JustiçaPaís

Crianças têm de ter acesso ao Estatuto de Vítima

Esta semana um artigo de opinião por Rita Cássia, Arte educadora, Antropóloga. 

“- Mãe, eu não acredito mais no Juiz, ele é mau”. Diz uma criança à sua mãe.

Trata-se da voz de uma criança. Tentou suicidar-se com nove anos de idade. Tem medo de dormir no seu próprio quarto, em casa do pai, porque o pai não dorme sozinho: gosta de dormir agarrado ao corpo do filho…

Trata-se de uma criança que tem acesso a pornografia. A Mãe, trata-se de uma cidadã brasileira, imigrante, com formação superior em Direito, vítima de violências domésticas.

Após terem denunciado tais violências às autoridades portuguesas competentes, Mãe e filho foram brutalmente separados.

Consideraram que a mãe é uma mulher depressiva, perigosa para o filho, alienadora. Deram ordem ao SEF para impedir que mãe e filho tentassem regressar para o Brasil. A mãe só vê a criança durante três horas aos sábados. Visionada por técnicos (as) sociais que além de escrever relatórios descontextualizados da realidade em que mãe e filho de facto vivenciam, nunca cumprem com o horário suposto para as visitas supervisionadas.

Pois bem, mãe e filho, assim estiveram a viver durante quatro longos meses. Um dado muito importante a reter: a mãe é brasileira e é pobre. O pai é português e é rico.

Durante tais meses, a mãe chorava desalmadamente e deambulava para o trabalho após noites mal dormidas. Foi ameaçada de morte, mas quem quereria saber? No trabalho sofria de assédio, mas não podia denunciar para não ficar desempregada e ficar sem a possibilidade de conviver com o seu filho durante a parte mais importante na vida de um ser humano: a infância. E claro, para manter a sanidade mental diante de tantas violências institucionais contra si e contra a sua família em Portugal, o seu filho, tinha que tomar calmantes. Pedia socorro às associações civis de apoio à vítima. Ao Consulado Geral do Brasil. O filho tinha crises aos sábados quando via a mãe. Ora se revoltava sem saber o porque da mãe não poder levar ele para casa, ora descrevia à sua mãe os seus brinquedos e bens materiais novos que a mãe não lhe poderia dar. Ora desabava em choro profundo sem querer dos braços da mãe ser separado. A mãe desesperada continuava com os seus pedidos de socorro, escrevendo para todas as entidades portuguesas e brasileiras, sem que tenha recebido o apoio necessário para si e para o seu filho.

De nada adiantaram os registos de violências nos desenhos da criança e os relatos da criança. De nada adiantaram os relatórios psicológicos. De nada adiantaram os pedidos de socorro da mãe. Afinal a mãe vítima, trata-se de uma mulher brasileira, imigrante. De nada adiantara a sua formação superior em Direito, no Brasil.

No momento actual, a criança continua a conviver com o seu progenitor e com a sua mãe em regime de guarda partilhada.

Como vislumbrar igualdade entre os géneros com a existência de contextos macabros como este, onde muitos profissionais responsáveis preferem negar? Violências contra a criança? Não. Não existem. Racismo? Não, não existe. Xenofobia? Não, não existe. Machismo? Não, não existe. Misoginia? Não, não existe. Violência contra a mulher? Se está viva é porque não existe.

Em se tratando de um contexto real, seria importante que o Estado português assumisse a responsabilidade em verificar e dignificar as vidas destes dois seres humanos que estão a residir e a sucumbir neste país.

Mãe e filho poderiam ter sido protegidos pela justiça portuguesa, se a criança tivesse tido o acesso ao estatuto de vítima quando a sua mãe pediu socorro à polícia pela primeira vez. Ainda estão em tempo de corrigir a perversão do regime de guarda partilhada em que a criança se encontra refém.

Crianças têm de ter acesso ao Estatuto de vítima, sim. As gerações de crianças de agora necessitam que colaboremos verdadeiramente para que possam crescer holisticamente saudáveis neste território. Já temos séculos a mais de barbaridades atrás das nossas costas. Ou não?

Para já, o BE e o PSD já demonstraram sensatez em concordar que as crianças têm de ter acesso ao Estatuto de vítima quando estiverem inseridas em contextos de violências domésticas. Devem ter a noção de que a violência doméstica é estrutural em Portugal.

Ou não teríamos 23.600 registos de crimes por violência doméstica em 2018, segundo os dados estatísticos do INE. Fora os casos de violências que não entram para as estatísticas, bem como, os suicídios que mulheres cometem a fim de se libertarem de seus algozes. Ou as tentativas de suicídios cometidas por crianças… Centenas de milhares de vítimas são crianças. Absorvem diariamente a toxidade das agressões desferidas maioritariamente contra as suas mães. Passando a ficar agressivas, ou com falta de apetite, ou com problemas respiratórios, ou com deficit de atenção, ou com problemas de insónia, ou com depressões, aprendem a reproduzir as violências vivenciadas dentro de suas casas.

Adultos responsáveis não podem continuar a negar a existência do óbvio. Desde que este óbvio, não venha a dar azos a mais violências, como por exemplo: retiradas coercitivas de crianças com estatutos de vítimas, de suas famílias! As crianças devem ser protegidas junto às suas principais referências afectivas.


ÚLTIMA HORA! O seu Diário do Distrito acabou de chegar com um canal no whatsapp
Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *