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«Quero as minhas pernas a andar e ser director de uma associação de animais»

João Pedro Grilo Garcia, 15 anos, estudante. Esta podia ser a descrição de milhares de jovens, mas apenas aflora quem é este jovem que o Diário do Distrito foi conhecer.

JP Grilinho, como também ficou conhecido nas redes sociais, é um jovem muito especial. Acérrimo activista dos direitos dos animais, fã do Benfica e tendo completado o 9.º de escolaridade, com um humor único e um ‘charme natural’ que lhe conquistam muitos amigos, não deixa que a paralisia cerebral lhe coloque entraves.

“Para o próximo ano lectivo vou para a Escola José Afonso, para o 10.º ano, uma nova escola e novos colegas”, explica através do dispositivo que é a sua voz para o mundo, o Tobii, um programa informático de rastreamento ocular. 

A sua disciplina favorita é a Geografia e confessa que, apesar de querer vir a ser técnico de computadores “para desenvolver programas e jogos”, não liga muito às redes sociais.

“Não tenho Instagram nem Twitter”, mas adora conversar e seguir o que acontece no mundo através do Facebook, sobretudo com pessoas que também gostam e lutam pelos animais.

“Sou a favor da esterilização dos animais, e contra os animais presos em correntes, por isso embora ainda não vote, sou do PAN.

Gosto muito de gatos mas agora tenho uma cadelinha, a Molly, que teve cachorrinhos e dei um à Vanda. Espero que a todos os que maltratam os animais, a vida seja um inferno.”

Vanda Silva acompanhou-o na escola da Quinta dos Franceses como auxiliar educativa e é uma das suas ‘paixões’, com quem gosta de tirar fotos e conversar. Foi também com ela que fez slide, em Leiria, numa viagem na escola, um momento que não esquece.

“Colocaram-lhe um arnês e foi deitado sobre o meu corpo, e assim fizemos a descida”, explica Vanda Silva, que acrescenta que o João Pedro nem sempre se portou muito bem.

“Gosta muito de fazer partidas, uma vez escondeu todo o trabalho do computador dele, e quando fomos para a aula eu não o encontrava e convenci-me que tinha apagado tudo, e deixou-me e à professora à beira de um ataque.”

Outra vez “estava chateado e no refeitório atirou-me com a sopa em cima, eu zanguei-me bastante com ele, mas depois veio pedir-me muitas desculpas”.

Enquanto ouve falar das suas tropelias, João vai rindo e mandando umas ‘bocas’, além de exigir “uma foto com a Vanda”.

Outro dos gostos de João Pedro é o S.L. Benfica e é peremptório sobre a vinda de Jorge Jesus para o Clube: “claro que é bom, e para o ano vamos ser campões”. Já sobre os jogadores, confessa-se fã “do Cardoso e do João Félix”.

Como o jantar estava a chegar à mesa, altura para perguntar sobre os gostos gastronómicos. “Adoro frango assado com masssa, pizza e bacalhau à brás, acompanhado de Fanta Laranja, mas gostava de ser vegetariano”.

A determinada altura, é o João Pedro que conduz a entrevista, e questiona “não me queres perguntar mais nada, sobre os meus sonhos?”.

Claro! E quais são estes? “Quero muito melhorar, ser independente e fazer mais fisioterapia. Faço tudo porque  um dia quero as minhas pernas a andar e quando for grande, quero tirar a carta e ser director de uma associação de animais.”

João Pedro e a sua Molly

«Viver dia a dia»

Helena Grilo, mãe deste jovem, explica como foi o percurso destes quinze anos. “O João Pedro nasceu com paralisia cerebral e com muitos problemas. Disseram-nos sempre que tínhamos de viver dia a dia e ir verificando o seu desenvolvimento. E apesar de algumas dificuldades ao início, ele passou a comer e beber bem, engordou num instante e foi crescendo bem.

Apenas ao nível motor não evolui como seria esperado, e começou a ser depois acompanhado em consultas.”

Algumas das dificuldades que os pais enfrentam é na obtenção dos produtos que o João precisa no dia a dia, como a cadeira de rodas eléctrica e o programa Tobii. “Temos de estar preparados para que tudo demora muito tempo. Se ele precisa de algo para hoje ou amanhã, temos de planear com tempo, e ver se conseguimos o dinheiro, porque em termos de apoios da Segurança Social são anos de espera. É tudo demasiado burocrático e muito demorado, mas também tudo o que ele precisa é caro.

E em termos das terapias também não tem apoios, deixou de ter no hospital cerca dos dois anos e meio, e a partir daí fomos sempre nós a pagar. Apenas teve terapia da fala gratuita na escola.

Agora precisava de mais fisioterapia do que a que já faz, mas nem sempre há tempo por causa dos horários da escola, e tem de haver disponibilidade financeira da nossa parte. Conjugar tudo não é fácil.”

O programa de rastreio ocular que agora utiliza para comunicar foi cofinanciado pela Fundação PT Altice e um apoio através da escola, também com o computador, “mas como ele dá um uso muito intensivo, porque é a sua forma de chegar ao mundo e o mundo chegar a ele, os computadores não duram muito” refere Helena Grilo.

“O João começou muito cedo com esta tecnologia, aos dezasseis meses na Gulbenkian, na Unidade de Técnicas Aumentativas e Alternativas de Comunicação (TAC), onde foi avaliado e teve muito bom prognóstico, e pediram-me para começar de imediato porque ele tinha muito potencial, mas os computadores eram muito caros, cerca de 25 mil euros, e teria de ficar na escola e não o podia trazer para casa.

Com o passar do tempo a tecnologia evolui muito e os aparelhos, que podem ser acoplados a um computador normal, custam cerca de 700 euros.”

A escola é outro local onde o João Pedro gosta de estar, já teve as suas paixonetas, e alguns problemas.

“Ele adapta-se muito bem a cada escola por onde passou, faz amigos com muita facilidade e conquista as pessoas, com o seu charme natural, e gosta mais de meninas que de meninos.

Tinha um grupinho que veio com ele da escola primária, que acompanharam o seu crescimento e não estranhavam o facto dele falar pelo computador.

Quando mudou de turma no 7.º ano já teve alguns miúdos que não estavam habituados e teve alguma dificuldade para fazer amigos, mas mesmo assim até os rufias que embirravam com ele e que não queriam ficar perto dele na sala de aula, ao fim de um tempo, já eram amigos.

E gosta muito de ajudar os colegas e até as professoras, ensinando algumas coisas.”

Na família há ainda o irmão mais novo, Rafael, com um gosto especial por pintura e agora por futebol. A relação dos irmãos não podia ser melhor.

“O João é muito protector do irmão, como mais velho, e porque era um dos maiores desejos dele. Queria que eu fizesse de conta que estava grávida, e quando aconteceu ficou super feliz, e está sempre preocupado se o irmão se queixa de alguma dor, é o primeiro a dizer que temos de ir ao médico.”

Sobre a paixão pelos animais, Helena Grilo confessa não ser “tão conhecedora. Sei que ele é um defensor dos animais, e tem os amigos e grupinhos dele, mas eu não pertenço a esses porque não sou tão ‘fundamentalista’ como ele e também acho que ele precisa de ter a sua independência nos seus gostos. Tem um enorme carinho em dar lares a animais abandonados, partilha, pergunta, arranja casas, etc.”

Paulo Garcia, o pai do João ainda refuta “e porque não estamos nos grupos, depois há quem nos critique porque o deixamos sozinho a fazer tudo, mas ele já tem quinze anos e tem direito à sua independência, e não temos de andar atrás do que ele faz”.

O sonho de andar não intimida Helena Grilo. “Ele sabe as limitações que tem, mas eu não sou ninguém que é impossível, mas sabemos que não é um sonho fácil. Agora o que tivermos ao nosso alcance para chegar mais perto e ter melhor qualidade de vida, iremos sempre tentar. O que queria mesmo, e é o nosso sonho comum, é que ele fosse mais independente.

Aceitemo-lo como é, mas eu gostava que ele tivesse uma vida profissional e ganhar o seu dinheiro, e ter uma ‘gostosa’ como ele diz.

Da nossa parte, como pais, eu e o Paulo estamos com ele até ao fim do mundo e faremos o que for preciso para ele ser feliz.”


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