PaísPalmelaReportagem

«Quero agradecer a todos os que me acompanharam nesta aventura»

Miguel Faine Reizinho nunca pensou que um dia fosse alvo de entrevistas e mencionado na televisão. Este antigo paraquedista lançou-se numa aventura em nome da solidariedade, quando em plena pandemia de covid19 teve conhecimento de casos de extrema necessidade na freguesia onde reside, Quinta do Anjo, concelho de Palmela.

“Tudo começou em finais de fevereiro, quando ia a chegar a casa e vejo um homem a remexer no lixo. Parei o carro e perguntei-lhe o que estava a fazer. Este respondeu-me que não estava a roubar nada, apenas procurava pão porque tinha achado manteiga… eu tinha vindo do supermercado e entreguei-lhe tudo o que levava comigo, de frango assado, a leite, pão, etc.

Hoje esse senhor continua a vir buscar a refeição e um saco, mas já está a receber também apoio.”

Agora aproveita também um pouco dessa projeção para deixar um agradecimento a todos os que o ajudaram numa missão de solidariedade que o Diário do Distrito já deu a conhecer, que irá terminar no dia 9 de Julho, mas que desde o início de Março deste ano permitiu ajudar centenas de pessoas.

“Devemos ter servido cerca de quatro mil refeições, sempre às quintas-feiras, e entre seis mil a sete mil sacos com bens essenciais, e algumas pessoas vinham apenas buscar estes, porque iam bem abastecidos para os sustentarem durante a semana.”

Esta missão foi composta por cidadãos anónimos, que antes se juntavam para jantares numa tertúlia, algumas empresas, colectividades e a Junta de Freguesia, irá terminar no final de junho, “porque no actual estado do país muitas pessoas já voltaram a trabalhar, estão encaminhados com os serviços sociais e têm outras possibilidades. Por outro lado, o apoio que tínhamos da Jerónimo Martins, com entrega de produtos da parte dos supermercados Pingo Doce, para os sacos que são entregues semanalmente, também tinha como data final o mês de Junho.

Além disso, muitas vezes faltavam alguns bens essenciais e eu com o Rui Correia chegámos a colocar do nosso bolso para comprar bens como carne ou peixe em certos casos.

Falámos com todos os intervenientes, e porque não somos nenhuma associação, apenas a tertúlia ‘Os Amigos da Quinta’, da qual sou presidente, e com as respostas dos hipermercados, vamos então terminar esta missão.”

Da parte dos beneficiados “a reação tem sido muito má. Apesar do desconfinamento, há pessoas que continuam desempregadas, e não recebem muito bem a notícia, apesar de eu explicar que não passamos de um grupo de amigos que se juntou por minha iniciativa com o Rui Correia, e com outras ajudas, e é isso que tentamos que compreendam.”

Impõe-se questionar como vão ficar essas pessoas, após o fim desta missão.

“Muitas pessoas que não tinham qualquer suporte são agora acompanhadas, como já disse, pelos serviços sociais da Junta e pela Segurança Social.

E quando falámos com os hipermercados após o desconfinamento, pedimos que nos apoiassem mais umas semanas porque sabíamos que as pessoas que foram pedir apoio à Segurança Social ainda vão ter de esperar algum tempo para receberem subsídios.

Mas depois temos situações como uma senhora que ajudamos, que tem cancro e que pediu apoio à Segurança Social, mas irá receber 67 euros… para que é que dá isto?”

Miguel Faine Reizinho

Parceiros de luta

 Na hora dos agradecimentos, estes vão para “a S.I.M – Sociedade de Instrução Musical, que nos cede o espaço para confecionarmos as refeições e preparar os sacos, e aqui nas pessoas do Renato Batista e da Susana Alves, que também faz parte do executivo da Junta de Freguesia da Quinta do Anjo, a quem deixo outro grande agradecimento ao presidente António Mestre, que nos ajudou desde a primeira hora, quer na distribuição das refeições e sacos a pessoas mais idosas que não podia vir buscar, e que agora foram já sinalizadas e foram encaminhadas para vários apoios, mas que até aqui passavam totalmente despercebidos certos casos de pessoas que viviam sozinhas e tinham alguma vergonha de pedir ajuda.

Agradeço também aos Veteranos do Futebol do Quintanjense, que às quartas feiras vieram sempre ajudar no descascar das cebolas, batatas, etc. e deixar tudo preparado para podermos confecionar as refeições da quinta-feira, que eram também cozinhadas pelo Rui Correia e pela Margarida Tomé.

Foram todos incansáveis e grandes parceiros desta luta que comecei e a todos eles ficarei eternamente grato, e estamos também bastante orgulhosos do que conseguimos fazer, reunir cidadãos que não tinham de se preocupar com estas situações, garantir o apoio de empresas e entidades e conseguir evitar males maiores numa situação como a que o mundo atravessou.

E foi agora pelo final disto tudo que me apercebi também que mais nenhuma freguesia teve um movimento como este, organizado por cidadãos.”

A ajuda não se ficou apenas por alimentos “porque por vezes chegavam-nos pedidos para mobília, roupa para bebé, electrodomésticos. Enchemos salas e quartos. Foi algo espectacular, e gostei muito de tudo porque tivemos reações incríveis.”

No final desta caminhada, como se sente?

“Foi uma luta tremenda. Às quartas e quintas feiras chegava a dormir só duas ou três horas para poder preparar aos duzentos sacos e estes ficarem prontos para as entregas, preparar as coisas para 250 refeições, para pelo menos um dia por semana terem uma refeição quente e a garantia de que tinham algo para comer durante o resto da semana.

Das histórias que irá guardar, destaca algumas, “como uma situação de uma senhora que veio ter connosco e queria levar uma palete de água, e eu recusei, porque tínhamos de distribuir por todos e quando lhe disse que lhe dava apenas uma ou duas garrafas, não quis. Mas depois apareceu outra rapariga, com um bebé, que me pediu se lhe podia dar uma garrafa, para poder fazer as papas para o bebé. Quando lhe perguntei se só queria uma, respondeu que sim e pediu que lhe dessemos apenas o que não fizesse falta a outras pessoas. Escusado será dizer que levou uma palete e mais coisas.

É isto que distingue as pessoas que realmente precisam das que andam apenas a ver o que podem agarrar. Mas também são atitudes como a desta rapariga que me enchem a alma.”

No entanto, também há espaço para desilusões. “Estava à espera que houvesse mais pessoas na freguesia da Quinta do Anjo e no concelho de Palmela, sobretudo empresas grandes que se chegassem à frente para nos apoiar e fiquei muito triste porque isso não aconteceu.

Foram sempre as empresas mais pequenas que nos apoiaram, e aquelas que têm mais meios, nem responderam.”

O futuro está ao virar da esquina e daqui para diante “será o voltar ao ‘normal’” embora Miguel Reizinho destaque que já teve alguns convites para entrar na vida política. “Mas nem sequer estou para aí virado para já, apenas poderia aceitar se fosse algo dedicado à solidariedade e não para ficar fechado num gabinete ou andar pelo Facebook a dizer que se vai fazer, mas não vão ter com o povo.

É o que as pessoas precisam, que os presidentes das câmaras e juntas tivessem saído dos gabinetes e ir falar com as pessoas, como fez aqui o António Mestre, para perceberem a real dimensão dos problemas e não o fizeram. E eu achei isso tão estranho, talvez porque fui militar e jurei bandeira mas parece que essas pessoas que foram eleitas se esquecem que sob a nossa bandeira o lema é ajudar o próximo.”

A Tertúlia ‘Os Amigos da Quinta’ vai continuar “como o faz desde 2007, mas agora só marcámos jantar para Setembro, vamos ver se será possível fazer nessa altura ou se teremos de adiar. E cá estaremos prontos para ajudar a freguesia da Quinta do Anjo com as capacidades que cada membro tem, caso seja necessário, como já o fazíamos antes.”


ÚLTIMA HORA! O seu Diário do Distrito acabou de chegar com um canal no whatsapp
Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *