Opinião

Em linha com a verdade

Uma crónica de Vera Esperança.

No dia 25 de fevereiro foi exibido um documentário na RTP1 – Programa Linha da Frente – que fez levantar algumas vozes, umas mais enfurecidas que outras.

E se nós falássemos é o título da reportagem de investigação da jornalista Mafalda Gameiro, que provou ter a coragem de, pela primeira vez em horário nobre, revelar aos telespetadores mais distraídos (e aos que preferem não saber a verdade – a grande maioria!) o que se esconde sobre os animais de pecuária, esses seres que vemos a jazer nos pratos e que a maior parte da população portuguesa ingere como se não houvesse amanhã. E de facto, vai deixar de haver amanhã se continuarem a adotar esta postura….

https://www.rtp.pt/play/p8165/linha-da-frente

O que assistiu ou pode assistir é a mais pura realidade portuguesa, ou não existissem registos de imagens e vários testemunhos que o comprovem.

As imagens transmitidas não são, por certo, manipuladas e os testemunhos gravados (até à laia do medo por parte de uma engenheira zootécnica) são reveladores e recheados do temor que percorre este reino quando se insurgem movimentos ou cidadãos que pretendem alertar para o facto dos animais, sobretudo os de pecuária, continuarem a ser tratados como se de mercadorias, produtos ou bens se tratassem e não como seres vivos que o nosso respeito merecem.

São quase 300 milhões os animais mortos todos os anos em Portugal para consumo dos mais incautos – em embalagens bonitas, descaracterizados, mas que escondem um atroz sofrimento. Certamente por isso, os produtores de suínos ficaram muito indignados, tendo inclusivamente o Senhor Presidente da FPAS – Federação Portuguesa de Associação de Suinicultores – (e cuja existência desconhecia) declarado que se tratou de uma peça jornalística pautada por falsas premissas, quando algumas dessas premissas estão, aliás, bem patentes na legislação portuguesa, sendo por ela permitidas, como é o caso do castramento sem anestesia dos leitões e da inseminação artificial.

No fim de todas as contas, é tudo muito simples – não vamos confundir os animais de companhia com aqueles que se comem. Vá lá, tenha juízo! Que comparação tão desprovida de sentido é esta, heim? Não interessa nada que os animais sofram, ou que sintam, ou que queiram viver as suas vidas em paz, que brinquem, sejam sociáveis. Não! Não interessa nada que tenham emoções, ligações familiares e afetivas. Não importa, em suma, que tenham consciência de si e dos outros! Porque o importante são os produtores e suas contas bancárias cheias de sangue. O importante é esconder esta realidade para não afetar os valores morais dos consumidores que devem continuar a acreditar que é perfeitamente normal comer um ser que jaz no prato… Sim, porque os seres humanos têm, também eles consciência, têm valores morais e não gostam, por princípio, de ver os outros sofrer. São estes valores morais que se pretendem aniquilar quando se esconde tudo o que está por detrás do processo produtivo.

Nesta mesma reportagem, temos o “prazer” de ouvir um ex-criador de ovinos e caprinos, hoje dedicado aos suínos, que optou por “mudar de ramo”, porque já não aguentava mais ver os seus “memés” em sofrimento. Nem é capaz de pensar em comer estas carnes, devido os laços afetivos que criou com os seus bichos. Em relação aos porquinhos, a quem agora se dedica, diz que tem de superar e ultrapassar o que sente quando chega o camião que os leva até ao matadouro. O seu negócio e o dinheiro que com ele ganha ainda consegue comprar os seus valores morais, a sua ética. A este senhor lanço um desafio: porque não vai com os porquinhos até ao matadouro? Fique por lá, ouça os gritos e cheire a carnificina. Vai uma aposta em como muda de ramo outra vez?

E depois vem a Senhora Dr.ª Graça Mariano (médica veterinária, que já trabalhou na ASAE e na DGAV e que hoje representa a maioria dos empresários do setor) informar que não há em Portugal nenhum animal sujeito à morte que não tivesse antes sido atordoado, ou seja, que sofra. Tenho duas perguntas: a primeira é se esta senhora é omnipotente, omnipresente e omnisciente conseguindo estar em todos os 150 matadouros certificados em Portugal em simultâneo? Grande mulher! Pena é que o médico veterinário que representa a Ordem destes profissionais tenha vindo desmenti-la logo de seguida (como se fosse preciso, mas enfim), alegando que não deveria haver sofrimento, mas isso não significa que ele não exista. Eh, pá! Por favor! Querem saber o que se passa nos matadouros? Vão até um e fiquem à porta! É que nem precisam de entrar! A segunda pergunta, não é bem uma pergunta, mas uma triste constatação – a Sr.ª Dr.ª Graça Mariano, que esteve na DGAV, quando uma das suas funções consistia em zelar pelo bem-estar animal é agora a representante da maioria dos empresários do setor… acho que isto diz tudo.

Depois pode ainda ouvir a senhora Dr.ª Susana Pombo, também ela médica veterinária e atual Diretora geral da DGAV, que num registo mais mitigado, em abono da verdade se diga, vem, no entanto, defender que não existe um veterinário a bordo das embarcações que transportam animais vivos para o Médio Oriente porque este requisito não está previsto na legislação. A pergunta que aqui lhe deixo é esta – e é preciso estar?  Vá lá… não vamos apalhaçar mais, ok?

E a tourada? Não há duvida que o touro sofre, diz o especialista, não há como negar. Pois não…  e então? Vão acabar com esta m…. ou não?

E outros temas foram focados nesta excelente reportagem que, ao contrário do alegado, respeitou o contraditório. Lá porque o Sr. Presidente da FPAS não tenha sido ouvido, não é razão para ficar tão ofendido. Se eu não sabia da sua existência, porque razão a jornalista deveria saber? E já agora, Sr. Presidente, não é  E se eles falassem – é E se nós falássemos. Até nisto não conseguiu esconder o distanciamento que nutre por estes animais – Nós, senhor Presidente, Nós todos – não eles.

Agora, vá descansar – feche o computador e vá morder qualquer coisita para acalmar a fome. Mas antes, certifique-se que a sua saciedade não implica sofrimento animal. Sim, porque afinal…. Somos todos iguais.

Voltarei, porque, afinal, “somos todos iguais”. 


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