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«O ACES Almada Seixal está entre os melhores na ARS-LVT»

Alexandre Tomás é o mais recente diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Almada-Seixal, com 386 mil utentes inscritos, com quem o Diário do Distrito foi conversar sobre temas como a falta de médicos de família, os programas de saúde promovidos pelo ACES e as questões laborais relativas ao atendimento complementar.

Ainda é cedo para fazer um balanço do seu trabalho aqui, mas como encontrou este ACES?

Há um passado de gestão deste agrupamento muito interessante, com um trabalho notável e que coloca este agrupamento entre os melhores da Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT) no quadro dos 15 ACES da ARS-LVT, e por isso tenho uma herança reconfortante mas de responsabilidade acrescida.

Contamos com 4 Unidades Cuidados de Saúde Personalizados; 4 Unidades de Saúde Familiar Modelo A e 14 Unidades de Saúde Familiar Modelo B, o que significa um salto muito substantivo, que se reflecte no Índice de Desempenho Global (IDG) deste ACES, fruto do trabalho da sua equipa global.

Qualquer cidadão pode consultar o IDG de todos os ACES aqui. Tudo isto nos permite afirmar que os utentes deste ACES têm muitos bons cuidados, embora ainda exista espaço para melhorar. Não estamos num cenário catastrófico, como por vezes se tenta mostrar. Há dificuldades que estamos a tentar contornar com os nossos meios e com o trabalho das equipas, e isso é reconhecido também pelos utentes.

Qual é o elemento diferenciador do ACES Almada Seixal?

Um deles é ter uma relação de muita proximidade com o poder local, a partir das nossas Unidades de Cuidados na Comunidade, uma em Almada e outra no Seixal, com um enorme trabalho de parceria na procura de respostas às necessidades da população, bem como com a Segurança Social de Setúbal, o que cria uma tríade muito positiva entre a saúde, o poder local e as IPSS.

Estamos também a reforçar a nossa Unidade de Saúde Pública, com muita relevância no quadro dos cuidados de saúde primários, com responsabildades na vigilância epidemiológica e monitorização da vacinação, e um trabalho de avaliação da qualidade do ar e da água de abastecimento público.

Apesar do trabalho realizado, devem também receber algumas reclamações, como lida o ACES com estas queixas dos utentes?

Todas as comunicações dos nossos utentes são bem-vindas e olhamos para todas elas na perspectiva de que podemos melhorar. Há um trabalho de análise às reclamações através de um apoio jurídico-legal, mas também há um trabalho muito importante de gestão da reclamação, aproveitando as questões e até sugestões que nos chegam, para melhorar o funcionamento dos nossos centros de saúde.

Em certos casos disponibilizamo-nos a receber o utente e a família e esclarecer qualquer situação.

Que perspectivas tem para o futuro deste ACES?

Gostaria que num futuro próximo pudesse vir a ser um ACES de referência na área da formação e investigação, e na área da inovação. Temos um conjunto de profissionais muito capacitados e competentes, com elevado nível académico e que nos permite ter contextros de formação positiva e sermos espaços de investigação, não no âmbito de ensaios clínicos, mas sim por exemplo, na forma de resolver problemas à população idosa, promover estilos de vida saudável, aposta na prevenção, etc.

Estão a ser encetados contactos com universidades e centros de investigação para promovermos esta cooperação.

Por outro lado, apostamos também na inovação organizacional. Este agrupamento abraçou, desde o primeiro momento, a reforma dos cuidados de saúde primários, e hoje temos um número alargado de Unidades de Saúde Familiar ou Modelo B, um modelo organizacional muito interessante, de maior capacidade de resposta do ponto de vista de acessibilidade e com uma monitorização muito objectiva em termos clínicos e de qualidade, o que resulta num ganho para a população.

Procuramos ter um conjunto de respostas, decorrentes das prioridades da ARS-LVT, compaginado também com os interesses dos nossos profissionais, dos médicos aos enfermeiros, secretários clínicos e técnicos, porque um dos nossos desafios é compatibilizar estas três vertentes: as necessidades dos utentes, as obrigações da tutela e as capacidades e competências dos nossos profissionais.

Projecto ‘Acompanhamento de Doentes Complexos’ apoia utentes sem MF

 Um dos principais problemas dos utentes é a falta de ‘médico de família’. Que medidas tem o ACES para garantir que todos os doentes tenham acesso aos cuidados de saúde essenciais?

No ACES Almada Seixal temos utentes aos quais ainda não conseguimos atribuir ‘equipa de família’, vulgarmente ‘médicos de família’, e referimos ‘equipa’ porque em bom rigor o utente tem uma equipa de médico, enfermeiro e secretário clínico.

No concelho do Seixal são cerca de 18 mil pessoas e no concelho de Almada são pouco menos de 12 mil, num total de cerca de 30 mil utentes, o que é uma preocupação para o ACES.

Na população sem ‘médico de família’, há grupos com maior vulnerabilidade, como crianças, mulheres grávidas e em idade fértil e população idosa com patologias diversas como diabetes, hipertensão, doença respiratória, etc.

Identificadas essas vulnerabilidades, desenvolvemos o projecto ‘Acompanhamento de Doentes Complexos’ desde Junho de 2018 no Centro de Saúde de Corroios, com uma equipa constituída por médicos e enfermeiros, e que está disponível para um grupo de pessoas que foram avaliadas segundo o seu tipo de vulnerabilidade, acompanhando-os até lhes serem designados os respectivos ‘médicos de família’.

Desde o início foram avaliados 182 utentes e integrados 136 utentes, a quem foi definido um plano individual de intervenção. Em Junho de 2019, estavam em acompanhamento 113 utentes.

Em Julho deste ano, o ACES recebeu 13 novos médicos de Medicina Geral e Familiar, e 3 deles foram colocados no Centro de Saúde de Corroios, a quem foram atribuídos estes utentes (e o seu agregado familiar) do ‘Acompanhamento Complexo’.

Terminada esta primeira fase, o projecto continuará agregando agora outros utentes dentro do mesmo perfil dos primeiros, até que consigam também obter o médico de família.

 Como decorre o acesso ao ACES de cidadãos estrangeiros, imigrantes, alguns com dificuldade em obter documentos e a legalização em Portugal?

Estamos num Estado de Direito e com um conjunto de princípios fundamentais, um dos quais um Serviço Nacional de Saúde para todos dentro do nosso território.

Qualquer cidadão nacional ou estrangeiro, em situação regular ou por regularizar, tem resposta ao nível da saúde. Não fechamos a porta a ninguém que se dirija às nossas unidades, mas temos a preocupação de que essa resposta seja feita da melhor forma a uma população migrante que é muito diversificada e com diferentes origens, mercê até de crescentes fluxos migratórios de determinadas zonas, que temos vindo a acompanhar.

Aliás, o acompanhamento das populações migrantes é uma das preocupações da Direção Geral de Saúde, sobretudo sobre determinados tipos de doenças e características epidemiológicas de algumas áreas de onde nos possam chegar pessoas.

Nos casos de utentes que se vêm inscrever, damos o apoio para saberem que documentos necessitam e como o podem fazer, e também aqui muitas vezes com uma interação com o poder local, através das Juntas de Freguesia ou de organizações específicas que nos apoiam nesse processo.

Está prevista a entrada de mais médicos de família?

Contamos actualmente com 195 médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar, 196 enfermeiros e 127 assistentes técnicos.

No Serviço Nacional de Saúde temos concursos anuais para recrutamento de médicos, dos quais depende o reforço da equipa médica, que em Portugal se faz em função do volume de formação desses profissionais, pelo que está também dependente do número de vagas abertas para a formação de médicos especialistas em  Medicina Geral e Familiar, dos que terminam o seu curso e dos que escolhem este ACES.

Para 2019 o agrupamento fez a proposta para 26 vagas para médicos de Medicina Geral e Familiar, foram-nos atribuídas 16 vagas e dessas foram preenchidas 13 e ainda recebemos uma médica por pedido de mobilidade, pelo que efectivamente recebemos 14 novos médicos.

Da nossa parte, tentamos criar condições de atratividade garantindo requisitos para serem realizados bons estágios, bons internatos com excelentes tutores e bom acompanhamento na sua área de especialidade, de forma a que um jovem médico que ao longo da sua formação contacte com este agrupamento, fique com a referência de que aqui é feito um trabalho permanente de procura de resposta às necessidades das populações e que os profissionais têm um contexto profissional que promove o seu desenvolvimento, vindo depois no futuro a procurar ser integrado aqui.

 Além da falta de ‘médicos de família’, existem outras dificuldades na gestão do ACES?

Em relação ao mapa de pessoal, o maior déficit é relativo aos profissionais do sector administrativo, o que dificulta o funcionamento.

Nos últimos anos a contratação destes profissionais esteve parada, mas neste momento estamos num processo de contratação de 22 secretários clínicos, que esperamos contratar no início do próximo ano.

 E em termos das infraestruturas?

É reconhecido que temos algumas debilidades nesse aspecto. Mas já está em construção o novo Centro de Saúde de Corroios, que irá substituir a unidade que agora funciona num prédio e sem condições quer para os utentes quer para os profissionais, com previsibilidade de términus da obra em Junho de 2020, sendo que poderá vir a abrir no último trimestre do ano, após o processo de instalação, mantendo-se em funcionamento a actual Unidade Moinho de Maré.

Também ainda para o Seixal, o executivo camarário teve uma reunião com a ARS-LVT, para se planear duas novas unidades de saúde, uma para os Foros de Amora, e outra para substituir a Unidade da Rosinha. Está claramente identificada essa necessidade, embora não seja para arrancar a obra no imediato.

Para o concelho de Almada não está nenhum projecto identificado, até porque se trata de um executivo mais recente e que ainda estará a inteirar-se de todos os assuntos, mas diria que não há nenhuma situação emergente para esse concelho.

 Há ainda algumas ‘especialidades’ às quais os utentes podem recorrer no ACES, como as relacionadas com adições. Vão manter-se essas consultas por especialistas?

As consultas no âmbito das dependências, quer de alcoologia quer de cessação tabágica vão manter-se, onde temos excelentes especialistas.

Para 2020 estamos a ponderar o alargamento das consultas de alcoologia, porque é uma problemática social identificada nos indicadores de saúde.

Relativamente ao acesso a estas consultas, é um processo interno em que cada médico de família ou médico do ‘Acompanhamento de Doentes Complexos’, pode referenciar o utente para esta resposta, desde que este o pretenda, consoante um conjunto de características especificas que têm de ser avaliadas, porque nem todas as pessoas com determinado tipo de consumo estão em condições de ter acompanhamento específico.

O utente pode também realizar uma «consulta do viajante» destinada a quem se prepara para sair do país, para conhecer as situações de saúde do seu destino, algumas das quais até podem ser endémicas.

Problemas laborais no ACES Almada Seixal

No início deste ano ocorreram alguns protestos por parte dos enfermeiros devido aos horários atribuídos para garantir o atendimento complementar aos fins-de-semana. Como está a resolução desse assunto?

O atendimento complementar funciona ao fim-de-semana em dois pólos do ACES: um na Amora e outro em Almada, e na fase inicial foi assegurado em trabalho suplementar devido à enorme carência de enfermeiros.

No entanto, nos últimos anos, os Centros de Saúde têm recebido um número considerável de enfermeiros; neste ACES em 2018 recebemos 29 enfermeiros e temos hoje um total de 245 enfermeiros, sendo que o número previsto no mapa de pessoal deste ACES é de 251 enfermeiros.

Em função desse processo, o atendimento complementar passou a ser realizado dentro do horário de 35h  atribuído a cada um desses profissionais.

O ano passado, por um conjunto de circunstâncias, os enfermeiros entenderam que esse trabalho não devia ser incluído nesse horário normal, mas sim auferido como trabalho suplementar.

Após a greve, decretada por uma estrutura sindical, foi iniciado um processo de negociação com a estrutura sindical e com o grupo profissional. Eu próprio reuni com mais de 90 enfermeiros do ACES, à procura de uma solução e com muita abertura de todos.

Por nossa proposta foi constituído um grupo de trabalho paritário, com enfermeiros indicados pela direcção e pelo sindicato, que está a identificar se o facto de os enfermeiros desenvolverem a actividade ao fim-de-semana, dentro do seu horário de trabalho, tal compromete a actividade nas suas unidades, e será apresentado até final de Outubro um conjunto de propostas que pretendemos analisar e aplicar.

A solução pode passar por terminar o atendimento complementar aos fins-de-semana?

Essa seria a solução mais fácil até porque nem temos reclamações dos utentes e mesmo nas reuniões com as comissões de utentes, nenhuma expressou problemas sobre isso.

Mas nunca o propus nem estou a pensar nessa possibilidade, porque estamos todos a trabalhar em prol do cidadão, prestando um serviço público a uma população que ou acede a estes serviços de saúde públicos ou não tem mais onde possa recorrer. Temos uma noção muito concreta das necessidades e fragilidades desta população e por isso existe uma responsabilidade acrescida.

No entanto, enquanto director executivo pareceu-me muito complexo que desde Novembro de 2018 até final de Agosto de 2019 o atendimento complementar decorresse sem a presença de enfermeiros, apenas com resposta de consulta médica.

 


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