Opinião

JUSTIÇA E CIDADANIA

Uma crónica de Nuno Gonçalves

O Arlindo é bancário e tem 68 anos de uma vida dura de trabalho. A idade começa a pesar e o Arlindo está a pensar na merecida reforma. Trabalha desde os 16 anos e sempre descontou para a previdência, mas não sabe quanto será a sua reforma e teme um rombo no orçamento mensal. Um colega disse-lhe que tinha de pedir a contagem do tempo de serviço para depois poder simular a sua pensão.

O Arlindo dirige-se então à Segurança Social onde lhe dizem para requerer a dita contagem. Seis meses depois o Arlindo continua sem a informação que requereu e por isso continua a trabalhar. Os meses vão passando e nada. Liga para a linha de atendimento onde lhe dizem para aguardar.

O Arlindo não sabia, como a maioria dos cidadãos não sabe, que qualquer serviço do estado tem a obrigação legal de lhe responder em 10 dias.

O Arlindo também não sabe que, caso não cumpra esta obrigação, o serviço pode ser judicialmente intimado a presta-la e se não o fizer no prazo máximo de 10 dias, contados da notificação do tribunal, nem apresentar motivo de força maior para não o fazer, incorre em responsabilidade civil e criminal, designadamente no crime de desobediência qualificada.

Por isso o Arlindo esperou e esperou e foi gastando os preciosos e derradeiros anos de vida a trabalhar, à espera que um organismo do estado cumprisse a sua obrigação legal de o informar.

Finalmente o Arlindo lá resolveu consultar um advogado e ficou a saber tudo isto e resolveu o assunto em poucos dias, com uma simples carta registada.

De facto a cultura de impunidade e displicência da administração pública perante os cidadãos que a sustentam resulta, em primeiro lugar, do enorme desconhecimento, por parte destes, dos seus direitos e, em segundo, da sua incapacidade económica para suportarem os custos de fazer intervir o sistema de justiça, suportando custas judiciais e honorários de advogado, com a agravante de ter ainda de esperar meses, se for um processo urgente, ou muitos anos se não for, até que o poder judicial reconheça o seu direito.

Dirão alguns então e o apoio judiciário? Infelizmente a condição de recurso para beneficiar deste sistema de protecção no acesso à justiça só está acessível aos cidadãos que são mesmo muito pobres. A esmagadora maioria dos cidadãos da classe média, como o Anibal, não têm qualquer apoio, ficando assim, de facto, sem acesso à chamada tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses, e logo à mercê da arbitrariedade e conveniência dos serviços do estado.

Esta é antes de mais uma questão de cidadania! Não basta ter leis em profusão, prevendo tudo e o seu contrário, como tantas vezes infelizmente se verifica entre nós. É preciso que os cidadãos tenham informação acessível sobre os seus direitos, meios efectivos para os exercer e um sistema judicial que decida em tempo útil.

Porque afinal que justiça é essa que decide tantas vezes após o óbito do interessado, ou como na justiça tributária, quando o cidadão já foi espoliado dos seus pertences, a sua vida destruída e está a viver na rua. Que justiça é essa?

Para uma cidadania consciente e livre que imponha uma mudança na cultura de arrogância impune, que ainda grassa em muitos serviços do estado, para uma cultura de verdadeiro serviço público, é preciso que os cidadãos tenham, de facto e não apenas de jure, meios para exercer a sua cidadania.

Senão é um faz de conta!


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