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Lisboa | Brasões da Praça do Império levantam acusações de ‘racismo’ e ‘colonialismo’

A discussão ocorreu na Assembleia Municipal de Lisboa, esta terça-feira, durante o debate sobre a petição ‘Contra o apagamento dos brasões da Praça do Império’ que reuniu 15 mil assinaturas e que foi entregue à autarquia em fevereiro passado.

As recomendações para a preservação dos brasões florais que se encontram na Praça do Império, na freguesia de Belém, foram rejeitadas com 37 votos contra de PSD, CDS-PP, Aliança, PPM, MPT, Iniciativa Liberal, Chega e BE, um voto de abstenção do PAN e 36 votos a favor de PS, PCP, PEV, Livre e um independente do movimento Cidadão por Lisboa (eleito pela coligação PS/Livre).

Antes da votação na reunião do Assembleia Municipal de Lisboa, Rafael Pinto Borges, do movimento Nova Portugalidade, e promotor da petição, apresentou a mesma, saudando o processo de negociação com o anterior executivo, sob a presidência do socialista Fernando Medina, que classificou de “interesse exemplar” e frisou que as soluções avaliadas para assegurar a continuidade dos brasões da Praça do Império, nomeadamente que fossem incluídos na calçada portuguesa, “permite que a cidade se respeite a si mesma, porque está em causa a preservação da história”.

Após a apresentação, teve lugar a intervenção dos deputados, com Isabel Mendes Lopes (Livre), a defender a importância “de não esquecer o passado, sem o glorificar acriticamente”, considerando que “Lisboa não pode viver bem com o seu passado, e este debate não é apenas acerca dos brasões florais, mas sim acerca da memória histórica”.

E foi a intervenção seguinte, que coube a Leonor Rosas (BE), que motivou a discussão da noite, com pedidos de defesa da honra e duras críticas à ‘falta de conhecimentos de História’.

Num discurso inflamado, Leonor Rosas afirmou que a petição “está pejada de saudosismo colonial e de falsidades históricas”, imputando a autoria desta a “uma associação de extrema-direita Nova Portugalidade, que tem com bandeira o luso-tropicalismo desavergonhado, o branqueamento da história do colonialismo português, da sua violência e do saudosismo salazarista” acusando ainda o PSD e CDS-PP por terem subscrito a iniciativa.

A bloquista relembrou o papel da Praça do Império, “espaço que foi tão central no projeto do colonialismo português” e frisou “o tráfico de seis milhões de pessoas escravizadas de África para a América, levando a que no século XVI, dez por cento da cidade de Lisboa era composta por pessoas negras escravizadas.

Precisamos de um projeto alargado de contextualização e inserção da memória do colonialismo português no espaço público, não precisamos de legitimar grupos de extrema-direita.”

‘Devia era ir aprender História em vez de vir insultar Portugal e os portugueses.’

Os visados usaram depois da figura da ‘defesa da honra’ para deixarem por sua vez críticas à intervenção da eleita do BE, com Luís Newton (PSD) a afirmar ser “fã do entusiasmo juvenil nas intervenções políticas, mas há que traçar uma linha que separe a divergência partidária do insulto. E recuso ainda todas as tentativas de colocar o PSD a uma visão fascista e salazarenta.

O PSD não recebe lições de democracia nem de tolerância de partidos que defendem a Coreia do Norte, que defendem a Venezuela, que defendem a Cuba comunista.”

Por sua vez, Gonçalo da Câmara Pereira (PPM) aconselhou a deputada do BE aprender História, e garantiu que “Portugal nunca foi um país racista e se no século XIX já não havia negros em Lisboa é porque foram absorvidos e todos nos temos sangue negro e judeu.

Portugal também não foi colonialista, mantivemos sempre acordos comerciais com os outros países e só o passamos a ser quando a Europa, após a Conferência de Berlim, nos obrigou a sê-lo. Desde 1974 que estamos a absorver todas as comunidades que vieram das colónias.”

Também a escravatura foi abordada pelo eleito do PPM, criticando Leonor Rosas “por não saber que também existiram escravos brancos. Devia era ir aprender História em vez de vir insultar Portugal e os portugueses.”

Com ânimos exaltados na sala, a presidente da mesa da Assembleia Municipal, Maria do Rosário Farmhouse Simões Alberto, tentou ‘deitar água na fervura’, relembrando os eleitos de que “estamos na casa da cidadania, agradecia que baixassem a adrenalina”.

Também em defesa da honra, o deputado do CDS-PP Martim de Freitas fez uma curta intervenção na qual afirmou que “não somos fascistas, nunca fomos, não somos nazistas, não somos socialistas, mas também não somos comunistas”.

Por sua vez, José Inácio Faria (MPT), considerou “lamentável que no início deste mandato tenhamos este tipo de chincalha política. Aqui não há ninguém que seja fascista nem racista. Há comunistas, mas não somos nós.  Agora por amor de Deus, tenhamos respeito pelos colegas, pelo público e por quem nos segue.

É de lamentar que o BE persista no ataque sistemático às tradições e à história portuguesa, que tem histórias bonitas, e mais florais e há as menos bonitas, mas é a História e esta não se reescreve.

E também criticou o apoio do BE “a regimes comunistas da China, da Coreia do Norte e da Venezuela não tenham o mesmo afinco e paixão para condenar esses regimes, como quer condenar o que fomos no passado. Isso é um disparate, e por mais que queiram não vão rescrever a História, porque não é assim que se faz.”

Fernando Rosa (PSD), também presidente da Junta de Freguesia de Belém, e um dos peticionários ‘Contra o apagamento dos brasões da Praça do Império’, considerou que o assunto “não é uma questão de extrema-direita ou de extrema-esquerda, é uma questão de assumir a História, de um momento em que Portugal descobriu novos mundos, e que foi retratado naquele local, na Exposição do Mundo Português, no Estado Novo.”

O autarca apoiou “a ideia dos brasões na calçada portuguesa”, relembrando ainda o processo “no qual estou envolvido desde o início” e as tentativas para que os brasões não fossem retirados do local.

“Na altura, a Junta estava em condições de pagar a requalificação dos brasões, agora nem pensar em tal. Tomara que a Câmara Municipal nos pague o que o anterior executivo deixou em dívida, de vários milhares de euros.”

O eleito considerou ser chocante “ver colegas meus dizerem que esta petição é da extrema direita. Isto é História. Não há nenhum país que se preze que não assuma a sua história, nos bons e nos maus momentos.”

Fernando Rosa não deixou passar em claro a História do país e “o sistema pluripartidário, alcançado com o 25 de Novembro de 1975, e do qual a senhora eleita goza agora e pelo qual pode agradecer, ao contrário dos regimes que o seu partido defende”, e recordou o que viveu após o 25 de Abril de 1974, “em que com 19 anos fui preso, estive perante uma simulação de fuzilamento, apenas por não ser comunista, e quando tinha de mostrar as mãos a certas forças de extrema-esquerda, para provar que era trabalhador”.

Natacha Amado (PCP), explicou o voto favorável às recomendações propostas pelas Comissões à Câmara Municipal, “pelo seu carácter ponderado, aberto e abrangente”, e relembrou que “o PCP não foi favorável ao projecto de renovação do Jardim da Praça do Império em 2016”, explicando “que o fizemos não por razões saudosistas, mas antes pela questão ambiental e paisagística subjacente ao processo”.

A deputada frisou ainda que “não iremos alimentar polémicas, transformando a discussão sobre a requalificação de um jardim lisboeta numa celebração de revivalismos, e por isso insistimos em recentrar a discussão nas escolhas para o espaço”, e para tal o PCP pretende “a revitalização dos viveiros municipais e a reabertura dos cursos de jardineiros para a cidade”.

Miguel Teixeira (PS) lamentou “algum extremar de posições e o aproveitamento de um tema muito mais importante, que foi o que os peticionários trouxeram. Não tenho o condão de dar lições de morais a ninguém, mas quero frisar que é muito mais o que nos une do que o que nos separa, e o que nos une é a cidade de Lisboa, e não este tipo de questiúncula política que não cai bem a quem vê esta Assembleia Municipal”.

O eleito realçou ainda “a capacidade de diálogo e tolerância do anterior executivo municipal” e deixou “as memórias do que aconteceu sobre este assunto no mandato anterior”, recordando as votações que foram feitas.

‘Fomos os maiores traficantes de pessoas escravizadas do mundo’

Leonor Rosas voltou a intervir para lamentar que “usem a minha juventude para a crítica, quando se defende mais jovens na política, e para todos os outros que me mandaram estudar e ler História, fiquem sabendo que é de facto esta a área que eu estudo, mas é dificil ver uma mulher jovem sem sentir a vontade de a mandar estudar”.

A deputada bloquista insistiu em que “o debate que aqui tivemos demonstrou que a direita tem um problema com a História, com o colonialismo português e com os milhões de pessoas que foram escravizadas.

E  a culpa não é minha se assinaram uma petição promovida por um grupo de extrema direita, em vez de contribuirem para uma Lisboa mais inclusiva. Não vos chamei fascistas, apenas classifiquei o que é o grupo da petição.

Ficou também óbvio que quem precisa de estudar História são aqueles que passam para segundo plano o facto de termos sido os maiores traficantes de pessoas escravizadas do mundo, do continente africano para o continente americano”, deixando depois sugestões de leitura aos eleitos sobre temas como o indigenato e o racismo.


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