Almada

Relatório da IGF à gestão da CDU em Almada ‘é um cenário horrendo e de laxismo’

Ajustes directos e compra de relógios e smartphones no valor de vários milhares de euros, correspondem a ‘despesas ilegais’, segundo um relatório da Inspeção Geral de Finanças na sequência de uma acção de controlo realizada à gestão da Câmara Municipal de Almada no período de 2014 a 2016, relativamente à utilização dos concursos públicos.

O assunto foi debatido numa Assembleia Municipal extraordinária que teve lugar esta sexta-feira no Centro Cultural e Juvenil de Santo Amaro, em Almada, convocada pelos deputados municipais do PS, “porque a CDU não permitiu que o documento fosse debatido numa reunião ordinária, tal como proposto pelo PS, com o pressuposto de que precisava de mais tempo para analisar o documento”, explicou Ivan da Costa Gonçalves, deputado municipal do PS.

“Temos a reunião mais de um mês depois do documento ter chegado às mãos dos deputados municipais. Por outro lado, passado este tempo, poderemos ter algumas respostas que os deputados municipais do PS entendem ser úteis para esclarecer todos os munícipes sobre o que foi feito neste período.”

Relativamente ao relatório, Ivan da Costa considerou retratar “um cenário horrendo de laxismo e de falta de interesse pelos dinheiros públicos, que são de todos e não de quem exerce os mandatos, e que estão encarregues de os gerir em benefício do bem comum e com o máximo de respeito.

A conclusão final do parecer é de que «os resultados da acção evidenciam diversas irregularidades e insuficiências de natureza administrativa bem como indícios de infrações de natureza penal e financeira, que são participadas de forma autónoma às entidades judiciais competentes», o que não deixa de ser surpreendente, tendo em conta o que nos foi sendo dito durante anos e o mito de boa gestão municipal que a CDU de Almada fazia.”

Seguiu-se a apresentação pelo deputado de alguns dados do relatório como o facto de “em 54% dos procedimentos por ajustes directos, o convite foi dirigido a uma única entidade, sem fundamentação dessa decisão, o que coloca em causa os princípios da transparência e da concorrência; que a execução e pagamento de 8 empreitadas antes da publicitação do contrato no portal respectivo, corresponde a despesas ilegais no montante de mais de 370 mil euros; que em 78% dos contratos realizados a autarquia não respeitou os prazos contractualizados; e que existem falhas ao nível do controlo interno.”

Outras despesas ilegais apontadas no relatório da IGF relacionam-se com “a aquisição de relógios e smartphones num valor superior a 160 mil euros; a exclusão de parâmetros que não tinham sido fixados num caderno de encargos no âmbito de um processo, no valor de mais de 160 mil euros; e a falta de emissão do parecer prévio pela Câmara Municipal de Almada em 17 processos de aquisição de serviços, no montante de mais de 900 mil euros.

Tudo somado, existiu na Câmara Municipal de Almada despesas ilegais num valor que ronda 1.600.000 (um milhão e seiscentos mil euros) que seriam, e cito «que seriam suscetíveis de sanções aos eleitos locais, o que não acontecerá devido a uma alteração à lei de 2017, mantendo-se, contudo, os pressupostos legais para a imputação da responsabilidade legal a chefias e funcionários do Departamento de Administração e Finanças, questões que serão encaminhadas para o Ministério Público e Tribunal de Contas».”

Por último Ivan da Costa deixou duas questões: “saber junto do actual executivo da Câmara Municipal de Almada qual o estado real do município quando tomou posse e o que está hoje a ser feito para prevenir que estas situações se repitam, e aos eleitos da CDU de Almada, se concordam que os factos ilegais merecem a nossa censura política e se, porque neste mandato têm feito uma reiterada defesa do que foi o trabalho do anterior executivo, acham que é hoje o dia de pedir frontalmente desculpa a todos os almadenses por tudo o que refere o relatório da IGF”.

‘Conclusões da auditoria eram relevantes para perceber o passado, mas são determinantes para o futuro’

A intervenção seguinte coube a Inês de Medeiros, presidente da edilidade, que fez alguns esclarecimentos sobre a inspeção levada a cabo pela IGF, “cujo relatório recebemos em Agosto deste ano, e da qual o anterior executivo foi informado formalmente pela IGF no dia 8 de Março de 2017. Já em funções este executivo, fomos informados no dia 2 de Novembro de 2017 que a mesma estava a decorrer, facto que desconhecíamos, mas disponibilizamos de imediato toda a documentação que nos foi pedida.

A auditoria é feita por amostragem, mas podem ser sintoma de uma prática generalizada e os resultados são preocupantes, porque quase todos os contratos públicos apresentam deficiências.”

A autarca garantiu ainda que “as conclusões desta auditoria eram relevantes para perceber o passado, mas são determinantes para o futuro. E com base nisso dou a garantia a todos os almadenses que estamos a cumprir escrupulosamente e dentro da janela temporal definida todas as recomendações recebidas. Mais, algumas já estávamos a implementar porque eram evidentes para qualquer executivo em funções” explicando depois os procedimentos que vão ser implementados no futuro, “de forma a garantir que situações como as que se projectaram neste relatório não se voltem a repetir, e nisso estamos todos empenhados”.

‘Relatório indica apenas necessidade de melhoria dos serviços municipais’

Na sua intervenção João Geraldes (CDU) referiu que “após leitura do documento os eleitos da CDU concluem que são identificadas pela IGF situações diversas de desconformidades processuais e legais relativamente ao período em análise.

Entre as desconformidades está a falta de coordenação entre serviços municipais; a falta de regulamentação e adaptação de normas em alguns serviços; e algumas insuficiências na elaboração de cadernos de encargos. No entanto, o relatório também refere que podem ter sido derivadas de diferentes interpretações das normas legais aplicadas aos municípios.

Relativamente às questões legais, constata-se que o foco é sobre a entrega de relógios aos trabalhadores com 25 anos de serviços e de smartphones aos filhos dos trabalhadores com 12 anos, no Natal.

Entendemos excessivo que, sendo as autarquias locais entidades publicas dotadas de autonomia política e financeira, porque se considera ilegal uma decisão de pura gestão política, como ocorreu em 2018 e bem, com a atribuição aos trabalhadores com 25 anos de um voucher turístico.”

Para o deputado municipal “como em todas as grandes organizações do Estado, incluindo as autarquias locais, existem insuficiências e atrasos na correção das situações menos conformes, o que também ocorreu no município de Almada, e o relatório aponta para a correção destas.

Aliás, o anterior executivo municipal consciente da necessidade de modernização tinha iniciado um amplo processo de modernização administrativa, que não foi concluído.

Também não indiciam a prática de qualquer acto de corrupção mas apenas a necessidade de melhoria dos serviços municipais. Consideramos também positivo que no contraditório exercido pelo actual executivo, se considere que nem sempre é fácil adoptar atempadamente os mecanismos de funcionamento à legislação que vai sendo alterada com frequência, e também que já está em curso um conjunto de medidas para superar essas questões, na continuidade de processos que tinham sido iniciados no mandato anterior.”

Oposição critica gestão da CDU

Da parte dos eleitos da oposição, António Pedro Maco (CDS-PP) afirmou que “começa a ver-se hoje a ‘boa gestão’ da CDU e esperemos que fique por este relatório, mas caem também por terra os slogans da CDU da transparência e da honestidade”.

José Rocha BE exigiu “o processo não dispensa de todo o apuramento de responsabilidades políticas. Os termos ‘incúria’ ou ‘inaptidão’ podem ser atribuídos à gestão durante o período em causa e o conteúdo do relatório deverá ser objecto de uma profunda reflexão.”

Para Maria Luísa Albuquerque (PSD) “temos o direito de exigir que os recursos sejam aplicados da melhor forma, como de zelar para que as entidades públicas contribuam para o desenvolvimento de uma economia saudável” e questionou também sobre o resultado da auditoria independente aprovado logo no início do mandato sobre a aquisição dos imóveis pelo anterior executivo.

Carlos Guedes (Independente) recordou ter sido eleito desde 2013 “e na qualidade de deputado, viabilizei vários orçamentos e relatórios de gestão, pelo que assumo a coresponsabilidade por quase todas as falhas mencionadas no relatório”.

Artur Alfama (PAN) considerou ser este “um tema desconfortável para todos” e identificou como “problema principal do relatório é o sistema de controlo interno da Câmara Municipal, situação que nos deixa substancialmente preocupados, porque estes problemas não são fáceis de ultrapassar”, deixando a proposta da inserção de um órgão de auditoria interna independente.

‘Leviandade da CDU’

 Ivan da Costa voltou a intervir e considerou “chocante a leviandade com que a bancada da CDU aborda este tema, desvalorizado e reduzindo o relatório a simples situações de desconformidades e insuficiências, quando estamos a falar de situações graves. E depois reduz as despesas ilegais de mais de 1.600.000 euros para falar apenas dos relógios e dos smartphones, que são cerca de 10% destes valores. E o resto das despesas contraídas de forma ilegal? E só nos respondem que tudo seria resolvido porque estava a ser preparado um processo de modernização administrativa.

O que se pergunta é se mantêm a confiança política nos vereadores eleitos e que eram os mesmos que estavam cá neste período ou então não estamos aqui a fazer nada.”

Também o deputado municipal Pedro Matias (PS) criticou o posicionamento da CDU, “porque nos disseram que precisavam de tempo para analisar o relatório e depois trazem aqui uma declaração de três minutos. Mas também a oposição na Assembleia Municipal tem responsabilidade porque o nosso papel é fiscalizar o órgão autárquico e deixámos passar.”

António Pedro Maco solicitou ainda a intervenção dos vereadores da CDU, com a presidente Inês de Medeiros a informar a mesa que disporia do seu tempo de intervenção em prol dos vereadores que desejassem intervir “uma vez que o que está em causa é a ação do anterior executivo que também se encontra presente”, o que não foi utilizado pela vereação.

 


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