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SEIXAL – Apoio escolar a crianças de bairro ilegal com taxa de 99% de sucesso

Aos poucos o espaço vai-se enchendo, à medida que as crianças chegam à sala de estudo do Centro Comunitário de Santa Marta de Corroios, apesar do Sol lá fora convidar a brincadeiras, mas em primeiro lugar está o estudo.

É curta a distância que percorrem entre o bairro ilegal de Santa Marta de Corroios onde residem e esta sala, mas a mesma está a uma enorme distância da realidade que vivem diariamente.

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São cerca de 40 crianças que ali recebem apoio ao estudo, desde o 1.º ano até ao 12.º ano, com 9 explicadores, aos sábados e terças-feiras “e com uma taxa de sucesso no ano passado de 99,2 por cento”, referiu ao Diário do Distrito Sandra Correia, fundadora da associação ‘Os Pandas’.

Neste espaço contam com vários explicadores que lhes dedicam o tempo integral auxiliando-os nas áreas em que têm mais dificuldades e que dão ainda apoio a crianças do Bairro da Cucena, que frequentam a EB1 Casal do Marco, e do Miratejo, numa parceria com a associação ‘Estás n@ Mira’, sendo que a Associação apoia ainda várias familias com a entrega de bens essenciais.

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Associação de Apoio Social ‘Os Pandas’

“A ideia da Associação surgiu-me em 2012, quando estava a dar catequese na Igreja de Santa Marta, e tinha a meu cargo os meninos do 1.º ano. A determinada altura apercebi-me que muitos vinham do bairro de barracas de Santa Marta, e que chegavam à igreja com fome e com frio, chegando as catequistas a ir comprar comida para eles. Isto fez-me pensar como seria no caso dos outros meninos e como viveriam estas famílias de um bairro que, embora aqui morasse em Santa Marta, não fazia ideia do que era.”

O acaso veio permitir-lhe o acesso ao bairro quando “a mãe de duas meninas que tinha vindo da Guiné depois da morte do marido cá em Portugal, nos procurou porque queria baptizar as meninas, e convidou-me e ao meu marido para sermos padrinhos”.

O objectivo inicial da associação “era apoio alimentar aos meninos, fornecer-lhes os lanches pelo menos nos dias da catequese”, mas aos poucos foi-se apercebendo também “que uma das maiores dificuldades destas crianças era em termos de aprendizagem. Muitos nem sabiam ler, apesar da idade. Sabia que existia aqui um Centro Comunitário e a primeira iniciativa que tive foi ir conversar com o padre da Paróquia, para perceber como podia ajudar aquelas crianças, mas ele não se mostrou interessado.”

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Sandra Correia não desistiu “vim ao bairro falar com as mães dos meninos da catequese e com a assistente social e perguntar como podia ajudar. Na altura o Centro Comunitário da Santa Casa da Misericórdia só tinha o serviço de infantário, e falei com os responsáveis, colocando depois por escrito a minha ideia de criar um espaço onde eles pudessem ter apoio escolar. O senhor Provedor ficou muito interessado e disponibilizou este espaço para as aulas ao sábado à tarde.”

No entanto, antes de avançarem as aulas nesse local, ainda decorreram dentro do bairro. “O espaço do Centro Comunitário foi para obras e então a Gabriela cedeu-nos a casa e foi dali que arrancámos no início de 2013, com dez meninos e quatro explicadoras.”

As quatro foram “levando isto para a frente, sem apoios de lado nenhum. Apresentámos o projecto a empresas de retalho e nada. As únicas entidades que nos ajudaram na altura e que continuam a fazê-lo até hoje são a pastelaria Doce Mel, com os lanches ao sábado, e a Fundação PT, que não se importou de não sermos ainda associação formada, e disponibilizou computadores e material escolar.”

Na busca de apoios a resposta era sempre que estes só podiam ser entregues a associações legalmente formadas, pelo que em 2017 avançaram com esse passo, “o que não tínhamos feito antes porque esse processo tem custos, como a escritura pública, que não pode ser feita ‘na hora’, e que custou 450 euros, mais 50 euros para inscrição no INR, outros 75 euros para a designação do nome e ainda não registámos o logotipo.

Todo o processo burocrático ficou em cerca de 600 euros, mas tivemos a sorte de conhecer o proprietário do ginásio BodyEvolution que gostou muito do projecto e organizou um jantar para recolher fundos que foi um sucesso, além do contabilista também nos ter ajudado em todo o processo, e assim formámos a associação com onze órgãos sociais.”

No passado mês de Setembro a associação foi aceite na Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social, ficando a pertencer à UDIPSS de Setúbal “o que demonstra o interesse neste projecto e que nos traz alguns benefícios ao nível da gestão de conta bancária e disponibilizam também muitas formações”.

Falta de apoios não permite alargar ajudas

A associação ficou oficialmente formada a 25 de Agosto de 2017, “e a partir daí começámos a procurar mais apoios e sobretudo um espaço para sede social e fiscal, bem como um armazém onde pudéssemos colocar as dádivas, que estão espalhadas pelas casas dos elementos da associação e numa arrecadação no CCR Alto do Moinho na altura do Natal para os brinquedos.

Em Outubro de 2017 iniciámos os contactos com a Câmara Municipal do Seixal, com quem tivemos algumas reuniões, tendo ficado definido que seria criada uma equipa multidisciplinar para acompanhar este projecto, composta por elementos do CLDS 3G «Ser Mais Seixal», com quem ainda mantemos uma parceria, a Santa Casa da Misericórdia e ainda foi enviado um email para a Paróquia de Corroios e para a Junta de Freguesia de Corroios mas não obtiveram resposta. Entretanto ficou marcada uma reunião para Janeiro de 2018 mas que viria a ser desconvocada pela autarquia, informando-nos que seriamos contactados para nova data, e um ano depois ainda aguardamos a marcação da reunião.”

Uma das necessidades da associação passa por um armazém ou arrecadação “para colocarmos os materiais que nos são cedidos e até alimentos, que depois são distribuídos pelas famílias do bairro. Têm sido constantes os emails para a autarquia a pedir ajuda e sabemos que o assunto foi encaminhado para o pelouro da Acção Social nos finais de Novembro do ano passado, mas até agora não tivemos qualquer resposta.”

A esperança agora está colocada na Junta de Freguesia de Corroios, “uma vez que tivemos uma reunião com o presidente, Eduardo Rosa, que também mostrou muito interesse no projecto, enviámos depois um email a formalizar o pedido para nos ajudarem a arranjar uma sede fiscal e alguma arrecadação e estamos a aguardar uma resposta”.

Desiludida com a resposta da autarquia, Sandra Correia considera que “o único aspecto positivo que saiu dessas reuniões foi o meu marido ter-se oferecido para fazer o projecto do passeio pedonal entre o bairro e a Escola Básica, que os elementos da Câmara Municipal acharam muito interessante e ficaram com ele, e entretanto vimos que a obra arrancou em Dezembro passado, o que pelo menos garante segurança dos meninos do bairro até à escola.”

Neste período de tempo a associação conseguiu parcerias com os supermercados Aldi do Casal do Marco, “através de um senhor do Montijo que viu a nossa página e me contactou a dizer que essa empresa procurava entidades para dar o que chamam ‘as quebras’, de onde trazemos bens quatro vezes por semana, que são distribuídos directamente a nove famílias do bairro, e a outras oito famílias através da assistente social. Outros bens são dados ao CLDS que vai distribuir a Vale de Chícharos e Bairro da Cucena e ainda à associação ‘Estás n@ Mira’ no Miratejo, onde também damos explicações.

A nossa ideia no caso da Cucena e Miratejo era o apoio escolar, mas infelizmente as coisas não se podem dissociar e acabámos por ter de apoiar também com bens essenciais algumas dessas famílias.”

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No Natal tiveram dádivas de brinquedos do Aldi e da Escola Básica do Pinhal de Frades, e outras ajudas têm vindo de empresas como a ‘Science4You’, a Porto Editora, a Axians em material informático, “e algumas lojas do comércio local, que nos apoiam nas campanhas que vamos lançando” explicou Luís Miguel Cagica, outro dos membros da associação.

A Ritual Óptica também se associou “cuja proprietária já ofereceu uns óculos a uma das meninas que são acompanhadas e uma senhora com uma Clínica Dentária também querem apoiar o projecto e disponibilizam-se para apoiar algumas crianças”.

Realidade difícil num bairro ‘de lata’

Mesmo ao lado de uma das zonas que mais desenvolvimento imobiliário tem tido, está o bairro de construções clandestinas e precárias de Santa Marta de Corroios, instalado em terrenos privados ao longo dos anos, onde residem cerca de duas mil pessoas de diversos países dos PALOP.

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Evaneiro Pontes é actualmente presidente da Associação de Moradores do bairro de Santa Marta do Pinhal, formada há cerca de quatro anos. Veio de São Tomé com cerca de 12 anos e reside no bairro há 24 anos.

“Neste momento estamos ainda no princípio, mas gostaríamos de trabalhar para melhorar as condições deste bairro.” As principais necessidades são muitas “dos esgotos à água, os acessos, e até agora ainda a autarquia ainda não nos respondeu nada sobre isso, apenas que o bairro está em terreno privado e por isso não podem fazer muita coisa. Das poucas coisas que puderam fazer foi mandar trazer uns postes de madeira, que nós depois pusemos em pé, para os fios de electricidade não estarem no chão.”

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Neste momento confessa que “as coisas estão um pouco paradas entre a associação de moradores e a Câmara Municipal porque a nossa vida pessoal também não nos permite estar sempre disponíveis quando são marcadas reuniões.”

Sobre a possibilidade de realojamento, responde que “desde que era pequenino quando vim para cá, que ouço falar que a Câmara Municipal quer tirar as pessoas daqui e realojar, já tenho filhos e qualquer dia vou ter netos e ainda vou estar à espera. Não tenho ainda condições para ir para outra casa, mas tudo vou fazer para tentar mudar daqui pelos meus próprios meios.”


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