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Estaríamos preparados para um grande sismo no distrito de Setúbal?

Estarão os edifícios e infraestruturas no distrito de Setúbal preparados para resistir a um sismo semelhante ao de 1755? Saiba tudo.

Estarão os edifícios e infraestruturas no distrito de Setúbal preparados para resistir a um sismo semelhante ao de 1755, com magnitude entre 8,7 e 9 na escala de Richter? O Diário do Distrito esteve à conversa com Mário Lopes, engenheiro especializado e sismos e professor no Instituto Superior Técnico, e as previsões não são boas.

As condições dos terrenos

“O efeito dos sismos na vida das pessoas é causar prejuízos e mortes e depende da resistência sísmica dos edifícios. No distrito de Setúbal há uma coisa que pode ser muito negativa, mas varia de sítio para sítio, que é a natureza dos solos. As ondas sísmicas propagam-se desde a zona do epicentro até ao sítio onde estão as construções, principalmente pela rocha, e se existir um sismo como o de 1755, o que a rocha vai sentir em Setúbal e em Lisboa não é muito diferente”, começou por dizer Mário Lopes.

“Há muitas zonas más no distrito de Setúbal”

No entanto, “nós não estamos na rocha, estamos na superfície. As ondas vêm de baixo para cima, e quanto piores são os solos, a tendência para amplificar as ondas à superfície é maior. Quem está em Lisboa encontra terrenos bons e maus a cada 100 metros. Na Margem Sul do Tejo é igual. Isto não significa que o distrito de Setúbal é mau, significa que há muitas zonas más no distrito de Setúbal”, explicou.

Mas com a engenharia moderna, o risco de colapso das infraestruturas foi diminuindo. Ou pelo menos… pensamos nós. “A engenharia moderna permite construir edifícios e infraestruturas com níveis extremamente elevados de resistência sísmica, de tal maneira que se as coisas estivessem bem feitas, o risco de algum de nós morrer com um sismo era menor do que o risco de morrer por outras causas que enfrentamos todos os dias”.

Falta de fiscalização

Mas a verdade é que, segundo Mário Lopes, esta melhoria das infraestruturas “não é uma garantia de coisa nenhuma, porque não há fiscalização do projeto e da construção dos edifícios comuns”. Ou seja, mesmo com as alterações da legislação das construções para garantir resistência sísmica, a falta de fiscalização apenas garante que “há uma melhoria das médias, mas ninguém sabe se está num dos edifícios que vai ser dos primeiros a cair”.

“Não há fiscalização do projeto e da construção dos edifícios comuns”

O professor e engenheiro civil vai mais a fundo. “Quando houver aqui um sismo, o que vai acontecer é que todos vão tentar culpar os empreiteiros e os engenheiros. Mas onde é que está a problema? Está por cima de tudo, no poder político”. E dá um exemplo: “Quem vai comprar uma casa não valoriza mais pelas garantias de resistência sísmica, porque o poder político diz que está tudo bem, que temos regulamentação e que não há perigo. Mas estão a mentir porque não há fiscalização e isso desincentiva a boa qualidade de construção e fomenta a concorrência desleal”.

Conta ainda que “numa reunião da Assembleia Municipal de Lisboa em 2004, perguntei à vereadora qual era a preocupação que a Câmara tinha com a questão sísmica. A resposta foi que os projetos são feitos de acordo com a legislação existente e as obras são acompanhadas pelos técnicos municipais. O que é que ela omite? O facto de ninguém verificar se é verdade que as obras são feitas de acordo com a legislação, porque só faz quem quer. E o acompanhamento dos técnicos não tem relevância, porque a Câmara não tem técnicos para fiscalizar 90% dos prédios que se constroem em Lisboa.

“O poder político dá ao cidadão uma falsa sensação de segurança”

E mesmo fazendo isso, não têm meios legais de atuação, porque os projetos consideram-se com os requisitos legais, desde que o engenheiro assine a declaração a dizer que está tudo de acordo com a legislação, embora ninguém vá verificar se é verdade. O poder político dá ao cidadão uma falsa sensação de segurança”.

Sismos registados nos últimos 30 dias.

Refere ainda que “quando eu digo, numa entrevista ao Diário de Notícias, que vivemos em cima de um barril de pólvora que vai rebentar a qualquer momento, estou a falar de Lisboa, Setúbal e até ao sul do país. O José Miguel Júdice falou dessa entrevista na televisão e foi acusado de semear o pânico. Mas quando se dá a informação às pessoas para se tentar agir, vem logo o argumento do pânico, que só justifica a negligência.

“Como há mais gente para morrer, em termos absolutos, um sismo como o de 1755 pode provocar uma tragédia semelhante”

Esta é a situação em que estamos, e temos um poder político que não age. O poder político agir não é uma condição suficiente para resolver os problemas, mas é uma condição necessária. Obviamente que desde 1755 para cá, as coisas em termos relativos melhoraram, mas como há mais gente para morrer, em termos absolutos, um sismo como aquele pode provocar uma tragédia semelhante”.

Estarão os bombeiros preparados?

O Presidente dos Bombeiros de Palmela, Octávio Machado, diz também que “ninguém está preparado para um sismo destas dimensões com um grau de destruição enorme e seria extremamente difícil ter capacidade de resposta por parte dos bombeiros.

“Desde Pedrógão Grande continua a falhar tudo aquilo que falhou”

Também não sabemos o grau de destruição nos quartéis, e há depois uma questão importante que tudo aquilo que diz respeito e depende do Estado tem falhado redondamente”.

Dá o exemplo que “até março de 2021, a área ardida em Portugal já era o dobro do ano passado, comparando com mesmo período. Desde Pedrógão Grande continua a falhar tudo aquilo que falhou. Diria que o planeamento e o ordenamento do território são uma competência que nunca foi bem executada pelo Estado, nem pelos vários Governos que têm passado”.

“Lamentável como os bombeiros ficaram esquecidos por este Governo”

O estado organizou-se, tem as suas forças, mas não consegue nem nunca conseguirá substituir os bombeiros. Têm falhado sempre nas suas funções, desde o ordenamento do território, planeamento, vigilância e prevenção. Falharam em Pedrogão e continuam a falhar, apesar dos investimentos que têm feito.

Refere, por último, que “o estado tem a obrigação de criar todas as condições de prevenção para uma situação destas, mas tem sido lamentável como os bombeiros ficaram esquecidos por este Governo”.

Incógnita do SIRESP e as telecomunicações

Claro que depois de um grande sismo surgem os incêndios e inúmeros desastres, mas um dos fatores mais importantes poderá ser a falha da rede de comunicação. Nesse ponto, Mário Lopes diz que “primeiro é preciso ver se os edifícios sobrevivem ou não. Depois, o outro problema é a rede elétrica. Normalmente existem geradores que só dão para umas horas, e depois há também antenas em cima de edifícios comuns, que não foram especialmente calculados para isso. Se os edifícios ficarem danificados ou colapsarem, as torres podem ser afetadas”.

“Ninguém sabe se o SIRESP funciona ou se não funciona”

Ainda mais preocupante é “a questão do SIRESP, que ninguém sabe se funciona ou se não funciona. Não sei se podemos contar com aquilo. Muitas instalações vão ser danificadas. Lembro-me que nos anos 80, todas as comunicações entre a Margem Sul e Lisboa passavam pela central dos TLP da Trindade, que está num edifício que não dava confiança nenhuma e que no caso de sismo pode colapsar.

Era uma situação terrível porque em caso de sismo na década de 80, Lisboa ficava completamente cortada da Margem Sul, mas agora diversificaram as comunicações através de antenas. Se aquele edifício cair agora, provavelmente afeta quantitativamente as linhas, mas há redundância, e em princípio não ficamos cortados uns dos outros. As torres, desde que não estejam em edifícios fracos, não costumam ser vulneráveis”, disse.


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