Opinião

Até sempre Camarada Marcelino

Caríssimos(as) leitores(as) hoje trago-vos a minha humilde tentativa de homenagem ao Ten. Cor. Marcelino da Mata. Com um pequeno relato da suas exéquias.

Na passada segunda-feira Portugal sepultou o seu militar mais condecorado. Um homem que ascendeu na hierarquia militar no exército praticamente a dar o corpo às balas. E que esteve sempre disponível a servir durante os 13 anos seguidos da guerra colonial. Acabou por falecer vítima de COVID-19 com 80 anos de idade.

Na segunda-feira coloquei-me a caminho do cemitério de Queluz-Belas. Qual não foi a minha surpresa que quando estou a chegar ao acesso ao cemitério deparo-me com uma barreira policial bastante bem composta. E apesar de estar documentado para estar no local ainda tive que proceder a uma negociação para poder avançar para a entrada do cemitério.

Após ter estacionado a viatura. Subi o resto do caminho a pé. O largo estava bem composto. E fui recebido e cumprimentado pelos presentes. A grande maioria deles, filhos do regimento de comandos da Amadora e ex-combatentes da guerra colonial do teatro de operações na Guiné-Bissau.

Apesar de não ser comando e não ser ex-combatente. O tratamento que me dispensaram é o de um irmão de armas. Para além de mim estavam presentes também elementos da Armada com particular representação do corpo de fuzileiros. Mas também membros dos Rangers de Lamego e de outras unidades do exército.

Facilmente identificados pelas boinas.

Entretanto enquanto aguardávamos a chegada do corpo do “camarada Marcelino”, pois era assim que gostava de ser tratado. As conversas iam-se desenrolando. Em torno das cartas que tinham sido enviadas para o site da presidência da república.

E alguém perguntou-me se eu era o autor da carta aberta publicada neste jornal. E a conversa seguiu por aí. Muitos de nós já nos tínhamos resignado à ideia de que seria uma despedida apenas feita pela família militar.

Nisto de repente sou surpreendido com a chegada da coluna de veículos oficiais de onde vinham o CEME (chefe de estado maior do exército) e o CEMGFA. E também o Mercedes Benz da presidência da república com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Que ao sair da viatura foi cumprimentado pelos chefes militares e por dois representantes dos comandos ex-combatentes.

Eu que já tinha dado a precedência dos lugares da frente aos comandos. Pude observar discretamente a recepção gélida com que muitos presentes brindaram a chegada do presidente dos afectos.

Havia no ar um certo incómodo por um lado e por outro uma leve sensação de vitória. Valeu a pena ter inundado a caixa de mensagens da presidência. Foi um esforço conjunto talvez não concertado de muitos militares.

Valeu a pena a minha carta aberta. E aproveito para cumprimentar o jornalista Camilo Lourenço pela chamada de atenção que fez no seu programa matinal A COR DODINHEIRO. Porque até a sexta-feira à tarde não havia sequer uma linha no site da presidência sobre o falecimento do militar mais condecorado do nosso país.

E assim ficou distribuído o auditório a família e amigos pessoais para um lado ex-combatentes de outro e o presidente e chefias militares por outro. Parecia haver um muro de vidro gelado entre o presidente e todos os restantes.

Quando chegou finalmente o carro funerário procedeu-se aos elogios fúnebres feitos pelo capelão das FA. E depois o elogio dos dois camaradas comandos com mais idade que privaram com Marcelino da Mata. Isto não sem antes com aprumo e brio militar terem pedido a respectiva autorização para tal ao presidente da república.

Como estamos em estado de emergência e confinamento a presença de um pelotão para a salva de tiros não esteve contemplada. Nem o presidente fez uso da palavra tendo todo o tempo mantido o silêncio.

O carro funerário entrou dentro do cemitério seguido da família; presidente da república; CEMGFA; CEME e dos militares do exército que transportaram a bandeira nacional e a condecoração de grau de cavaleiro da Ordem de Torre e Espada e as 4 cruzes de guerra com que o Ten. Cor. Marcelino da Mata foi agraciado. E foram 4 nos três graus (1 de 3º grau; 2 de 2ª grau e uma de 1ª grau).

Nós os restantes cumprindo as regras do estado de emergência ficamos no exterior do cemitério.

No final o presidente da república esteve presente cumprindo com as funções inerentes do seu cargo. Tendo desta forma dado a esta despedida a dignidade merecida. O presidente da república é também por inerência o comandante supremo das forças armadas. Portanto cumprindo com dignidade as suas obrigações.

O Ten. Cor. Marcelino da Mata foi um militar português. Nascido na Guiné-Bissau foi um homem ao serviço deste país sobreviveu a mais de 2000 missões muitas delas brutais. Destacando-se “Tridente” “Mar Verde” e “Ametista Real” . Sendo que na operação “Mar Verde” serviu para libertar prisioneiros de guerra.

Marcelino da Mata deixou um legado de camaradagem militar onde a cor da pele não contava para nada. Onde as pessoas das colónias tinham um sentido de pertença à mesma nação. Isto em especialmente nota-se entre os militares. Como prova esta fotografia que junto a este artigo. Lá estou eu no meio destes membros dos comandos sendo que figuram nela militares portugueses do Minho a Macau. Sendo eu o “Benjamim” do grupo com apenas 46 anos.

Não queria deixar de lembrar também o facto desta quinta-feira a assembleia da república ter aprovado o voto de pesar pela morte do Ten. Cor. Marcelino da Mata.

Algo completamente merecido.

Eu não poderia ficar de bem com a minha consciência se não deixa-se este meu testemunho. Um testemunho ao homem que apesar de não ter tido a honra de o ter conhecido pessoalmente. Foi um exemplo de integração tanto durante o estado novo como em democracia. Tendo até infelizmente sido vítima de tortura no COPCON às mãos dos militantes do MRPP ao qual pertenceram algumas figuras que hoje em outros partidos políticos (PS e PSD) como campeões da democracia e dos direitos humanos.

O Ten. Cor. Marcelino da Mata caiu na última batalha desta vez contra um inimigo invisível o COVID-19. Espero que a sua alma e espírito encontrem a paz que todos os falecidos merecem. Os grandes homens não foram feitos para ser consensuais. E isto é uma regra à qual nunca até hoje conheci a excepção.

ATÉ SEMPRE TENENTE CORONEL MARCELINO DA MATA.      


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