Opinião

Um lenço de senhora ao vento do populismo demagógico

Uma crónica de Luís Corceiro | Advogado

As eleições para a Ordem dos Advogados estão envoltas na mistificação de uma resposta e na ocultação de uma realidade. Objeto da mistificação e da ocultação é a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). A realidade, à luz último relatório da AON, aponta para a sua insustentabilidade a prazo.

Em 2021, o montante efectivamente recebido de contribuições (€97,12 milhões) foi inferior ao montante de pensões de reforma pagas (€103,27 milhões) e inferior ao montante global de pensões e de subsídios pagos (€110,94 milhões). Temos portanto, só nas pensões, uma diferença de menos 6 milhões e nestas e nos benefícios um buraco de mais de 13 milhões. As contribuições arrecadadas já não cobrem os encargos com pensões e subsídios.

O valor global dos activos financeiros (mobiliários e imobiliários) é de € 548,13 milhões, representando um decréscimo de €739 mil euros face ao respectivo valor no ano de 2020. A reserva patrimonial decresce, porque o jogo na bolsa de valores compensa cada vez menos. A AON faz ainda uma estimativa actuarial segundo a qual, figurando-se uma cobrança de 100% das contribuições, coisa que não acontece há décadas, a partir de 2032 nunca mais será possível pagar pensões sem acumular deficit, porque o encargo será sempre superior ao encaixe.

Este problema que muito pesa nos ombros de todos os advogados é natural motivo de justa preocupação. Este quadro recusa que o tema seja envolvo em demagogia, populismo, mistificação e mentira. As palavras são fortes porque aquilo que está em jogo com a CPAS é um assunto da vida e do bem-estar de milhares de advogados. E porque tal assunto de tamanha importância para o nosso futuro está a ser tratado levianamente na campanha que corre para Bastonário dos Advogados.

A ocultação do problema consiste na cega negação em entender o beco sem saída em que a CPAS meteu a advocacia portuguesa que paga contribuições e que dela aufere pensões e benefícios a que tem direito adquirido. Ocultar os resultados financeiros e de tesouraria da CPAS, após o último relatório anual da AON, mentindo aos advogados, alegando a boa saúde e sustentabilidade da CPAS, apenas com uns jeitinhos e retoques, é uma intrujice do tamanho da desfaçatez e irresponsabilidade da candidatura da advogada que promoveu o referendo à CPAS e agora se acha dona da razão e age arrogantemente em nome dos nove mil advogados que votaram sim no referendo. Nesse referendo votei SIM, porque só com a vitória do SIM a resolução do problema da CPAS se poderia manter em cima da mesa. Mas estive contra a pergunta, sem sentido, que nos foi colocada pela mesma promotora e que consistia na opção que se pretende dar a cada advogado de poder descontar em alternativa para a CPAS ou para a Segurança Social. Uma opção sem sentido a não ser para agitação populista à lá Chega. Por isso não me revejo nessa candidatura desqualificada. O referendo foi bom, a pergunta foi péssima. Manter a opção de escolha voluntária é mistificação.

A mistificação, associada à ocultação, revela-se na descarada mentira que pelo menos uma candidatura a bastonária espalha acerca da solução para a garantia da proteção social dos advogados, defendendo que é preciso respeitar o resultado do referendo à CPAS realizado em 2021. Para essa candidata, respeitar o resultado do referendo seria introduzir na lei, qual legisladora de pacotilha, a faculdade da opção entre CPAS e Segurança Social. Ora essa resposta, é uma não solução, porque não assegura de todo uma resposta honesta seja para quem esteja já abrangido pela CPAS, seja por quem tenha fundadas razões para preferir o regime geral da Segurança Social. Triste e surpreendente é que, além da mencionada candidata novidade, haja mais dois candidatos a Bastonário, um que pretende acertar contas com o atual Bastonário, e outro que já é candidato repetente para os mandatos vindouros, que advogam o respeito pela opção impossível aprovada em referendo.

Desde logo esse resultado não assegura uma via séria, porque na Assembleia da República, que sobre a matéria tem reserva de competência legislativa, não se encontra hoje um único deputado que esteja disposto a dar impulso legislativo a tal absurdo legal. A única deputada que na Legislatura passada, por mera demagogia, apresentou uma iniciativa nesse sentido viu-a chumbada por toda a câmara, vindo a refugiar-se no Chega, após a saída do PAN.

Em segundo lugar porque um tal aborto legal, a poder ser realidade, no imaginário delirante da cristalina demagogia populista daquela candidata, provocaria uma debandada de milhares de advogados contribuintes da CPAS para o regime geral, que a Segurança Social aceitaria de bom grado, sem contrapartida nenhuma, conduzindo inexoravelmente, a curto prazo, à completa derrocada da CPAS sem qualquer ganho para os milhares de advogados que há décadas descontaram.

Todo e qualquer sistema de pensões assenta no princípio da solidariedade geracional. É assim que o sistema de pensões funciona numa sociedade civilizada e solidária. Os avós são sustentados pelos pais que trabalham e estes serão sustentados na velhice pela geração dos filhos que se prepara para ir trabalhar.

A resposta demagógica da candidata, secundada por mais dois candidatos que não têm a coragem de falar a verdade aos advogados, que defendem a opção entre dois sistemas, além de socavar o sistema de solidariedade geracional gerado desde há cerca de 80 anos na CPAS, hipoteca sem escrúpulos nem remorsos o sustento dos colegas que ganharam o direito ao abono da pensão e dos demais cujas carreiras contributivas se esfumarão na derrocada da CPAS. Caucionar esse saque indirecto aos colegas por malvadez, é traição à classe.

É preciso parar esta irresponsabilidade, envolta numa cegueira de mentira demagógica funcionalizada no oportunismo eleitoral da Senhora do lenço.

É preciso ainda falar verdade aos advogados e revelar-lhes os números que colocam, já hoje, a CPAS na rota do desastre daqui a pouco mais de dez anos.

É preciso evitar este desastre com data marcada, encarando de frente o problema da CPAS, preservando os direitos aí adquiridos e negociando dura e inteligentemente com o Estado a integração justa no sistema público estadual de segurança social, com cobertura integral na assistência e na previdência de todos os advogados, de todas as idades. Tudo isto enquanto a CPAS ainda tenha algo para oferecer em troca. Haja coragem, bom senso e verdade.


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