Opinião

Por que não corres tu, oh galgueiro?

Enfim… é sempre a mesma coisa! Algumas pessoas querem acreditar que os animais são o que elas entendem que devem ser. Mas não são, sabe, lamento, mas não são.

Dá para comer? Meu caro amigo, se come coelho por que recusa gato? Mas está a insistir comigo, não é? Já o vou conhecendo. Ora, pergunta então se dá para comer? Então, se dá, assa-se porcos, grelham-se vacas e estufam-se galináceos… Mas também os há bons para experiências malucas – olhe lá os ratos, os macacos, aqueles giros, como se chamam… sim, os beagles. Como disse? Para correr? Sim, também há – cavalos, galgos, touros.

Tanto para dizer, tanto para fazer, mas fiquemos hoje pelos galgos, pode ser? Esses animais, nomeadamente os Greyhound, que participam em competições e sobre os quais correm denúncias que dão a conhecer os métodos de encarceramento, subnutrição, treinos agressivos, abandono e mesmo abate, quando por razões não naturais, deixam de cumprir o fim pelo qual foram adquiridos. São também estes que não raras são vezes sujeitos a uma seleção prévia à nascença – se tem o porte desejado é reconduzido a uma vida de agonia; se não tem pode ser morto ou abandonado, porque não serve para potenciar o rendimento que dele se espera.

Atentemos que os galgos são canídeos, e como tal, inserem-se na categoria de animais de companhia protegida pela lei penal desde 2014. Não obstante, as corridas acabam reiteradamente por cair no conceito de “espetáculo comercial” ou de divertimento, que dramaticamente são excecionadas deste regime. Ele há coisas! Uma indecência.

Mas vamos lá ver:

  1. Ou os galgos de corridas são considerados animais de companhia e aqueles que os utilizam para esse fim devem ser punidos pelos maus tratos que lhes infligem de acordo com o disposto no artigo 387.º do Código Penal;
  2. Ou são considerados animais para fins comerciais e participantes em eventos degradantes e nesse caso terão de,

I-comprovar que as corridas estão licenciadas;

II – que as pistas estão licenciadas;

III – Obrigatoriedade de ações de fiscalização por parte da DGAV;

IV – Legalização do jogo de apostas pela entidade competente (sim, esse que todos sabem que existe, mas que fica bem recusar reconhecer em nome do amor pelos animais).

Não nos enganemos, pode ser? Naturalmente estes animais caem no conceito de animal de companhia e não de animais excecionados… Até porque se os galgueiros os quisessem realmente excecionar, ai jesus, teriam de justificar o incumprimento dos requisitos que acabei agorinha de expor. Lembra-se – estão mesmo acima, mesmo acima… acima…. Sim, aí mesmo.

Bom, então afinal estamos perante o quê? Já sabe, não é? Estamos perante a habitual e já normal anormalidade da hipocrisia legal, tanto mais que o nosso estimado código civil veio igualar o estatuto de seres sencientes a todos os animais, sejam de companhia, pecuária, entretenimento ou silvestres. Ah, pois veio!

Mas no caso concreto dos galgos de corrida ainda tudo é mais bizarro – se, por um lado, aos galgueiros convém que os seus animais sejam considerados de companhia, por outro dá-lhes um jeitão entreterem-se com eles, sei lá, está a ver? E assim vai o nosso pequeno país, onde a lei criminal continua desadequada da lei civil, continuando-se a permitir a tortura e o abuso em nome de um valor que perante estes deveria ceder – o entretenimento – que é para não ir mais longe e dizer, o carcanhol.

Bem sei que os galgueiros defendem que não existe um jogo de apostas envolto nestas competições e blá, blá, blá até porque se o fizessem estariam a admitir que participam num jogo de apostas ilegal – ou está aprovado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e ninguém sabe de nada? Está? Está nada…. Brincadeirinha…

Sabia que lá fora se ganham milhões neste negócio? Estima-se que no Reino Unido e na Irlanda, por exemplo, a criação destes animais de raça Greyhound representa, nada mais, nada menos, que 1,9 mil milhões de euros por ano, sem contabilizar, naturalmente, os milhões ganhos pelas casas de apostas (em 2014, no Reino Unido, mais de 300 milhões).

Mas os galgueiros portugueses querem que acreditemos que a única coisa que os move é o convívio e, pasme-se, o amor pelo animal. Isto num país em que a competição é feroz e é já promovido um campeonato nacional que decorre aos fins-de-semana entre os meses de fevereiro e setembro. É só amor. Amor por animais que são sujeitos a treinos violentos, condições indignas de vivência, feridos e assustados, abandonados porque não são velozes o suficiente, ou porque já o foram e deixaram de o ser – pela idade, por doença ou por desgaste. Caramba, pá! Porquê? A pressão a que estes animais são sujeitos é tanta e tão desumana, que, em média, quando atingem os dois anos de idade, já estão fora das corridas, se antes não tiverem morrido de ataque cardíaco. Ao menos, fora de Portugal, há mais honestidade – os galgueiros dizem que o fazem por dinheiro. Aqui em Portugal são mais comedidos, é mais por amor ao animal… Vês, pá! Toma lá um beijo nesse focinho lindo!

Os galgueiros que acusam os defensores dos animais de transporem para dentro das nossas fronteiras exemplos dramáticos que se passam em outros países (sim, porque aqui é um paraíso) deveriam esclarecer por que razão os galgos nesses países se conseguem manter em competição, em média, até aos 4, 5 anos e em Portugal, onde impera o amor ao animal, só conseguem, em média, correr até aos 2 anos de vida? E isto é se lá chegarem…

Cumpre aqui esclarecer os senhores galgueiros que os maus tratos não passam apenas por dar pontapés ou murros num cão. Às vezes penso que é disto que os galgueiros se queixam quando são acusados de maus tratos e se sentem com isso ofendidos, até porque os seus cães têm autorização para se sentarem no sofá da sala ou têm uma capa protetora por cima do pelo. Maus tratos, meus senhores, passa também por diminuir a ração necessária a uma saudável subsistência, ou por obrigar os animais a correr até mais não, profissionalizando-os à força para competir em pistas amadoras. É claro que todos os cães gostam de dar a sua corrida, mas já não gostarão, por certo, de estar atracados a uma nora ou a uma pista de corrida mecânica, horas e horas, para desenvolverem essa apetência. Aqui, não se corre por gosto, nem se gosta de coleiras que potenciam descargas elétricas, nem tão pouco se é a favor do doping, senhores galgueiros. Pelo menos, não os cães!

De acordo com uma notícia veiculada no jornal Público de 31 de janeiro de 2019 existem em Portugal, pelo menos, 23 criadores de galgos destinados à participação em corridas nestas pistas amadoras. Ninguém sabe quantos galgueiros existem (estima-se que só no norte de Portugal sejam para cima de 600), mas sabe-se que esta prática que serve os interesses e o prazer exclusivo de uma minoria tem felizmente sido alvo de sérias contestações por parte da sociedade civil.

É de lamentar que os tutores destes animais considerem que estas corridas são inofensivas para os animais, quando nestas pistas estão bem visíveis as bacias cheias de betadine e água oxigenada, prontas para aplicar nas feridas dos animais pressionados a correr à média de 60km/hora.

Não duvido que existam galgueiros mais dedicados que outros, mas, na verdade, ao permitirem que os seus animais entrem neste tipo de competição, todos contribuem para o seu sacrifício e todos assumem uma visão utilitarista do animal.

Gostar e bem tratar um animal é, afinal, saber e lutar por aquilo que o faz feliz. Não vejo como submete-lo a treinos violentos e a prolongados encarceramentos contribua para essa felicidade. É uma questão elementar, de bom senso, oh, galgueiro… Não acha?

Voltarei, porque, afinal, “somos todos iguais”.


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