«Sem Cultura, Portugal é um sítio»
Filipe La Féria dispensa apresentações. O senhor do espectáculo, que tantas horas de deslumbramento proporcionou a quem a eles assistiu, atravessa um momento difícil, sobre o qual falou ao Diário do Distrito.
Devido à situação de pandemia e às medidas restritivas impostas pelo Governo, Filipe La Féria teve de cancelar a estreia do espectáculo «Espero por Ti no Politeama», com uma equipa de 75 pessoas.
Como recebeu a equipa a notícia do adiamento da estreia?
Foi uma decisão muito difícil. O espetáculo «Espero por ti no Politeama» está completamente pronto a estrear. O Teatro Politeama é uma empresa privada sem subsídios do Estado.
A política do Ministério da Cultura apenas socorreu os teatros do Estado e os subsidiados. Pedir aos bancos empréstimos mais tarde ou mais cedo tínhamos que os pagar com juros.
Há um preconceito ideológico deste governo contra as empresas. Empresas essas que pagam impostos altíssimos. A situação não pode ser pior, agravada pelo facto de a grande maioria dos atores e técnicos não descontarem para a Segurança Social e não terem direito a apoios à redução de rendimentos.
Por isso alguns nem têm dinheiro para comer e pagar as suas casas. É desesperante, durante nove meses socorríamos aos casos mais graves com comida. Mas ao fim deste tempo a empresa não tem mais possibilidades de os ajudar. Penso que o público em geral não tem a noção da situação dos trabalhadores da Cultura que ganhavam as suas vidas nas empresas privadas.
Vivemos uma época como nunca antes, mas já houve alturas de crise, que afectaram o mundo do espectáculo, que recuperou. Acredita que desta vez também este sector pode recuperar?
Não acredito se não houver uma ajuda do Estado. É completamente impossível sobreviver.
O público não vai aos teatros, está apavorado, mandam-no ficar em casa para salvar as suas vidas. Estamos perante uma pandemia, para não dizer peste, como só há memória com o que aconteceu à gripe espanhola em 1918. É arrasador.
O teatro de revista foi, tradicionalmente, aquele que maior ânimo deu ao público durante os tempos difíceis. A limitação de público devido ao covid19, pode vir a ‘matar’ a revista?
Em Portugal há um enorme preconceito contra o Teatro de Revista, em qualquer género de Teatro que tenha público e que se agravou drasticamente com esta terrível situação.
O Teatro Comercial é mal visto pelos órgãos do poder e até pela imprensa, que também enferma desse preconceito ideológico.
Quais são as medidas que o Governo tem/devia implementar no imediato para ajudar o sector?
Muitas medidas poderiam ser feitas sobretudo em vez de anunciarem milhões, darem trabalho aos nossos criadores e artistas através da rádio, da televisão. Sensibilizar os diretores de programas.
Levantaria por certo o nível dos programas e daria trabalho a muitos artistas portugueses de várias áreas do espetáculo.
Filipe La Féria é conhecido por se ‘reinventar’ perante as dificuldades. Consegue ver na pandemia de covid19 e na crise associada uma ‘nova oportunidade’?
Não consigo e pelas razões expostas penso que é completamente impossível. Não são os restaurantes os hotéis e o turismo as principais vítimas.
Irá passar muito tempo até o público voltar as salas de espetáculo. Veja o que acontece em toda a Europa e na América onde os teatros estão todos encerrados.
Uma das medidas que acionou foi o aluguer do Teatro Politeama para receber qualquer tipo de evento como festas de empresas, concertos e espetáculos. Que outras ideias/projectos poderá ainda apresentar para ajudar o Politeama nesta altura?
A crise está instalada em todos os sectores. As empresas que habitualmente realizam esses eventos também se defrontam com o mesmo problema.
Mas o Politeama está aberto a todo o género de iniciativas desde programas de televisão, rodagem de filmes, aluguer de guarda-roupa. É um espaço multifacetado e com infinitas possibilidades e temos o palco e a sala tecnicamente mais bem apetrechada de todo o país.
Qual é o espectáculo que ainda lhe falta levar ao palco?
Faltam muitos. Tenho o “Espero por ti no Politeama” pronto e não desisti de levar a cena o Musical Laura que também tive que adiar e que é um dos projetos que mais anseio fazer sobre a grande actriz Laura Alves.
Onde vai procurar a coragem para não desistir ao longo de todos estes anos?
A minha paixão pelo Teatro. A vida não basta sem a Arte. Sem Cultura, Portugal é um sítio. Um país não existe sem cultura.
Na sua perspectiva, alguma vez voltaremos ao ‘normal’ dos tempos antes do covid19?
Temos que ter fé e perseverança. O Covid-19 só será ultrapassado com a descoberta da vacina ou de um tratamento eficaz. O mundo todo espera ansioso. Tenho esperança na ciência. Centenas de laboratórios procuram a cura.
O ser humano sempre venceu as maiores provações, mas penso que o ser humano terá que mudar radicalmente a sua forma de viver e tornar-se mais humano, mais fraterno, sem a obsessão louca do dinheiro, sem este correr para o nada, para a vertigem, para o abismo.
Vai ser quase impossível, mas eu acredito na bondade do coração dos homens.
Uma réstia de luz surgiu recentemente, quando o espectáculo «Severa – O Musical» e «100 Amália» recebeu, no passado dia 12 de novembro, o prémio de Artes e Espetáculos da Voz do Operário na 4.ª Gala de Fado.
Filipe La Féria dedicou o prémio «a todos os Artistas, Atores, Cantores, Músicos que pela sua paixão ao Teatro e ao Fado, oferecem ao público a sua Arte e as suas vidas.
Neste momento de dor e incerteza em relação ao que vivemos faz-nos bem ao coração saber que o nosso trabalho é por alguns considerado.»
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