Montijo

ENTREVISTA – ‘Hoje ouvem fado porque está na moda mas não conhecem a sua história’

Tiago Correia é fadista, natural de Montijo, e com apenas 21 anos já marca presença no fado nacional. Com 12 anos venceu o concurso da RTP ‘Nasci para o Fado’ e com 13 anos participou no musical de Filipe La Féria ‘Fado, História de um povo’.

Ao Diário do Distrito fala da sua experiência e da enorme influência que o seu avô materno teve na sua vida.

 

Como se iniciou na vida de fadista?

Iniciei-me cerca dos 12 anos e com uma enorme influência do meu avô, a pessoa mais especial eu tive na vida a nível pessoal e pessoal. Foi ele que um dia me disse para ouvir o grande miúdo da bica, o Fernando Farinha, o que me cativou imenso. Adorei a forma como ele dizia as palavras, como se expressava, como interpretava o poema, e achei essa interpretação muito diferente do que ouvira, mas ao mesmo tempo, muito próximo do que eu idealizava como a forma de interpretar a música.

A partir daí fui à procura de outros artistas, de poemas, de melodias, de outros mestres antigos, e foi essa pesquisa que levou ao meu percurso pelo fado e até por outros caminhos.

 

Participou em vários concursos de fados, como foi essa experiência?

Comecei a cantar no início de 2009, em casa, sempre sob a tutela do meu avô que me lembrava a importância de dividir bem os versos, de dizer bem as palavras, algo muito importante quer ao nível do fado, quer também da língua portuguesa, para relevar a forma como os poetas as escreveram. Sempre tentei fazer dessa forma.

Com doze anos participei no concurso ‘Uma Canção para ti’, da TVI, o meu primeiro concurso e foi uma experiência que correu muito bem e foi assim que tive a primeira relação mais próxima com o grande público porque foram muitos milhões de pessoas a assistir.

Foram apenas duas semanas, mas abriram-me muitas portas.

O mesmo aconteceu em 2010 quando participei no concurso da RTP ‘Nasci para o Fado’, que acabei por vencer e que abriu caminho para a minha participação, com apenas 13 anos, no musical de Filipe La Féria, ‘Fado, História de um Povo’, que esteve em cena durante um ano no Casino do Estoril.

 

Foi uma experiência positiva, esse musical?

Sim, foi um ano durante o qual esteve em palco, foi uma experiência também muito gira, mas única. Gostei imenso porque era um musical de fado e nessa altura já me identificava muito com o fado e quis ir descobrir um pouco mais.

Em relação a trabalhar com o Filipe La Féria, ele é uma pessoa muito forte na realização deste tipo de espectáculos, é também uma pessoa que sabe bastante e podemos todos aprender muito com ele. E ele também gosta de aprender com os artistas, houve momentos de partilha e trocas de ideias em que lhe explicávamos coisas e pude aprender muito com ele, mas também com o elenco fantástico como a Alexandra, o Henrique Feist, o Gonçalo Salgueiro, pessoas que me ensinaram bastante e que foram muito importantes neste percurso.

E como foi uma experiência tão especial, nunca fecharei portas para voltar a fazer algo assim, apesar do meu percurso ser mais para o fado.

Gostei bastante, de umas coisas mais que outras, evidentemente, mas a ideia de actuar é algo que me cativa e, vou dizê-lo publicamente pela primeira vez, gostava de vir a experimentar também experimentar televisão, embora em primeiro lugar sempre os fados e o amor que tenho por estes.

 

A figura central para si foi o seu avô. Também ele era fadista?

O meu avô era músico, trompetista numa banda em Beringel, Beja, de onde eram. Ele veio para o Montijo já com 50 anos de idade, com a família.

Foi músico durante muitos anos e um apreciador de fado, de fadistas como Fernando Farinha, Carlos Ramos, Alfredo Marceneiro. Gostava também muito de Maria Teresa e de Amália, pessoas que foram muito importantes para ele.

Acontece muito jovens começarem a cantar porque os pais e os avós querem isso. Mas no meu caso não foi assim, o meu avô limitou-se a mostrar-me o que de melhor havia e eu gostei imenso, e decidi que era o que queria fazer e é o que gosto.

Sempre fui assim, quando gosto de uma coisa, vou atrás dela, luto por ela e sonho por ela.

Mesmo com as coisas de que gostamos, há obstáculos que temos de enfrentar, muitas vezes voltar atrás para dar um salto em frente. E tem sido assim a minha vida, à procura sempre do que gosto e do que sonho, e vivendo no presente.

 

Quando canta o fado, sente a presença do seu avô?

Sem dúvida. E em várias coisas porque canto a alegria, a tristeza, a dor. E esta última passou a ser mais sentida desde o momento em que ele partiu. Vem-me muitas vezes à memória e foi em sua homenagem que escrevi a letra e música de ‘Simples Lamento’, fado do single de estreia para o disco que virá em 2019.

Foi ele quem me colocou neste caminho, e daí a homenagem. Todos os fados são para ele e para a minha avó, que foram muito importantes para me tornar naquilo que sou hoje, e a quem devo tudo.

 

Alguma vez a voz lhe falhou ao cantar e recordar-se do seu avô?

Não se me quebra a voz, sai é com mais intensidade. E isso foi uma das coisas que aprendi com ele, que uma vez me disse uma frase que me marcou imenso. «Na vida, para nos tornarmos mestres, temos de passar por algumas pancadas da própria vida.» Ele para mim era um mestre e quando me disse isso, achei que esta frase devia marcar a minha forma de ver a vida, além de outras que ele me deixou, porque tinha essa capacidade de dizer frases muito bonitas, que também me fizeram crescer.

E esses momentos em que há esse grande lamento de já não o ter a meu lado, parece que o fado é mais fado, a verdade é mais verdade e a dor é mais dor. E quando tudo sai mais verdadeiro, também sai mais intenso.

 

Como vê o fado em Portugal?

Essa é uma pergunta muito boa. O fado será sempre fado. Há a ideia do fado antigo, do fado novo, mas não creio nisso. Fado é fado, tem uma raiz e uma história que tem de ser respeitada. Obviamente os tempos mudam e a musicalidade também se vai alterando. Há coisas que vão sendo construídas e muito bem feitas e que têm de ser aceites como fado.

O que não pode ser aceite como fado é o que hoje se usa como publicidade, porque o fado está na moda, e que não é fado.

E há algo também que me questiono: se o fado está agora na moda, quando isso deixar de acontecer, quem o irá ouvir? E tenho um bocado de receio disso, porque o fado vem de uma tradição, que por sua vez vem da história, e porque sabemos que as modas passam, o que virá a seguir, e isso assusta-me.

Muita gente hoje ouve fado porque está na moda mas não conhece a sua história.

Actualmente há jovens muito bons a cantar fado, colegas meus que cantam muitíssimo bem e que representam muito bem o fado. Há gente que está a aparecer e que é notável, no registo de fado que prefiro.

Se me perguntar para mim o que é o fado, são todos os mestres, músicos, compositores e poetas que fizeram a sua história e continuam agora a fazer a história no presente.

 

Que fadistas são a sua referência?

Tenho dois, um já não está entre nós. Destaco Fernando Farinha, a minha grande referência e o primeiro fadista que ouvi, um grande poeta e fadista, que sabia dizer os poemas que interpretava.

Depois gosto de ouvir Max, Gabino Ferreira, Maria Teresa de Noronha, Amália, Fernanda Maria e uma pessoa que partiu recentemente, Celeste Rodrigues, que admirava imenso e ao lado de quem participei numa das Grandes Noites do Fado no Montijo, e que foi das únicas pessoas que me fizeram chorar ao ouvi-la cantar ao vivo, por essa intensidade e verdade fadista.

O mesmo aconteceu com António Rocha, ainda entre nós, que é a minha outra referência. Trabalha em Lisboa, no Bairro Alto, onde o conheci e ouvi pela primeira vez, e emocionei-me imenso ao ouvi-lo cantar. Em 1962 foi eleito o ‘Rei do Fado Menor’, e tem agora cerca de 80 anos de idade. É uma das grandes referências vivas do fado para mim.

 

O Tiago canta no Bairro Alto. Qual é a diferença entre o fado de Lisboa e o da margem sul?

A diferença que identifico logo à partida é o público. Por exemplo, no Montijo o público é português, e sabe-nos muito bem cantar para esses, porque sabem as letras e conhecem a intensidade que estamos a pôr nas palavras.

Em Lisboa o público entende-nos, mas não entende a mensagem, apenas a sua intensidade. Isso é curioso e faz parte do fado estar na moda, porque as casas de fados estão repletas de turistas, e é rara a noite em que temos lá portugueses. Os turistas vieram e o fado tornou-se um mercado nacional em bruto e as pessoas vão ouvir o fado e ficam a conhecer um pouco da cultura portuguesa e da nossa cultura musical.

 

O fado ser património da Humanidade ajudou nesse interesse?

Ajudou, mas não se fica a dever apenas a isso, e pensar assim é um enorme erro.

O fado ser património da Humanidade deve-se a pessoas muito importantes que construíram um trabalho nos últimos quinze a vinte anos que dignificou em muito o fado e o que levou a esse ponto. Mas esquecem-se de referir que isso parte também de uma pessoa, de uma das melhores vozes do planeta, chamada Amália Rodrigues, muito antes de se falar sequer nesse aspecto de património.

Foi Amália que levou o fado para fora de Portugal e a ser aquilo que é hoje, e a ser património da Humanidade.

 

Pode falar-nos sobre o disco que vai lançar para o ano?

O disco será uma representação de mim e do que sou. É a construção do que tenho sido ao longo destes anos. É os poetas, os músicos, os fadistas que conheci, com quem convivi e que sempre admirei. No fundo é uma imagem de tudo isso e do que tem sido a minha vida.

Procuro também ser inovador no sentido de criar reportório meu, por isso inseri letras e músicas minhas.

O single ‘Simples Lamento’, que já saiu para o público, é a homenagem ao meu avô, com letra e música minha. Fazia todo o sentido o ponto de partida ser para quem me iniciou e me fez estar no fado. A partir daí é uma construção através dos meus poemas e das minhas músicas e também de letras e músicas de outros autores mais antigos e mais recentes, completando entre dez a catorze temas. Tenciono puxar muito pela musicalidade do fado tradicional e por isso terá alguns inéditos desses, mas também procurei ir buscar temas que não são ouvidos há muito tempo mas que pertencem a grandes fadistas que admiro bastante.

Ainda não temos marcação de data de lançamento, apenas aponto para 2019 porque marca os dez anos que comecei a cantar, e gostaria que o meu primeiro disco saísse nessa altura.

 

Que mensagem gostaria de deixar.

Sejam sempre felizes com a música e com a vida, amem o ser humano e tentem sempre procurar o lado bom das pessoas, quando encontrarem o lado ruim, tentem dar a volta e se tal não for possível, tentem encontrar outras pessoas, porque a vida não é nada sem ser feita em grupo ou em família e a individualidade não chega a lado nenhum. Precisamos sempre de um grupo de gente boa e honesta ao nosso lado para nos guiar e para podermos ser felizes e chegar mais longe.

É assim que eu sou e penso.


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