Opinião

Autárquicas – crónica de uma democracia em apuros!

Uma crónica de Isabel de Almeida.

Uma semana após o decurso do processo eleitoral autárquico em Portugal é tempo, creio eu, de fazermos um exame de consciência, uns enquanto eleitores, outros na qualidade de membros de listas eleitorais eleitos ou não eleitos neste recente exercício democrático.

Numa análise que não tem pretensões de verdade absoluta, mas que corresponde tão só e apenas à minha visão pessoal atento tudo o que me foi dado observar no decurso da campanha e pré-campanha eleitoral de um ano marcado pela pandemia, começo por confessar que eu própria já tive mais apetência e paciência para a política outrora do que tenho actualmente, mas residindo (à força e contrariada pelas circunstâncias pessoais e familiares é certo) na província e na margem sul (Concelho de Alcochete, Distrito de Setúbal) confinando com o vizinho Montijo e a dois passos de Lisboa para quem tenha meio de locomoção próprio e coragem para enfrentar o trânsito caótico da capital e a gestão do estacionamento numa cidade a rebentar pelas costuras como Lisboa, a verdade é que quis o acaso que vários amigos e até familiares próximos integrassem ou apoiassem abertamente listas de vários quadrantes políticos concorrendo a estas eleições que findaram na passada semana, não isentas de polémica e de algumas surpresas.

Ora, esta proximidade com candidatos de várias listas, bem como os resultados alcançados e o acesso a informação diversa à escala local, regional e também nacional, suscita-me uma reflexão pessoal, desde logo, sobre o que está igual e o que muda na política nacional ao nível autárquico.

Se é certo que, desde há longos anos, temos a ideia pré-concebida, o estereótipo de que “nas autárquicas votamos mais nas pessoas, do que nos partidos”, creio que hoje em dia nem sempre esta conclusão ou suposição coincidirá de forma tão exacta com a realidade como poderia ter sucedido em momentos históricos anteriores.

De facto, se é certo que ainda que inconscientemente o eleitor procura conhecer os candidatos que se lhe apresentam com ideias, projectos e boa vontade ( ou outras tantas vezes, em abono da verdade se diga, cheios de belas palavras e uma das mãos “cheia de nada” e outra de “coisa nenhuma”, que também os há) outras variáveis acabam por definir o processo decisório, e aqui temos também perfis de eleitores para todos os gostos, vejamos a título de exemplo: temos aqueles eleitores que estão tão desiludidos com a política e com os políticos que aderem à partida a uma postura de abstenção; outros eleitores, fortemente partidarizados, correm a votar no candidato do seu partido, mesmo sem darem muita importância à pessoa, ao projecto ou aos resultados melhores ou piores que este possa simbolizar com anteriores mandatos; os jovens oscilam entre duas atitudes, ou estão muito entusiasmados quando é a primeira vez que podem exercer o seu direito de voto e assim assumem mais um ritual inerente ao processo de socialização e de crescimento com assumida entrada na idade adulta pois: “já votam”, ou então são totalmente alheios à política e colocam-se à margem de todo o processo, engrossando a abstenção; depois temos os eleitores perfeitos, quais são? Todos os que integram listas ou apoiam frontalmente candidaturas e que se mobilizam a si e a toda a família e ao maior número de amigos e familiares para irem votar.

Quanto à tendência no que tange ao sentido de voto, há também toda uma panóplia de opções: os que não se identificam com nenhum projecto mas entendem ser um dever cívico votar integram os números de votos brancos ou votos nulos; outros votam firmemente nas listas com que politicamente se sentem mais identificados; outros votam em listas que permitam contrariar a tendência geral com a qual não concordam, outros votam até de forma diferente para cada uma das posições eleitorais (município, assembleia municipal e assembleia de freguesia). Uma nota de alerta a toda a sociedade, a abstenção teve excelentes resultados nas urnas!

O que mudou, e para muito pior do que antes? A meu ver o conceito de democracia como sempre o conhecemos, e a sua interpretação e aplicação práticas. Se desde que existem as redes sociais sempre se assistiram a excessos a coberto de um anonimato (que pode vir a ser aparente em casos mais graves, e assim se espera que a verdade venha a ser conhecida), excessos estes de linguagem, ataques pessoais, homicídios de carácter na forma tentada ou mais ou menos bem sucedida, este ano um novo fenómeno causou-me espanto e choque, as hostilidades saíram das redes para a vida real e tivemos desde cartazes vandalizados a situações inqualificáveis e que bem mereceriam as devidas atenções do sistema judicial, ameaças e tentativas de intimidação ou mesmo de agressão a membros de listas eleitorais.

Só para citar alguns exemplos de violência: em Lisboa, na freguesia de Santa Clara elementos do RIR sofreram uma tentativa de atropelamento; em Palmela elementos de uma lista do CDS sofreram também uma tentativa de coação a serem alvo de vários disparos com uma arma de fogo, fazendo os candidatos temer mesmo pela própria vida; existem também relatos, no Distrito de Setúbal de ameaças com  uma faca de cozinha. É grave, é muito grave e é sintomático de uma hostilidade e violência crescentes na nossa sociedade, de um total despudor e desrespeito pelo próximo tendo por motivo fútil a mera divergência de opiniões que, em bom rigor, constitui o cerne do que  se entende por democracia, pois a diversidade de opiniões racionais e legais e a alternância no exercício do poder é o que de forma mais característica pauta este conceito.

Acreditando que foram apresentadas denúncias junto das autoridades, muito desejaria que, para memória e exemplo futuros, fossem identificados e punidos os autores destes actos condenáveis e anti-democráticos.

Voltando às redes sociais, surgem novas tendências que constituem também exemplo de crimes informáticos ou até mesmo, quiçá de perturbação das eleições, pois os perfis falsos surgiram multiplicados quais cogumelos, e deram mesmo origem a um “caso de polícia” com “roubos de identidade” e uma forte polémica no Concelho de Alcochete entre listas do PS e do Chega, pois foram tecidas afirmações insultuosas  e vexatórias dando a ideia errada quanto à sua autoria, mas com o firme propósito de gerar polémica e atrito. Em concreto, este assunto está confiado às autoridades para investigação e eventual apuramento da autoria e suas intenções e , a bem da democracia e da paz social local, aguardarei os ulteriores desenvolvimentos e muito gostaria que a democracia fosse vencedora com os autores severamente punidos por tais dislates, até para pedagogicamente se aprender que o anonimato de uma rede social pode ser aparente consoante os meios técnicos e procedimentos utilizados na criação e gestão de perfis falsos para fins ilícitos.

O mundo, também o digital, é mais pequeno do que possa parecer à partida!

A todos os eleitos os meus parabéns a nível nacional e votos de um excelente mandato. Aos vencidos toda a dignidade na aceitação dos resultados, pois é também isso a democracia.

Termino com uma nota positiva a todas as listas que, em obediência a uma evidente consciência ecológica, estão a remover toda a propaganda colocada no espaço público.


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