Opinião

Do luto pela perda de animais de estimação…e da desumanização da era COVID!

Uma crónica de Isabel de Almeida

Nascida e criada num ambiente familiar onde sempre existiram animais de estimação foi-me fácil gostar de animais, estar habituada a conviver com os mesmos e a partilhar a sua companhia, quer em Lisboa (onde os meus avós maternos eram apaixonados por cães) quer na margem Sul (onde os meus avós paternos tinham coelhos). Assim que me mudei para a margem Sul, foi fácil convencer os meus pais a deixar-me adoptar um cãozinho que começou para aparecer na Escola que eu frequentava e que seguiu os alunos até ao local onde morávamos, e foi o Pompom o primeiro de muitos bichos que fui adoptando, nenhum deles comprado e sempre oferecidos por terceiras pessoas ou  recolhidos da rua.

 Uma das minhas melhores amigas, apaixonada por animais, apresentou-me há uns anos o maravilhoso e especial mundo dos gatos, e assim me tornei uma fã incondicional destes animais especiais pela beleza, independência, inteligência e nobreza. E quis o destino que eu e a minha amiga Sandra nos cruzássemos na rua perto do escritório com uma gatinha “tartaruga” ferida e doente, que foi recolhida inicialmente por um comerciante local, e não resistimos a acolher e salvar o animal, que eu adoptei. E a Kitty tornou-se a companheira ideal de lazer, menina de casa, acompanhou as minhas horas de leitura, aquecia as noites de inverno, posava para sessões fotográficas e era a minha sombra, até que passados dez anos tive que tomar uma das mais dolorosas decisões da minha vida…adormece-la porque uma doença grave levou-lhe a qualidade de vida! Entretanto, outra gatinha – Lady – havia entrado nas nossas vidas, mas quinze dias após a Kitty partir, o destino voltou a pregar-me outra partida, a Lady desapareceu sem deixar rasto uma tarde que foi no seu habitual passeio até ao quintal, de onde nunca saia (passam agora um ano e alguns meses, e nada disto está verdadeiramente resolvido para mim).

Uns anos antes de entrar no mundo dos gatos, perdera também o meu cão preferido – Black.

Fiquem os leitores chocados ou não, e isso dependerá da relação que cada um de vós tenha com os animais, a perda destes animais (e de tantos outros, meus ou de familiares com que eu convivia) foi para mim penosa, aliás, ainda é e sempre será penoso recordar estes trajectos, e esta dor sempre foi equivalente à perda de um familiar próximo ou de um amigo.

Ou seja, antes de avançar nesta crónica que é hoje escrita num raro registo intimista, devo referir que o luto face à perda de um animal de estimação existe, é real, é doloroso, marca-nos, vai sendo resolvido com o decurso do tempo e a respectiva elaboração psicológica que passa por várias fases cientificamente estudadas e que podem variar em quantidade consoante a opção teórica de cada autor que se dedica ao estudo deste tema (mas que poderei resumir a três para simplificar: 1) Negação; 2) Revolta; 3) Aceitação).

E ao contrário da ideia de senso comum, o processo de luto não é exclusivo das situações em que ocorre a morte de alguém que nos é próximo ou de um animal. O luto surge, em termos psicológicos, perante qualquer alteração significativa nas nossas vidas, perante vários tipos de perda que possamos sofrer. Exemplificando: perder um emprego de que se gosta, trocar de casa ou de escola, um divórcio, a entrada na reforma geram processos de luto que, podendo ser inconscientes existem e são experienciados pela nossa mente de forma mais ou menos adaptativa. Quando surge uma cristalização numa determinada fase pode surgir um luto patológico que requer acompanhamento psicoterapêutico e médico.

Aliás arrisco mesmo a dizer que, neste exacto momento, a humanidade encontra-se a vivenciar um processo de luto perante a perda do quotidiano tal como o experienciava, com a entrada neste assustador “novo normal” que de normal nada tem e que nos é tão doloroso em tantos cambiantes.

Em suma, é ponto assente que, no exemplo concreto que constitui o tema central deste texto, quem gosta de animais, quem investe em tê-los na sua vida e na sua família atravessa um processo de luto quando estes partem.

O processo de luto (inerente a qualquer perda genericamente considerada) depende da proximidade, do tipo de relação e da intensidade maior ou menor da ligação emocional ao objecto perdido, sendo pois casuisticamente avaliado e podendo beneficiar de terapia adequada e especializada.

No decurso da minha formação em Psicologia encontrei nesta área temática o foco do meu interesse académico e tive o privilégio de acompanhar como terapeuta (no âmbito do estágio curricular do Mestrado em Psicologia Clínica) pacientes hospitalares que eram seguidos em terapia de luto. Foi uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida, naturalmente nem sempre fácil, mas com a gratidão de saber que pude contribuir, ainda que modestamente, para ajudar verdadeiramente as pessoas a superar fases muito complicadas do seu curso de vida. Convivi de perto com a dor da perda, com o medo da morte, com a certeza de mortes anunciadas, com o medo da incerteza de um futuro na sequência de intervenções cirúrgicas drásticas implicando perdas de órgãos, uso de próteses por exemplo.

Talvez fruto desta experiência pessoal, este assunto seja para mim extremamente sensível emocionalmente e evoca memórias…talvez por isto me tenha cabido em sorte terminar a semana na sexta feira em total choque quando a propósito de um post meu genérico e a convidar à reflexão “extra-política” no “Facebook”, tenha sido insultada, e tenha assistido pela rede social fora a um chorrilho de comentários maldosos, jocosos e insensíveis sobre um tema tão complexo e tão real quanto o luto gerado pela perda de animais de estimação.  Volto a frisar que nem toda a gente é obrigada a gostar de animais, mas é, ou devia ser inerente a todos os seres humanos funcionais e que se tenham na conta de pessoas mentalmente sãs e equilibradas respeitar a dor alheia, empatizar com o sofrimento de terceiros.

Quando recordo o que li e quando as lágrimas voltam a inundar-me os olhos, é inevitável sentir-me em processo de luto por uma sociedade que, a atravessar o mais cruel desafio desta geração, se degrada e se desumaniza cada vez mais, que expressa a sua crueldade e falta de empatia com a mesma facilidade e displicência com que se toma um café, sem pudor, sem recriminação, sem remorso…questiono-me de novo sobre que vírus será mais perigoso: o corona ou o vírus da crueldade que agora constantemente vem à tona em debate sobre os mais diversos temas.

Que mundo é este onde estamos a tentar sobreviver? E como não poderei eu preferir a companhia dos animais à de muitos seres que se dizem e acham humanos mas estão iludidos consigo mesmos?


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