E a Rússia dominou a Europa. O que vem a seguir?
Nos últimos dias não se fala de outra coisa a não ser a crise na Ucrânia e as consequências que
o avanço russo virá a ter no custo de vida dos Europeus. Ora, este paradigma já era expectável
desde a eleição do novo Presidente dos USA, Joe Biden.
Biden sempre se posicionou do lado do establishment Americano e de uma certa comunicação
social que sempre explorou a narrativa da Rússia como bote expiatório para acusar inimigos
políticos. Se durante o Governo Obama as relações dos USA com a Rússia afundaram a ponto
de termos assistido a tomada da Crimeia. Com o Governo Trump as questões haviam se
pacificado, retomando uma aura de diálogo verdadeiro, havendo espaço para uma visita do
Presidente Russo a Casa Branca, diversos encontros entre ambas administrações – e apesar de
existir protecionismo em ambos os lados – os acordos de normalização de relações,
desnuclearização e de não invasão da Ucrânia estiveram assegurados. Por outro lado, a
administração Biden trouxe um caos total ao mundo com imagens bélicas que vemos todos os
dias nos telejornais, como já não assistimos desde a guerra contra o terror de Bush e Obama.
Putin sentiu-se seguro para avançar por 5 motivos chave:
1 – Defesa da soberania russa.
Este ponto é o de menor relevância, é no entanto utilizado por Putin como acusação de que os
USA têm sido uma afronta a soberania do país euro-asiático.
A OTAN havia prometido a Rússia que não moveria infra-estruturas para o leste caso a Rússia
cumprisse acordos diplomáticos, porém em 2019 algo levou a que a administração Trump
abandonasse o Tratado de Mísseis Antibalísticos e a OTAN começou a criar lançadores de
mísseis de defesa na Romênia e Polônia. Isto conteve durante quatro anos, as pretensões de
Putin em jogar o seu jogo de forma mais arriscada, nomeadamente a tentativa de expansão para
além da Crimeia.
2 – Retirada dramática de tropas americanas do Afeganistão por parte dos USA.
O que está em causa não é o retirar de tropas, mas a forma como o fizeram. A administração
Biden ficou marcada pela fraqueza ao deixar que o retirar de tropas americanas do Afeganistão
se traduzisse na formação de um novo Estado Totalitário comandado pelos Taliban. Com esta
demonstração de fraqueza e desnorte da administração Biden, Putin sentiu que poderia fazer
progressos sem enfrentar grandes dificuldades.
3 – Dependência da União Europeia ao Gás Natural Russo.
Este ponto é amplamente discutido atualmente e eu já havia escrito sobre o mesmo no artigo “A
Rússia pode dominar a Europa”. A questão chave é que não sendo favorável que o Ocidente
ataque a tropas russas – pois a Ucrânia não é um membro da OTAN -, a única resposta são
sanções, e estas serão mais uma “ameaça” do que propriamente um dano.
Devido a dependência Europeia do gás russo, por conta da descarbonização da nossa economia,
as sanções, se aplicadas de forma severa, poderão ter uma resposta ainda mais danosa para a
União Europeia do que para a Rússia, podendo levar a que o bloco europeu entre em recessão
numa altura de alta inflação.
Este ponto é talvez o mais grave, pois quão maior for o sofrimento do povo europeu com a
questão energética, maior será a propensão para a cedência europeia em acordos que venham a
favorecer o posicionamento russo em questões comerciais relevantes.
4 – China está ao lado da Rússia leva a que outros países estejam mais contidos.
Com uma influência no Ocidente avassaladora através do seu soft-power a China controla hoje
empresas estratégicas em diversos países da democracia liberal e agora vê a situação como
oportunidade para voos maiores. Falaremos sobre isto a seguir…
5 – “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos”.
Este ponto está sobre parênteses pois se trata do título de um artigo escrito pelo próprio Vladimir
Putin sobre a sua visão dos laços históricos entre a Rússia e Ucrânia que merece ser lido, para
compreendermos a motivação de Putin em unificar os países. No artigo o líder russo diz inclusive
que “o pior acontecimento da história da humanidade” foi a queda da União Soviética, não a
primeira ou a segunda guerra mundial, mas a queda do império soviético, império este que Putin
sonha recuperar como missão de vida.
Mas o que vem a seguir?
Dada a inevitavelmente fraca resposta por parte do Ocidente, podemos ver outros “actores” do
espectro comunista avançarem em demonstrações de força, nomeadamente, a China nos
próximos meses poderá consolidar a desejada unificação de Taiwan.
A Coreia do Norte pode sentir-se segura para iniciar testes balísticos mais constantes no
Mar do Japão e no Pacífico. No entanto, é improvável que aconteça sem apoio de Pequim.
A diplomacia de guerra entra em ação com o reconhecimento de Lugansk e Donetsk pela
Rússia. A Ucrânia poderá vir a tornar-se uma espécie de “Afeganistão no tempo de domínio
soviético”, financiada e com apoio em equipamento bélico por parte do Ocidente, no entanto, a
combater com as suas tropas. Um cenário deplorável, uma solução péssima, mas a única
solução para manter a guerra localizada e ganhar tempo.
A recessão do mercado europeu e crash das bolsas de valores podem acontecer por conta
de um aumento brutal dos custos de produção e incertezas dos próximos anos.
A União Europeia vai sofrer o seu maior desafio desde a fundação e poderá não sobreviver
caso não existam avanços nas seguintes áreas:
– Energia nuclear;
– Apoio preventivo para refugiados do Leste Europeu;
– Maior controlo de fronteiras fora do espaço Schengen;
– Liberalização histórica da economia europeia;
– Abertura de novos acordos bilaterais com países mais próximos do “ideal Ocidental”;
– Aumento de investimento em defesa;
– Austeridade e contenção de gastos nos países com dívida pública mais elevada;
– Combate à inflação através do aumento das taxas de juros e diminuição significativa do
programa de compras de títulos por parte do BCE.
Estas medidas podem não passar devido ao populismo eleitoralista da classe política europeia,
mas serão de extrema importância para evitar a destruição do projecto Europeu. O adiamento de
medidas robustas, pode deteriorar de tal forma a vida dos europeus que a guerra passe a ser
“desejável” inclusive pela opinião pública.
Commodities, Urânio, Ouro, Prata e Bitcoin poderão ser os investimentos da década, porém
todos eles podem estar em risco devido as duas tendências seguintes:
A morte lenta da democracia liberal na Europa pode ser uma realidade com a proposta de
criação do E-Euro e eliminação progressiva do Euro físico em nome da “segurança” e combate
ao “financiamento do terrorismo”.
Propostas para aumento do tempo de legislatura e revisões constitucionais podem passar a
acontecer em diversos países europeus como “solução de estabilidade” para a década,
aumentando a tendência controladora dos Estados. Será necessário uma massa crítica
inexistente atualmente para que os povos europeus não se deixem padecer por esta erosão
democrática.
O dollar em risco de perder o status atual devido a forte desvalorização e avanço de influência
dos BRICS na formação de uma Nova Ordem Mundial.
Esta é a minha reflexão sobre como poderemos travar uma dominação e sabotagem das
democracias da União Europeia. Atualmente nos encontramos no caminho de nos tornarmos um
apêndice da Ásia, será que teremos a força necessária para dar a volta aos desafios desta
década?
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