Opinião

Estará o direito à saúde garantido em Portugal?

Eleita do CHEGA à Assembleia de Freguesia de Quinta do Anjo, Cláudia Estêvão (Enfermeira)

O Dia Internacional do Enfermeiro celebrado mundialmente, no passado dia 12 de maio, visa homenagear estes profissionais e relembrar a relevância do seu papel na defesa do direito à proteção da saúde dos cidadãos. Foi, precisamente, a celebração do dia do enfermeiro que motivou esta reflexão, que coloca em perspetiva alguns dos maiores desafios com que este grupo profissional se confronta em Portugal, a maioria transversais a todos os grupos de profissionais de saúde, comprometendo diariamente o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.

O direito à proteção da saúde emergiu, em Portugal, do estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS), assente em princípios fundamentais de universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial. Constituindo, desde 1979, o instrumento através do qual o Estado garante o direito à saúde a todos os cidadãos residentes em Portugal, independentemente da sua condição socioeconómica.

O compromisso de garantir o direito à saúde impõe ao Estado que, com respeito pela sustentabilidade do SNS, dote este serviço dos recursos necessários ao cumprimento do seu desígnio de proteção da saúde dos cidadãos, através da sua capacitação para prestar cuidados de saúde seguros, de qualidade, adequados às necessidades de saúde dos cidadãos e em tempo útil.

Em Portugal, assiste-se há décadas a uma tendência crescente da despesa em saúde, que em 2021 foi 11% do produto interno bruto. Estes valores traduzidos em despesa per capita estão aquém da despesa média de saúde dos 27 da União Europeia (EU), contudo, em Portugal, impele legitimas preocupações quanto à sustentabilidade e universalidade do SNS, particularmente porque este aumento da despesa não se tem traduzido em ganhos em saúde.

Atualmente, utilizadores, profissionais de saúde e sociedade em geral deparam-se com evidências que demonstram que a sustentabilidade do SNS, é muito mais que a sua sustentabilidade económico-financeira. Esta certeza traduzida em sucessivos casos de encerramentos de serviços públicos de saúde, sobrelotação dos serviços de urgência, listas de espera infindáveis para consultas de especialidade, cirurgias e exames.

A Concelhia de Palmela auxiliares de diagnóstico, evidencia que a sustentabilidade e garantia da universalidade do SNS se encontra, cada vez mais, ameaçada pela falta de recursos humanos da saúde, decorrente da incapacidade do SNS atrair, motivar e reter estes recursos.

O exposto torna urgente que tanto decisores, como gestores das unidades de saúde do SNS reconheçam a importância de efetivarem uma política de recursos humanos, que atenda aos princípios de uma boa gestão de recursos humanos, e garanta a satisfação profissional, uma avaliação de desempenho capaz de reconhecer e diferenciar os melhores desempenhos e reconheça a importância fundamental que os recursos humanos da saúde têm neste mercado, enquanto os únicos recursos da saúde capazes, ao operar todos os outros, de gerar ganhos em saúde.

A falta de atratividade do SNS, enquanto empregador, cresce desde há mais de 2 décadas e resulta num SNS onde coexistem condições de trabalho desiguais; escassas oportunidades de desenvolvimento profissional e baixa remuneração, condições que levam a elevado abandono e elevada rotatividade dos profissionais no SNS, com consequente impacto negativo na satisfação profissional, no espírito e coesão das equipas e na qualidade da prestação de cuidados.

Sobre os enfermeiros, em Portugal, este grupo lida com uma avassaladora sobrecarga de trabalho, traduzido, em 2020, num rácio médio de enfermeiro por mil habitantes de 7,3%, enquanto a média nos países da UE era de 8,3%, pior resultado apenas se observou em países como a Roménia, Lituânia e Malta. Na maioria dos países da EU, o número de enfermeiros por habitante aumentou, registando-se no mesmo ano, um rácio médio Enfermeiro/médico de 2:1, contudo, em Portugal, o rácio era de 1:3, piores resultado apenas se registaram na Bulgária, na Letónia e no Chipre.

Quanto à remuneração, em 2021, os Enfermeiros em Portugal estavam entre os mais mal pagos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com uma remuneração anual média de 23 mil euros, apenas a Letónia e a Lituânia, apresentavam piores salários. A remuneração dos Enfermeiros portugueses representava cerca de 56% da remuneração média da OCDE, ultrapassada pelo México, Turquia, Grécia e Eslovénia.

 Concelhia de Palmela

Outra problemática são as condições de vida e trabalho dos Enfermeiros em Portugal, a este respeito, em 2022, a Ordem dos Enfermeiros, apresentou os resultados de um estudo nacional desenvolvido, em parceria, pela Universidade Nova de Lisboa, o Instituto Superior Técnico e o Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, sendo de realçar alguns resultados:

– mais de 16% dos enfermeiros trabalhavam mais de 70 horas semanais, 23% tinha mais de uma atividade profissional, 57% tinha horário rotativo e 74% trabalhava por turnos.

– 65% dos inquiridos revelaram sentir-se sempre ou várias vezes por semana fisicamente exausto, 76% sentiam falta de mais intervalos, 71% não conseguiam descansar nas folgas e 97,2% não gozavam sete dias seguidos de férias nos últimos 350 dias.

– 31% dos inquiridos referiu sofrer assédio moral e apenas 32% disse não ter sofrido agressões em contexto laboral – a maior parte das agressões verbais ou físicas encetadas por utentes e/ou familiares destes.

A realidade apresentada resulta em abandono da profissão de enfermagem ou emigração. A este respeito, a Ordem dos Enfermeiros tem alertado sucessivamente para o aumento de pedidos de declarações para efeitos de emigração, a maioria com destino à Suíça, Luxemburgo e Bélgica, onde as condições de trabalho atrativas e a qualidade da formação académica dos enfermeiros em Portugal, internacionalmente reconhecida, conseguem fixar um grande número de enfermeiros portugueses.

Evidência produzida pela OCDE alerta para uma tendência de agravamento do fenómeno da emigração entre profissionais de saúde, uma vez que para fazer face às necessidades de saúde crescentes relacionadas com o envelhecimento da população europeia, a procura de recursos humanos da saúde tende igualmente a aumentar. Portugal, com a atual política de recursos humanos da saúde levada a cabo no SNS, não é competitivo, em termos de atratividade das condições de trabalho, com a generalidade dos países europeus.

 – 55% dos enfermeiros inquiridos referiram desejar a reforma antes do tempo, 65% já havia pensado mudar de profissão e 67% não gostava que um filho seu fosse Enfermeiro.

Por fim, quero relevar o indiscutível papel vital dos Enfermeiros nos sistemas de saúde e na prestação de cuidados de saúde, cuja evidência demonstra que dotações adequadas destes profissionais nas unidades de saúde resultam em ganhos para os

 doentes, para as instituições de Saúde, para os profissionais e para a sociedade em geral, demostrando que, o número de Enfermeiros, as suas qualificações e condições de trabalho estão diretamente relacionados com a qualidade e a segurança da prestação de cuidados de saúde.

Neste contexto, pela sustentabilidade do SNS, é fundamental e urgente que o sistema político português reconheça e valorize a combinação ímpar de habilidades, conhecimentos e dedicação dos enfermeiros portugueses e o seu importante contributo na abordagem das desigualdades em saúde e na promoção da saúde e bem-estar dos cidadãos. Esta necessidade está espelhada no lema “Nossos Enfermeiros. Nosso Futuro” (do original “Our Nurses. Our Future”), do Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN), que visa realçar a necessidade de investimento nos enfermeiros, enquanto um dos grupos profissionais da saúde essencial para enfrentar os desafios atuais e futuros dos sistemas de saúde.

Eleita do CHEGA à Assembleia de Freguesia de Quinta do Anjo, Cláudia Estêvão (Enfermeira)


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