Opinião

Reprovação nos exames da ordem dos advogados. Agora a culpa é da pandemia?

Uma opinião da inteira responsabilidade de Miguel Nunes | Advogado

Na última semana fomos surpreendidos mais uma vez, com os resultados dos exames escritos nacionais de avaliação e agregação, da ordem dos advogados. Como é tendência, os prazos que são fixados para a Ordem publicar os resultados da tão esperada agregação, foram completamente extrapolados, sem qualquer justificação, o que infelizmente, já se tornou um hábito. Vimos títulos em vários jornais a dar nota que cerca de 83% dos advogados estagiários que se submeteram a exame, reprovaram.

A resposta da ordem? A culpa é da pandemia… já parecem o Primeiro-Ministro! A pandemia tem servido para justificar muita coisa ao longo destes três anos, mas servir para justificar incompetência, é certamente uma novidade. Vamos por partes: Para quem não conhece o mecanismo de acesso à ordem dos advogados, deixem-me explicar sucintamente.

Um jurista, ou seja, um licenciado em direito que se inscreva na Ordem dos Advogados tem de desembolsar, sem qualquer perspetiva salarial, cerca de 1500 euros para a Ordem dos Advogados. O estágio dura cerca de 18 meses, durante os quais, os advogados estagiários passam por uma primeira fase, que é uma fase de formação, nas modalidades de Deontologia Profissional, Prática Processual Civil e Prática Processual Penal, onde são ministradas diversas sessões por formadores, por sua vez advogados. Após a primeira fase, segue-se a verdadeira prática do estágio. Desde idas a tribunal com o patrono, com intervenções em atos judiciais, a elaboração de peças processuais, entre outras, finda a qual, os advogados estagiários têm de entregar um dossier complexo, para serem submetidos a um exame oral, a chamada entrevista, que é composto por três avaliadores, onde se incluem, formadores da área regional e por advogados de reconhecido mérito, convidados para o efeito. Após o exame oral, segue-se o exame escrito, o grande monstro das tormentas para alguns. Esse exame é elaborado pela Comissão Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados (CNEF).

Comissão essa, que conta com alguns dos próprios formadores em alguns concelhos regionais. São estes que também elaboram a tabela de critérios de correção da mesma prova, com correções no mínimo inexplicáveis.

Desde há muitos anos que o modelo de estágio da ordem dos advogados, está para ser alterado, contudo, nada ainda foi feito. A que se deve então esta taxa tão dramática de reprovações? Serão os advogados estagiários tão incompetentes e com falta de preparação, que não conseguem a aprovação? Parece-me que não. Será culpa dos formadores? Será culpa das Universidades, como alguns dizem? Será culpa dos patronos?

Será que a classe se sentem ameaçada, de alguma forma, por nova geração, cada vez com mais estudos e mais bem preparados? Bem, culpa da ordem, segundo a mesma é que não é! Entretanto, não me parece que o problema seja das Universidades, dos advogados estagiários, como nos querem fazer ver, mas sim o problema reside dentro da própria ordem e da própria comissão de avaliação. Como sempre nos ensinaram na academia, isto é, nas universidades, o direito não é como a matemática, ou seja, não é uma ciência exata.

O que se procura num jurista é a sua elasticidade e a sua sensibilidade jurídica, para não se ter um pensamento demasiado positivista da lei, e muito menos para apenas aplicar o artigo ao caso em concreto. Dizia-me há uns dias, um ilustre colega de profissão e também docente universitário, que numa mesa composta por juristas, perante um caso concreto, de certeza que haveria 5 hipóteses válidas de resolução do mesmo caso.

Ora, o mesmo se passa nas respostas dos exames de agregação da ordem dos advogados, onde a maior parte das vezes, não se procura a sensibilidade jurídica na resolução do caso, mas sim, quase matematicamente saber se o advogado estagiário conseguiu ou não, como se de um totoloto se tratasse, acertar na chave vencedora, isto é, na alínea e no número de um artigo específico que a comissão de avaliação entendeu ser a resolução correta.

Quer isto dizer, que numa determinada hipótese, em exame, a comissão de avaliação só considera uma resposta como válida, se todos os pensamentos daqueles advogados estagiários que se submeteram ao exame, concordarem com os avaliadores que compõem a comissão, que num determinado dia se sentaram à mesa e elaboraram as questões e o seu sentido de resposta. Qualquer outra resposta e qualquer outro caminho jurídico para resolução daquele caso, que não for de encontro às respostas que os respectivos avaliadores elaboraram, naquele dia, valem zero, pois não conseguiram acertar na “chave premiada”. Se o direito fosse como a matemática, talvez já não existissem advogados. Seriamos substituídos por robots, e parece que é isso que a ordem dos advogados pretende.

Que sejam, reféns de um determinado sistema, onde só uma coisa impera: encher os cofres da ordem. À data da minha formação tive formadores exemplares, que me ensinaram muito bem as práticas processuais e para eles um bem-haja e muita solidariedade também. Outro problema, que também que se coloca, prende-se com as avaliações orais, as chamadas entrevistas. Vários são casos conhecidos de alunos a sentirem-se mal nas entrevistas, e até serem tratados de uma forma menos digna pelos pares da advocacia.

E a culpa é da pandemia? Mas até quando será a culpa imputada nos formandos sem que se olhe para a falta de responsabilidade da Ordem dos Advogados? Que nem uma pauta consegue lançar devidamente, lançando-as inicialmente com um determinado resultado, e que, mais tarde ,são substituídas por adendas, onde muitos viram a sua aprovação numa primeira pauta e passado uns dias, verificaram que afinal, na adenda, tinham reprovado? Como é que se explica que, determinadas reprovações nas provas de agregação, e após a revisão da mesma (paga, como é obvio) se veja, a nota ser alterada, às vezes 4 valores? Aprovando assim na agregação.

A pergunta que também se deveria colocar; aliás as perguntas que se colocam serão saber, quem é que corrige os exames, com que base foram escolhidos para corrigir os exames, e por outra via, o que é que têm a dizer dos exames que corrigiram com notas negativas vejam esses mesmos advogados estagiários muitas vezes passarem com mais 3 e 4 valores. Existem consequências nesses casos, para os avaliadores que corrigiram mal os exames? Parece-me que não. Parece-me que se trata apenas de uma maneira de fazer os advogados estagiários pagar ainda mais e dessa forma, encher os cofres da ordem.

Para quem não sabe, o estágio da ordem dos advogados é uma das principais fontes de receita da ordem. Curioso como aqueles que são os mais vulneráveis e que não têm qualquer tipo de contrapartidas económicas no seu estágio, sejam também por sua vez aqueles que mais recursos financeiros entregam à própria ordem dos advogados. E que em caso de reprovação, têm de despender de mais 1500 euros, para um novo ciclo de estágio.

Parece-me arriscado, a recém-eleita bastonária da ordem dos advogados, vir dizer que a culpa é da pandemia, quando a própria, penso já ter sido formadora da ordem dos advogados, e por essa mesma razão deveria saber os reais problemas da classe dos advogados estagiários. Esperemos que esteja à altura de os resolver, de uma vez por todas, dado que não se pode condicionar o acesso a uma profissão tão digna, como a advocacia.

Que se quer uma ordem rigorosa, com exames rigorosos, e profissionais mais bem preparados? É com certeza óbvio. E nestes casos, um advogado estagiário que não esteja preparado, deve reprovar nos exames. Agora não nos esqueçamos, entretanto, da justiça, na questão dos critérios de avaliação, tanto na prova escrita, como na prova oral, que esta última, não tem qualquer critério. Pergunto-me: se nenhum advogado estagiário se candidatasse à ordem, o que aconteceria à mesma?!


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