Opinião

Prisão Perpétua: insusceptibilidade de revisão constitucional, a doutrina e o futuro

 A prisão perpétua é, e sempre foi, um tema bastante delicado. Para a maior parte das pessoas a noção de “prisão perpétua” é sinónimo de uma irredutibilidade da pena máxima que o Estado pode ditar ao indivíduo, o retirar da sua liberdade. Seguindo o pensamento contemporâneo, tal pena não pode ser encarada de uma forma uniformizada, mas sim dualista, sendo necessária uma divisão clara entre um regime mitigado e um regime irredutível.     

 Na atual constituição de 1976 vemos uma expressa proibição da prisão perpétua, mais precisamente no seu art. 30º, nº1. Portugal é, portanto, um de treze países espalhados pelo mundo, no meio de cerca de 200 Estados, que no seu texto constitucional proíbem a prisão perpétua. Mais do que isso, a constituição portuguesa ainda prevê uma clara insusceptibilidade de revisão constitucional nessa matéria, conjugando a norma supramencionada com o art 288º, al. d), que impõe limites materiais a uma revisão constitucional. 

 Tendo esta impossibilidade de uma revisão constitucional em vista, é necessário agora refletir sobre a legitimidade do poder constituinte originário em impor tais limites materiais ao poder constituinte derivado. Para esta análise é necessário ter em consideração 3 teses fundamentais, a tese da relevância absoluta dos limites (que prevê uma blindagem absoluta da constituição e dá legitimidade ao poder constituinte originário de não só impor limites materiais ao poder constituinte derivado mas também torná-los absolutos), a tese da irrelevância jurídica dos limites (que defende uma desblindagem absoluta, ou seja, que não fornece ao poder constituinte originário tal legitimidade) e, finalmente, a tese intermédia (prevê uma dupla revisão constitucional em caso de existência de tais limites, ou seja, fornece a legitimidade e fomenta o respeito sobre os mesmos, porém, não os encara como absolutos).  Esta última tese aparenta ser, todavia, tendencialmente burocrática, ainda que essa dupla revisão constitucional ocorra sucessivamente, dando azo a um atraso significativo do processo de revisão já, por si, bastante complexo.         

 Se olharmos para o art. 288º, al. a) (“A independência nacional e a unidade do Estado”), veremos um claro exemplo de que tais limites, sobre certas matérias, não só devem como têm de ser impostos pelo poder constituinte originário. Porém, tal não se compreende no que respeita à matéria da prisão perpétua, entre outras, devendo ser a aplicação ou não da mesma definida pelo legislador ordinário e nunca proibida pela constituição. 

Ora, não obstante profunda divisão na doutrina no que concerne aos limites materiais, a realidade por toda a europa é só uma, 41 dos 51 países europeus têm prisão perpétua, sendo que 37 destes possuem um regime mitigado, ou seja, com revisão de tempo em tempo, e os restantes, aparentemente, optaram por um modelo irredutível, ou clássico.

 Tendencialmente, assim como os remanescentes ramos de Direito, o Direito Penal, por força do Direito da União Europeia, é alvo de uma certa harmonização. Dito isto, e tendo em conta os números anteriormente referidos, numa visão restrita à União Europeia identificamos que 25 dos Estados-Membros possuem prisão perpétua, sendo que desses 25 apenas 7 preveem, ipso jure, uma impossibilidade de liberdade condicional em caso de condenação, e apenas 2, Portugal e a Croácia, não possuem prisão perpétua. De mencionar a profunda análise sobre este tema na obra de Dirk Van Zyl Smit e Catherine Appleton, “Life Imprisonment: A global human rights analysis”

Porém, algo muito mais importante do que estes números é saber se do ponto de vista jurídico-penal é eficaz e exequível a prisão perpétua em regime mitigado. Sendo eliminado para esta análise o regime irredutível que, contemporaneamente, é mais utilizado nos Estados caracterizados pelo modelo Anglo-saxónico (Estados Unidos, Reino Unido e outros Estados pertencentes à Commonwealth, por exemplo).

 Para esta análise, o primeiro ponto a ser mencionado é a visão de um sistema penal nacional fundamentado por uma veia claramente humanista, quiçá até ultra-humanista, consagrando a dignidade da pessoa humana como ponto principal de modo a evitar excessos por parte do Estado no exercício da sua competência punitiva. Todavia, uma questão elementar a ser colocada constantemente é a de se, efetivamente, o sistema penal vigente se encontra preparado para lidar com a nossa realidade, portanto, se para além da teoria se conseguem resolver na prática as questões, leia-se, alcançar a não reiteração de certas condutas prejudiciais para a ordem pública, maxime, que coloquem em causa bens jurídicos essenciais à vida em sociedade.

 Claro é que a prisão perpétua não surge como uma resposta milagrosa à resolução de todas estas questões, no entanto, a ideia de que a mesma não possuí qualquer sentido positivo no âmbito do Direito Penal tem de ser combatida. Efetivamente, se encararmos a prisão perpétua no seu modelo irredutível tal afirmação teria todo o sentido, uma vez que não aparenta existir qualquer objetivo na aplicação da pena e, portanto, corríamos o risco de uma mera aplicação das teorias retributivas superficiais, isto é, da aplicação da lei talião, “olho por olho, dente por dente”, sendo uma clara falha do sistema penal norte  americano, por exemplo. Contudo, se nos referirmos ao modelo mitigado, existe uma clara finalidade positiva no que concerne à reintegração do indivíduo na sociedade, inclusive, tal modelo enquadra-se naquela que é a doutrina maioritária em território europeu, e, portanto, permite a utilização das diversas teorias unificadoras no que concerne aos fins das penas. Sem grande aprofundamento técnico quanto a esta questão, creio que o regime adotado em Espanha desde 2016, que prevê uma revisão da pena de prisão perpétua de 25 em 25 anos, é excessivo, carecendo, todavia, de sentido uma constatação que o aponte como um regime violador dos direitos fundamentais ou até dos direitos humanos.   

 Os regimes que aparentam ser mais equilibrados, tendo em conta a realidade nacional, seriam os aplicados em Estados como a Alemanha, a Bélgica, a Dinamarca, entre outros. Um modelo de revisão entre os 12 e os 15 anos parece o mais favorável em matéria de análise, naturalmente clínica e não jurídica, da suscetibilidade do indivíduo que cometeu o ilícito retornar à sociedade naquele que deve ser sempre o fim principal de qualquer pena, a reintegração conjugada com a prevenção, e, portanto, para além do retorno do delinquente ao núcleo social a prevenção no que respeita à reiteração do ato ilícito antecedente. 

Portanto, tendo em conta a situação europeia atual e o avançar do regime mitigado nos últimos anos, o que se pode esperar para as próximas décadas é um debate profundo relativo à questão, maxime a nível nacional, do retorno da prisão perpétua, naturalmente, para certos crimes, bem como os seus benefícios para aquela que é a normal finalidade do Direito Penal contemporâneo de caráter romano-germânico e, claramente, de profunda influência canónica.   

André Silva, membro da Comissão Executiva Permanente da Distrital de Setúbal do CHEGA


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