Opinião

#StayAway Constituição da República Portuguesa?

Crónica de Isabel de Almeida

E com uma noção do tempo completamente disfuncional e desfasada, pelo menos falo por mim, eis que estamos em Outubro, a rentrée chegou há um mês e meio e em Portugal ( e pelo mundo fora) vivem-se momentos difíceis e, infelizmente, teme-se que tudo ainda possa agravar-se no que diz respeito à pandemia a todos os sectores da vivência que esta afecta, influencia ou condiciona, designadamente: família, sociedade, lazer, trabalho, política e economia à escala global.

É incontornável aprender a conviver ou a sobreviver neste mundo ao contrário em termos de ameaça invisível e permanente à nossa saúde e, em última análise, à nossa vida, mas sinceramente por vezes, já contemplando todo o caos que nos rodeia, a ansiedade e o medo em que vivemos ( e que insistem em potenciar fortemente em cada um de nós) custa-me a entender e a aceitar a impulsividade, prepotência, arrogância e tiques ditatoriais que atingem políticos, chefias e diversos profissionais em vários ramos de actuação e nos mais diversos contextos.

Honestamente, e volto a dizê-lo com enorme convicção, não me sinto a viver num Estado de Direito Democrático, nem sequer concebo como podem ser afastados tão displicentemente os mais basilares princípios  de Direito Constitucional que aprendi há uns bons anos na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde então leccionava, entre outros Doutos Constitucionalistas o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, hoje Presidente da República.

Também concedo que não seja fácil, nem invejável, estar no leme dos altos destinos da nação ( e de diversas outras instituições) num cenário distópico como o que hoje vivemos, mas o facto de ouvir o nosso primeiro Ministro a defender a obrigatoriedade de instalação de uma aplicação informática que contém dados pessoais sensíveis e implica rastreamento de localização, sob pena de aplicação de pesadas multas é algo que, à vez, me entristece e me assusta. Saber que está em processamento uma proposta legislativa que vai no sentido de prover à implementação de obrigatoriedade de instalação da App #StayAwayCovid e  a possibilidade de fiscalização de telemóveis pessoais por autoridades, mesmo em forma de mera proposta, de hipótese de mera potencialidade já é suficientemente grave, quanto mais a hipótese, também possível em termos probabilísticos, de que algo assim possa vir a ser aprovado.

Uma decisão como a que supra se refere é de cariz verdadeiramente autoritário e não se estranharia em qualquer ditadura na Asia e na América Latina, mas o simples facto de estar conjecturada em Portugal é algo que mancha indelevelmente a história deste país, e que muito me faz temer pela perda de noção dos limites do razoável por parte da nossa classe política. Legitimamente posso, eu e outros cidadãos questionar: Que mais nos espera? Quantos mais passos serão dados no caminho da grave ofensa à nossa Constituição? Que livre arbítrio nos resta? Teremos de viver em constante medo de ver anunciadas novas ameaças aos direitos, liberdades e garantias dos Portugueses?

Também o uso obrigatório de máscara na rua é algo que considero abusivo, limitador da nossa liberdade individual e, até ao momento, sem uma justificação científica evidente da pertinência de tal medida para a redução do contágio e controle da pandemia de Covid-19. Aliás, tantas são as certezas quanto ao uso constante de máscara que a própria OMS já emitiu recomendações hesitantes e até contraditórias, e sinceramente ninguém me convenceu de que vale a pena tal imenso sacrifício, pois também ninguém me conseguiu convencer de que respirar novamente dióxido de carbono que é por nós expelido por ser tóxico seja algo que não nos afecta a saúde. Países onde a máscara está implementada de forma mais alargada estão, também eles em escalada no que diz respeito a infecções (veja-se o exemplo de França).

Esta semana tivemos também conhecimento de uma situação grave em termos de funcionamento da Justiça, quando na área da Comarca de Leiria um grupo de dez advogados (que desde já publicamente aplaudo pela atitude assertiva e corajosa) se recusou a trabalhar num local que entenderam não reunir as condições de dignidade e segurança de que é merecedor o exercício da advocacia, e mais grave do que a inepta escolha do espaço para realizar a audiência de julgamento de um colectivo com forte quórum de intervenientes processuais foi a atitude incompreensível do Senhor Magistrado Judicial que teimou em reconhecer a razão a quem a tinha, e num exercício de poder perfeitamente desadequado ao contexto e tempos em que vivemos, optou por teimar em pedir a nomeação de mais advogados e terá mesmo ameaçado participar disciplinarmente de todos os advogados que não aceitassem trabalhar naquelas condições precárias. Infelizmente, este exemplo acaba por ser simbólico das arbitrariedades que se vivem nos diversos contextos onde nem sempre há a sensibilidade de reconhecer que o mundo mudou e que todos sem excepção merecem dignidade no exercício da sua profissão, não existem operadores judiciários de primeira e de segunda. Dentro de um tribunal (ou de qualquer edifício que funcione como tal) todos são, antes de mais, seres humanos, e dos advogados espera-se que reajam legalmente perante situações abusivas, muito bem andaram os meus Colegas, que me deixaram imensamente orgulhosa pela postura!

Para concluir, a imposição pelo medo, pela força e pela repressão de limites a Direitos, liberdades e garantias dos cidadãos Portugueses assusta-me, para além dos factos, em termos simbólicos, pelo que pode daqui resultar, porque se uma que seja destas medidas repressivas passar pelo crivo de aprovação legislativa e se passar pelo crivo da apreciação da sua constitucionalidade é um precedente muito perigoso…se tal suceder….então dai em diante bem podemos mandar tocar um Requiem pela democracia e pela Constituição da República Portuguesa.

E nem sequer colhem, quanto a esta reflexão, argumentos no sentido de que relativamente a dados estamos expostos nas redes sociais e outras plataformas (porque se estamos expostos ainda assim foi por opção e escolha consciente nossa, ninguém nos obrigou a aderir a redes sociais, ou ninguém nos impediu de aderir).

O futuro é incerto em todos os cambiantes, mas gostaria de ver as autoridades nacionais a reconhecer publicamente factos como: o risco óbvio de contágio nos transportes públicos ( de que adianta então impor limitações de horários que apenas asfixiam a economia); a quantidade de alunos já infectados nas nossas escolas na sequência de início do ano lectivo presencial; o risco sério de ruptura da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde; os óbitos causados pela falta de assistência e acompanhamento devido em termos de saúde de doentes crónicos e de outras patologias graves devido à canalização de recursos apenas para o combate à COVID-19; a disparidade de critérios de análise quanto a eventos que podem ou não ser celebrados em massa no actual contexto, em termos de quantidade de pessoas presentes em simultâneo.

Em suma, tenho medo, tenho muito medo, mas posso apenas garantir algo que está ainda no âmbito da minha capacidade de disposição e do meu livre arbítrio: não me vou calar com medo, não vou deixar de me expressar, nem deixarei de reivindicar e de lutar por causas e Direitos meus ou gerais que considere justos e que sinta ameaçados!


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