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Pároco Nuno Pacheco reflecte sobre funerais onde se ‘chora à pressa’

Pároco de Alhos Vedros e Santo André, o padre Nuno Pacheco deixou uma reflexão no site da Diocese de Setúbal sobre os enterros em tempo de pandemia de covid-19.

«Mesmo em tempo de COVID-19, a vida continua a acontecer à nossa volta e, também, a morte faz parte do nosso quotidiano. Houve, ao longo da História, quem afirmasse que o Homem nasce para morrer. Essa é uma realidade que, mais cedo ou mais tarde, todos nós iremos enfrentar: ninguém fica para trás, todos nós morreremos um dia.

Como Pároco de duas paróquias, continuo a acompanhar os “meus” defuntos ao cemitério, indo à frente do carro que os transporta, naquela que é a última viagem que fazem neste mundo.

Toda a morte física impõe uma separação entre os que partem e aqueles que permanecem vivos.

Nem sempre é fácil aceitar este novo estado que se estabelece nas relações humanas porque, no fundo, ninguém está preparado para enfrentar e lidar com o momento da partida. Por esse motivo, ninguém deve desvalorizar a dor no momento da morte.

Sentimo-nos impotentes diante deste mistério, é certo, e por melhores escolhidas que sejam as palavras que tentamos proferir, num momento tão doloroso como este, parece que nenhuma é capaz de preencher o vazio que fica quando o outro desaparece fisicamente. Se isso é verdade, também facilmente se experimenta que o melhor até não é dizer muitas palavras.

Não são necessárias sequer, porque aquele momento não é um encontro de “razões” mas um encontro de corações. Importa, sim, estarmos juntos, a acompanhar aqueles que ficam e que sofrem a dor da separação e mostrar-lhes que podem contar connosco, não apenas quando a vida corre bem, mas especialmente quando esses momentos de dor e de pesar se tornam realidade.

Neste sentido, a presença do sacerdote é fundamental. Em primeiro lugar, porque demonstra isso mesmo, que as pessoas não estão sós na sua dor; em segundo lugar, porque a Igreja não abandona ninguém, muito menos num momento tão doloroso como o que estamos a viver, em que a própria celebração e acompanhamento ao cemitério sofreram mudanças acentuadas por causa da pandemia causada pelo SARS-CoV-2.

Agora, também se fazem enterros em tempos de COVID-19. Agora, a pessoa que falece, morre completamente sozinha, sem poder despedir-se, sem ter qualquer companhia dos seus e estes, por sua vez, vêem-se privados de velar os seus queridos. Só quem passa por tal situação sabe o que custa não poder sequer fazer o «luto» como deve ser feito. O luto é necessário dado ser o tempo em que as pessoas aprendem a viver sem os que morrem, apesar de não os esquecerem.

O luto é a dor a dar lugar paulatinamente à saudade. Em muitos casos, sobretudo nos de falecidos pelo vírus, o defunto é transportado diretamente da morgue do hospital para o cemitério e é só aí que a família tem o primeiro contacto com o seu defunto.

Ali também estou, à porta, à espera… e se há imagens que o tempo nunca conseguirá apagar da minha memória são essas, a do primeiro encontro, da sensação de impotência dos familiares, do desejo frustrado de quererem olhar uma última vez para o familiar e não poderem abrir a urna, de quererem aproximar-se e, por motivos de segurança, não poderem sequer tocar!

Enfim, de ter de chorar à pressa por não ser possível permanecer muito tempo no local que é visto como possível local de contágio.

É aqui que sou igualmente chamado a servir como sacerdote, como pároco, acompanhando aqueles que o Senhor me distribuiu, caminhando a seu lado, sofrendo com eles, partilhando das suas angústias e das suas lágrimas, mas não deixando de ser, para cada um deles, sinal de esperança, de que tudo isto não é mais do que uma breve passagem para uma realidade muito superior que nos espera a todos: a vida nova em Cristo Ressuscitado.

Esta certeza mostra-nos que, afinal, nenhum de nós nasceu para morrer! Nascemos para a vida e caminhamos em direção do Senhor.»


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