Opinião

Golpe de estado em câmara lenta…

Nas presidenciais de janeiro 2016, socorri-me de “três dês” para resumir os três grandes desígnios de uma Presidência ao serviço de Portugal: o combate ao D do despesismo, que considerei escandaloso; a luta contra o D da total dependência face aos poderes instalados; e a eliminação do D do distanciamento, em relação ao povo.

Será que, cinco anos depois, não teremos ainda maiores razões para apreensão?

Vejamos o primeiro “D”, o da despesa, em que a atual Presidência superou o esbanjamento de qualquer das anteriores: o seu custo subiu, o recorde de viagens foi pulverizado, ninguém olha a custos para promover imagens e, sem preocupação em administrar as casas e causas, civis e militares, apenas se reduziram os gastos na cultura.

Quanto ao segundo “D”, ainda piorou a dependência do PR perante os poderes institucionais. Como é possível contemporizar com o Governo mais gordo da História? Se, enquanto o mundo muda e os espetros políticos refrescam, não perde ocasião para criticar novas tendências e abafar as iniciativas da cidadania, tendentes a reformar o sistema? Como entender o “babar” perante a China e que, em tempos de horror, em vez de revisitar o atribulado Moçambique, como fez no primeiro mandato, tenha optado por “desconfinar” no Vaticano e em revisita à aristocracia castelhana?

Ainda no que toca à dependência, desta em relação ao poder económico, a realidade é ainda mais chocante: Como desenquadrar o Novo Banco e velho BES, a TAP e sei lá do que mais, de alguém que suporta e condecora gestores indiciados de graves crimes? E, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, até foi ver uma meia-final de futebol, num avião que agora vemos estacionado enquanto a TAP especula no preço do repatriamento de cidadãos nacionais, abandonados pelo mundo?

Claríssimo, também o PR colabora na anestesia do combate à corrupção, sem que mova um dedo face às sucessivas manobras para silenciar e intimidar magistrados, ao mesmo tempo que nem pestaneja, perante o alarme social gerado em torno dos retrocessos em processos judiciais dos poderosos, que até envolvem alguns amigos.

Já o terceiro “D”, em que denunciei o distanciamento do anterior Presidente, já nem me lembro do nome, é certo que, sempre que “aterra” em Portugal, o atual se desdobra em afetos e “selfies” que chegam a cair no ridículo. Mas, também é certo que não há notícia de que, com zelo e competência, alguma vez se tenha empenhado na resolução de qualquer problema: visita os sem-abrigo e o fenómeno alastra, apregoa a inclusão e recusa visitar prisões ou receber associações que lutam pela integração das famílias desprotegidas, enquanto a chamada “proteção de menores” não passa de um negócio deplorável de exploração infantil, com milhares de “avençados” a somarem a adoção de uma única criança, em cada dia útil.

Vivemos, pois, sob uma governação preocupada em retirar proveitos políticos, e não só, dos desastres naturais e da miséria humana, e não em enfrentar, com firmeza e determinação, qualquer dos problemas do país. Subjugado a estes poderes, prossegue aquilo que em tempos designei por “golpe de estado em câmara lenta”. Golpe que se processa nas áreas da cultura, do social, na economia e no direito:

Na Cultura, a afirmação de políticas coerentes tem vindo a ser substituída pela exposição de agentes com mediatismo, alinhados na propaganda. A fusão entre os modernos conceitos artísticos e os valores tradicionais, que deveriam ser motivo de orgulho e a garantia da portugalidade, foi substituída por “igualdades de género” e conceitos afins. E até a ocupação do simbólico Largo Martim Moniz é permitida, enquanto permanecem sepultados e ao abandono, em solo estrangeiro, milhares de portugueses que se bateram numa guerra colonial tão insana como as tolices de “gente importante”, capaz de propostas como a destruição do Monumento das Descobertas.

No Social, assistimos à lenta agonia do Serviço Nacional de Saúde agravada pela pandemia, à degradação da Escola Pública e ao descontrolo e prepotência da Segurança Social. Como pode alguém zelar pelo normal funcionamento das Instituições, quando nada diz sobre a captura das carreiras públicas, por “polvos” hoje determinantes nas nomeações, na viciação de concursos e no crescente tráfico de influências?

Na Economia, embora há trinta anos fosse urgente eliminar a pobreza e a exclusão social, a cidadania portuguesa ainda era das mais apetecíveis do mundo. Cada nacional detinha uma quota de bens que lhe permitia uma soberania plena e a distribuição equilibrada da riqueza produzida. Hoje, a burocracia levanta ainda mais dificuldades, os portugueses pagam impostos insuportáveis e cada cidadão, pelo facto de assumir o passaporte português, deve dezasseis ou mais meses de trabalhos forçados, independentemente da sua idade e sem sequer incluir o seu sustento. Para onde foi todo esse dinheiro?

E assim chegamos ao golpe no Estado de Direito:  em 2011, com uma Justiça para ricos e de outra para pobres, nem um único alto político, administrador ou militar de alta patente, banqueiro, magistrado ou jornalista de referência estagiava em prisões. Uma singularidade que foi quebrada por desenvolvimentos que, na altura, designei como “revolução silenciosa da Justiça”, em que algumas autoridades se atreviam a bater aos portões dos poderosos com a cobertura de uma opinião pública ainda não totalmente prisioneira.

Um sonho que se revelou temerário e foi abortado em 2018, com Joana Marques Vidal e outros “resistentes” a serem objeto de intimidação ou afastados por uma “aliança” que juntava a Presidência, o Governo e o principal Partido da oposição. E perante o silêncio cúmplice dos partidos da “geringonça”, que se contentaram com algumas miseráveis migalhas, e a assistirmos a um “safas-o-meu-que-eu-safo-o-teu”, não tive então dúvidas em denunciar que decorria um “golpe de Estado em câmara lenta”.

Golpe que, em crescendo e a não ser travado, assinalará o 9 de abril de 2021, como o pior 9 de abril da História de Portugal, desde o desastre de La Lyz.


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