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Lisboa: Centenas protestaram contra o racismo

Contra o fascismo, o racismo e pela liberdade e direitos cívicos, centenas de pessoas manifestaram-se este domingo em Lisboa num protesto que quem lá estava disse ser necessário pelo crescente à-vontade que a extrema-direita sente para cometer crimes.

Por volta das 15:00, hora marcada para a concentração no Largo Camões, já muitos se juntavam em torno da estátua do poeta onde, num modelo de microfone aberto, quem quis ‘subiu ao palco’ para falar a quem ali se dirigiu.

Breves discursos intervalados por palmas da assistência e pelas palavras de ordem mais repetidas — “Não passarão” — foram-se sucedendo entre quem fez questão de marcar presença para condenar o mais recente episódio de racismo em Portugal, em investigação pelo Ministério Público, que pretende apurar os factos relativos ao email intimidatório enviado a três deputadas e representantes de organizações de combate ao fascismo e ao racismo por um grupo conotado com a extrema-direita, a Nova Ordem de Avis -Resistência Nacional, ao qual também se atribui a organização da concentração frente à sede da SOS Racismo.

Rita Osório, da Frente Unitária Antifascista e uma das responsáveis pela organização da concentração de hoje tem o nome entre os 10 que constam da lista, declarou-se surpreendida com a quantidade de pessoas ali presentes, mas esperando que ainda pudessem chegar mais. Menos surpreendida está com o escalar das ações violentas da extrema-direita no país.

“A Frente Unitária Antifascista sempre tentou avisar que a extrema-direita se estava a desenvolver e a ganhar força”, disse apontando o dedo a quem diz ser a cara do crescendo do discurso de ódio, racista e xenófobo em Portugal, dando força a grupos extremistas e legitimando o seu comportamento violento: o deputado André Ventura, do Chega.

Das autoridades públicas e das forças políticas disse que esperava mais e recusa o apelo à calma do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Nós não podemos ter calma como o nosso Presidente da República pediu, não podemos, porque nós é que estamos na linha da frente, nós é que estamos a receber essas ameaças. Por isso é impossível termos calma quando temos cada vez mais organizações racistas e fascistas a ganhar palco e espaço”, disse, lembrando que o artigo 46.º da Constituição as proíbe.

A Constituição, e o seu artigo 46.º, que proíbe organizações racistas ou de ideologia fascista, andava hoje na boca de todos e nos cartazes de muitos. Como no de Inês Lopes, que dizia simplesmente “Constituição. Artigo 46.º”, o artigo que ela própria só descobriu depois dos últimos acontecimentos no país em matéria de racismo a terem levado a ler a lei.

Proibir o fascismo na Constituição não chega? “Aparentemente não chega. Só chega um Chega”, ironizou.

Inês Lopes não tem dúvidas no retrato que trata da sociedade portuguesa: “Normalizada com o racismo, portanto racista”.

“Acho que falta empatia e acho que existe uma grande hipocrisia portuguesa, porque temos que reconhecer que existe racismo. Todos nós somos racistas e fomos ensinados subtilmente ou diretamente a tal. Como tal, precisamos de reconhecer primeiro que o somos. Faltam mais manifestações como esta, falta falar sobre isto”, defendeu.

Para a manifestante estar ali, no Largo Camões, em 2020, pelos motivos que estava, é coisa que “não faz sentido em pleno século XXI”. Ou até pode fazer, dependendo da atenção que se preste à História.

“Sabe-se que a História é circular e às vezes é preciso sermos relembrados que certas coisas podem, de facto, acontecer novamente. Por isso é que existem Constituições. É preciso ter ali um lembrete que nos diga que se calhar há o perigo de isto voltar a acontecer. […] O racismo existe, assim como o discurso fascista, claramente. Como tal, temos que estar aqui”, disse.

A História repete-se, sobretudo, por ignorância, defendeu Cláudia Santos, que partilha o sentimento de “absurdo” de sair à rua para defender direitos e liberdades conquistadas. Circulava com um cartaz onde se lia “Já liam mais”, porque é ignorância que vê quando vê a História a repetir-se populismo que alimenta uma dimensão crescente dos discursos de ódio.

“Acho completamente absurdo o despudor das pessoas, o quão confortáveis elas estão para cometer crimes. Acho que as pessoas estão-se a sentir confortáveis e estão-se a sentir legitimadas também por alguns representantes que começam a encontrar”, nomeadamente no parlamento, disse.

A mudança, disse, pode começar na escola: “A educação tem um papel bastante importante. Vamos não esquecer que uma boa parte do nosso programa, em especial de História, ainda descende muito do Estado Novo e sinto que é por isso também que as pessoas se sentem tão à vontade com sentir nacionalismo”.

João Monteiro, dirigente do Livre, foi dos primeiros a pegar no microfone para falar aos manifestantes, aos quais disse que não esperava estar a viver aquilo que se está a viver no país. À Lusa disse que o momento é “inacreditável e inaceitável” e que fazer listas com nomes de pessoas e ameaçá-las é “terrorismo interno”, em relação ao qual espera ação da polícia e esperava uma ação diferente dos partidos.

“Acho que todos os partidos democráticos, da esquerda à direita, se devem unir e condenar este tipo de atitudes que são atentatórias dos direitos dos cidadãos”, disse.

Erguido bem alto acima da cabeça da manifestante que o segurava e na direção de quem discursava, um cartaz alertava que “estamos a perder Abril”, com um cravo murcho a reforçar a ideia. Ao microfone sucediam-se intervenções que culminavam quase todas numa ideia chave: a importância de agir e de não ficar em silêncio.

Ao microfone, um jovem brasileiro a viver em Portugal há 14 anos deixou um agradecimento: “Obrigada por estarem aqui hoje, a lutar pelo meu direito de viver aqui não sendo português”.

Imediatamente a seguir, outra jovem brasileira, advertiu os portugueses que ainda se sentem confortáveis com o país onde vivem. Na posição de quem “assistiu de perto à ascensão de Bolsonaro” apontou o dedo ao “silêncio de quem acha que não é nada com eles” e pediu aos presentes para responsabilizarem amigos e familiares por não estarem ali com eles.

“Ainda não é tarde demais para Portugal, mas amanhã pode ser”, disse.

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