Opinião

Toc-Toc!

Por vezes, há portas que batem com força. Na nossa cara. Mas não desista, ainda que a porta volte a bater.

É que do outro lado podem estar dezenas ou mesmo centenas de animais a precisarem da sua ajuda. E não só animais – também aquele que lhe atirou com a porta, tal como a sua potencial família precisa de ajuda. Mais não seja por que não se deve fechar uma porta sem pedir a devida licença. É uma questão de educação que deve ser incutida.

Refiro-me com toda a naturalidade ao vulgarmente conhecido Síndrome de Noé, mas que corretamente se designa como uma perturbação de acumulação de animais. Sim, até por que o velho Noé não era um acumulador – apenas obedeceu a Deus, dizem, construindo uma arca robusta que o salvou de um diluvio, bem como à sua família e todos os animais. Ao que consta a arca que todos os passageiros salvou veio a encalhar no Monte Ararat, mas até hoje não há vestígios dela. Aconselho, por isso e vivamente, a sua continuada procura.

Bem, mas o que quero dizer-lhe é que esta perturbação de acumulação de animais é uma doença grave que afeta cada vez mais pessoas em todo o mundo. Embora não se possa definir como regra, muitas vezes são as pessoas mais idosas, que se sentem só e isoladas, que vão encontrando algum conforto nos seus animais, mas que, em determinado momento, perdem o controlo e a razão. E perdem-no ao ponto de ficarem insensíveis a cheiros nauseabundos, a não se importarem de viver numa casa coberta de excrementos, a coabitarem com cadáveres de animais ou com estes doentes e moribundos. Sim, por que aos preços que estão as consultas dos médicos veterinários, não há quem aguente!

Mas a verdade verdadinha é que esta patologia que integra o eixo das perturbações obsessivo-compulsivas pode afetar qualquer um de nós e quando nos abalroa, meu caro, é muito difícil aceitarmos que estamos doentes. Na realidade, o que queremos é salvar e proteger os bichos e aqui integramos o conceito dos chamados acumuladores/salvadores. Mas há outro tipo de acumuladores:  1) os acumuladores sobrecarregados, que de um momento para o outro viram a sua situação de vida alterar-se deixando de poder tratar dos animais como o tinham feito até à data (deve ser por isso que a vizinha da frente tem 10 galinhas no poliban, 1 porco na varanda e 2 cães presos na maçaneta da porta) e 2) os acumuladores exploradores que odeiam gentalha, mas que acham piada a peludos, orelhudos e patudos, colecionado-os como objetos (olhem que aqui, se virem com atenção, também há pessoas que se enquadram nestes requisitos… vão por mim). Estou mesmo a imaginar os diálogos… – oh amigo, a caderneta dos pinschers está cheia – tem aí um boxer? Não, a das Alpacas também está cheia, mas pode dar-me uma que eu compro outra caderneta e começo tudo de novo. São tão giras!

Como ia dizendo, acumulador pode ser ou vir a ser qualquer um e em qualquer lugar. E pode não haver sinais da sua existência (exceto, claro, quando o bater da porta traz na sua imensa velocidade um cheiro nauseabundo salteado com excrementos).

Mas vamos ao que interessa – como ajudar estas pessoas e animais que vivem em situação deplorável? E atenção porque é extremamente complexo ajudar um acumulador, que tende a ser reincidente, sendo necessário o recurso a uma equipa multidisciplinar composta por autoridades policiais, médicos veterinários, associações de resgate animal e psicólogos. Mas pode sempre dar o primeiro passo – e como? Primeiro faça toc-toc e fale com o acumulador, tentando convencê-lo a dar alguns animais para adoção. Ajude-o a perceber que está doente. Vai receber um plaft ou um crash ou ainda um bang-bang. Depende do estado de espirito de quem o receber. Mas não desista. Ligue para o SEPNA (GNR) da sua área de residência para que intervenha e avalie a situação. Estes profissionais são altamente competentes e irão verificar as condições de alojamento, os boletins de vacinas, registos, reportando todas as infrações registadas. Mas não chega. O SEPNA, caso verifique que os animais se encontram em situação de risco, seja de saúde, de maus tratos ou segurança, relatam a situação ao veterinário municipal da área respetiva. Por fim, a Câmara Municipal deve diligenciar pela salubridade e segurança da habitação, remetendo os animais para adoção, associações que os recebam ou para famílias de acolhimento.

E por falar em associações que os recebam… muita atenção, porque por vezes quem as lidera pode também sofrer desta patologia. Muitas estão sobrelotadas e acabam por causar danos aos animais. De tanto quererem ajudar, acabam por prejudicar.

Apesar de ser uma pessoa doente que acredita estar a praticar o bem, um acumulador pode estar, na verdade, a praticar vários crimes de maus tratos contra os animais quer por ação, quer por omissão. E se o doente precisa de ajuda médica, também os animais dela necessitam. Todos precisam. E é por isso que não deve falar do vizinho ou do amigo ou até de um familiar fora de portas. Faça toc-toc e ajude a ajudar.

Voltarei, porque, afinal, “somos todos iguais”.


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