Opinião

Tanto dá até que fura

URANUS L é um navio estábulo com pavilhão da Serra Leoa que tem vindo a atracar nos portos marítimos de Setúbal e Sines desde, pelo menos, março de 2017. Transportou milhares de ovinos e bovinos de origem portuguesa com destino a Israel, um filme de horror vivenciado por longas viagens sob calor intenso, quarentenas degradantes e mortes capazes de impressionar os mais sensíveis.

Mas não pense que, num porto marítimo perto de si, não se pratica crueldade animal e que não existem atropelos à legislação em vigor, legislação que um qualquer legislador do Conselho Europeu achou por bem redigir e outros tantos conselheiros europeus hipócritas decidiram aprovar.

Conhece aquele ditado… como é…, ai, caramba!… qualquer coisa assim, tanto dá até que fura? A PATAV – Plataforma Anti Transporte de Animais Vivos, por via marítima, que tem vindo a expor algumas das práticas irregulares e ilegais, decidiu arremessar a primeira pedra – na realidade arremessou uma dezena de calhaus. E acredite que não foi à terceira tentativa que conseguiu ferir o destinatário, quer dizer, que conseguiu que fosse decretada a suspensão deste navio de operar em águas portuguesas. Percebe o trocadilho, não é?

Desde a constituição da PATAV em fevereiro de 2017 esta barcaça velha ancorou em Portugal 31 vezes e, por isso, tenho que ir por partes, quero dizer, por factos, todos expostos e divulgados pela PATAV. Vamos lá ver como decorreu o transporte rodoviário e os embarques, ao estilo, diário de bordo:

Dia 24 de novembro de 2017 – ovinos caem desamparadamente do camião para cima da rampa de embarque e ainda recebem um pontapé para se endireitarem rapidamente. Em frente é o caminho! https://www.youtube.com/watch?v=30PVtCgVw70&t=16s

Dia 26 de janeiro de 2018 – os animais que embarcaram neste dia chegaram ao porto de Haifa (Israel) em condições inadmissíveis;

https://www.youtube.com/watch?v=JMwLQAI0e4g&feature=youtu.be

Dia 23 de fevereiro de 2018 – ovinos com a superfície corporal coberta de excrementos e num espaço exíguo são transportados pelas estradas portuguesas. Pode ainda ver um ovino com a pálpebra inflamada; https://www.facebook.com/patavpt/videos/354958708315038/

Dia 23 de março de 2018 – volta-se a registar a presença de animais com uma superfície corporal superior a 25% coberta de excrementos. Desta vez, o espaço entre a cabeça do animal e o teto do veículo era inferior a 20 cm. Também não foi articulada a separação por camiões entre ovinos com cornos e sem eles;

https://www.facebook.com/patavpt/videos/364064634071112/

Dia 27 de junho de 2018 – chega ao porto de Setúbal um camião com os taipais fechados… eh lá!!!!  Estariam asseguradas as condições de conforto térmico, nomeadamente temperatura e ventilação que garantissem a sanidade e bem-estar dos animais? https://www.youtube.com/watch?v=GwLtB5FJlUA

Dia 14 de janeiro de 2019 – um bovino é atingido nos olhos, sendo seguidamente esmurrado e pontapeado https://www.youtube.com/watch?v=N4uHbDj-NIY&t=56s

Dia 16 de abril de 2019 – é possível ver as patas de um ovino no exterior de um camião, situação certamente percetível pelo espelho retrovisor do condutor. Constata-se ainda que há animais a serem manuseados de forma ilegal mediante a aplicação de pontapés, agressões na cabeça, levantamento pela cabeça ou pescoço. Não contentes, este embarque foi ainda premiado com a inclinação da rampa de embarque que aparentava ser superior ao limite de 26.º permitidos pela legislação em vigor http://bit.ly/2ZjPvM0 . Desta vez a cereja foi um atraso de 35 horas. Repare: o embarque dos animais terminou às 15h30 do dia 16 de abril, mas a barca do inferno só rumou a Haifa no dia 18 de abril às duas da madrugada, porque teve que parar no dia 17 às 19h00 no Porto Brandão para se abastecer. Portanto, viagens que, em média demoram 11 dias (coisa pouca, vá lá, não seja esquisito) foram, ou foi esta em particular, acrescida de mais 35 horas a bordo!

Dia 21 de junho 2019 – um bovino andou à solta no porto de Sines; (https://www.youtube.com/watch?v=rRbD_NOLQa0).

Dia 12 de maio 2020 – vários animais são arrastados pelas orelhas ou levantados pelo pescoço, prática expressamente proibida pelo Regulamento (CE) n.º 1/2005. É notória e incompreensível a violência absolutamente gratuita de um dos trabalhadores que persegue os animais com o intuito único de os agredir;

https://www.youtube.com/watch?v=IBW69b5tvA4&feature=youtu.be

Dia 9 de junho de 2020 – Queda, fuga e captura de um bovino no rio Sado, animal que caiu do barco por esquecimento de uma cancela que deveria estar a proteger a porta do lado oposto ao da sua entrada. É ao estilo de banda desenhada – entra por um lado e cai imediatamente por outro.

https://www.youtube.com/watch?v=IBW69b5tvA4&feature=youtu.be

Tudo o relatado neste diário de bordo improvisado foi alvo de queixa dirigida pela PATAV à Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

Tudo o aqui relatado viola o imposto pelo Regulamento (CE) n.º 1/2005, de 22 de dezembro de 2004, levando ainda a crer, por parte de quem observa, que a obrigatoriedade de formação de tratadores e transportadores não está a surtir o efeito desejado.

Tudo o aqui relatado é um testemunho da sobreposição dos interesses económicos perante a dignidade de seres jurídica e cientificamente comprovados como seres sencientes.

Tudo o aqui relatado permitiu a suspensão deste navio.

Tudo o aqui relatado deve permitir que se indigne com o tratamento vergonhoso com que os animais são tratados.

Voltarei, porque, afinal, “somos todos iguais”.

 


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