Opinião

#Naovaificartudobem

É irritante e mentiroso. É um slogan que convence os mais incautos e transporta com ele a magia da falácia que procura reprimir o medo, criando a ilusão própria de uma mentira.

O medo é bom e amigo. Não fosse ele e estaríamos muito pior. Foi o medo que nos enviou para casa sem sermos ordenados a isso. Foi o medo que nos fez tomar precauções que lá fora, com sucesso, usaram, quando por cá a DGS falava em falta de evidências.

Elas aí estão, por exemplo, na República Checa. Se já tomávamos 3 meses de vantagem sobre outros países afectados, desse tempo não fizemos caso nem aproveitamento. Tal como agora, pelo que consta, a DGS já não alude às evidências para recomendar o uso generalizado de máscaras. E – digo eu aqui – será de uso obrigatório dentro de dias. Andamos sempre atrasados com meses de avanço. Paradoxo.

Elogiado o medo, regresso ao irritante e mentiroso slogan.

Não, não vai ficar tudo bem.

No momento em que escrevo este texto morreram no meu país 657 pessoas e estão infectadas 19.022.

Na minha Europa, são milhares e milhares de pessoas que perderam a vida. Itália, no dia de ontem, havia perdido mais de 22.000 pessoas. Em França quase 18.000 pessoas. Na nossa vizinha Espanha o número de mortes ascende a 20.000. Fora do velho continente, nos EUA registam-se 33.000 mortes.

A história falará de nós. Mas não apenas de nós, cidadãos. A história falará dos povos que, formalmente integrados numa União Europeia, foram deixados à sua sorte. Antevejo que Itália siga os passos recentes do Reino Unido. A União Europeia revelou-nos ausência de liderança e de líderes, ficando os seus membros a ditar as suas regras internas, ao arrepio de um comando geral.  A história falará deste tempo.

Mas nem só de mortes se faz a pandemia. Virão tempos muitíssimo difíceis e, não duvido por momento algum, dar-se-á o regresso da austeridade. Virão tempos de recessão, desagregação familiar e social, aumento da pobreza e assimetrias, da carga fiscal (ainda mais), desemprego, criminalidade, fome, sofrimento, tumultos, insolvências, entre outras. E nesses outros, entre outros, vejo as famílias despedaçadas pela morte dos seus entes. Como têm alguns a veleidade de dizer que vai ficar tudo bem?

Recuso-me a proferir ou escrever esse slogan mentiroso. Não, não vai ficar tudo bem.

Todavia, pode ficar melhor. Há esperança que a pandemia nos possa trazer a maturidade que não tínhamos, relativizar os problemas estúpidos que antes nos consumiam e dedicar tempo àquilo e a quem verdadeiramente é/são importante(s). Há uns dias atrás, li de um amigo uma frase que me marcou. Escreveu o Ricardo: “E de repente, temos tempo.” Gostei pela veracidade e por me lembrar que agora já não me queixava desse tesouro a que chamamos de tempo.

E muitos de nós, com tempo, com imaginação e com a ciência de outros, caminhámos seguros. Temos aulas, reuniões, tertúlias e outras por via da tecnologia da nossa era. Bendito Zoom que nos permite a proximidade sem presença física. E pode – querendo – ser um desafio para uma nova e futura factualidade, evitando-se no futuro algumas correrias desnecessárias. Mas também temos agora tempo para a família, para os filhos, para as brincadeiras. Temos tempo para ler um livro. Temos agora o que antes tínhamos, mas fazíamos questão de não ter.

Devemos ganhar maturidade e ensinamento destes tempos. Muito do que somos e as nossas circunstâncias poderá ficar melhor. Assim o espero e desejo, para mim e para todos. Mas nunca por nunca direi, em momento algum, vai tudo ficar bem. Não vai.

 


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