Opinião

Criminalização dos maus-tratos aos animais, uma Lei bem pensada, mas mal executada

O assunto está na ordem do dia.

O legislador, criou a lei, imbuído de boa vontade e adptando as novas preocupações, na defesa dos animais.

Os tribunais começaram a aplicar a lei e, logo nessa altura, escrevi um artigo sobre a nova legislação, onde me mostrava céptico em relação a alguns aspectos da mesma, que, infelizmente, os tribunais superiores vieram demonstrar.

Afinal de contas do que estamos a falar?

Vejamos, o problema prende-se com a constitucionalidade do tipo de crime de maus-tratos a animais, a qual resultaria da circunstância de “não ser possível identificar na norma incriminadora dos maus tratos a animais, um bem jurídico”.

E assentando “a punição do maltrato aos animais em valorações de clara inconstitucionalidade por violação dos artigos 18º, 27º e 62º da CRP”, ao se condenar os arguidos, nos termos dos artigos 387º e 388º-A, do Código Penal, os Tribunais de primeira instância estariam a violar deliberadamente e de forma grosseira o quadro jurídico Constitucional vigente.

Como? Na alegada inconstitucionalidade) de uma ausência de bem jurídico.

Expliquemo-nos: “Nos termos do disposto no art.º 40.º n.º 1 do Código Penal “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Por seu lado, o art.º 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

De acordo com estas normas, a tutela de bens jurídicos pelo direito penal tem de assentar na ordem constitucional dos direitos e deveres ali consagrados. Sucede que, no caso do crime de maus tratos a animais de companhia, o bem jurídico protegido não é evidente.

É assim que o Tribunal Constitucional tem seguido esta orientação, salientando que “Alguma doutrina assinala que a proteção dos animais pode ser encontrada a partir do direito fundamental ao ambiente ou dos deveres objetivos de proteção ambiental plasmados no artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa. Outros enquadram a proteção nos chamados bens jurídicos meio ou bens jurídicos instrumentais”.

A problemática da constitucionalidade da criminalização de condutas foi apreciada no final do ano passado, pelo Plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 72/2021, que referiu que, apesar de se ter pronunciado no sentido da não inconstitucionalidade da norma ali em causa, não infirmou a premissa fundamental de que, em face do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, a criminalização de condutas pressupõe a proteção de bens jurídicos com dignidade constitucional.

Assim, esse tribunal, concluiu pela inexistência de fundamento constitucional para a criminalização dos maus tratos a animais de companhia, previstos e punidos no artigo 387.º do Código Penal. Não, por incontornáveis razões estruturais, à criminalização de uma conduta como essa, mas simplesmente uma visão segundo a qual essa criminalização não encontra suporte bastante na vigente redação da Constituição da República Portuguesa, que é aquela que se impõe ao Tribunal Constitucional.

Ora, recentemente O Tribunal da Relação de Guimarães declarou igualmente como materialmente inconstitucional o artigo do Código Penal que enquadra o crime de maus-tratos a animais de companhia, devido ao seu elevado “nível de indeterminação” sobre a matéria proibida.

Para que o espírito da lei, encontro o devido respaldo nas intenções do legislador, que por sua vez, reflectem uma preocupação social, próprios dos nossos dias, impõe-se que o legislador altere, o quanto antes a lei, de forma a suprir a lacuna existente, sob pena de tornar inócua uma lei que continua a desproteger os nossos animais.

Paulo Edson Cunha, advogado


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