, foi o deputado do PCP, António Filipe, que em declarações ao semanário Nascer do Sol, demarcou-se do apoio do Estado à criação de estruturas de verificação de factos, mas sem explicar porque se absteve.

A conivência e apoio da imprensa dominante a esta nova lei da censura foi a principal causa do silêncio sobre o conteúdo do Artigo 6º, pois em nenhuma notícia foi revelada aos Portugueses, nenhum debate existiu nas televisões ou rádios, mantendo-se oculta desde Outubro de 2020 até Maio de 2021, quando foi promulgada pelo Presidente da República.

A cobardia, seja dos jornalistas que deveriam combater a censura, como estipulado no seu Código Deontológico, seja dos deputados que deveriam representar o Povo, defendendo os seus Direitos e Liberdades, é o que permite a ascensão da tirania.

António Abreu, Sub-Director do Diário do Distrito


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