Opinião

Amor em Tempos de Cólera

Gabriel García Márquez, Nobel da Literatura que tão bem cunhou o título supramencionado, veria com certeza com algum deleite mordaz a tentativa de metamorfose do seu título numa campanha de propaganda a decorrer atualmente com o mote “Amor em tempos de Covid”, protagonizada pela China e pela Rússia:

“Voo especial proveniente da China traz 4 toneladas de ajuda a Portugal”, “Rússia envia carregamento com ajuda humanitária”, “Itália recebe apoio da China para combater o coronavírus”, e muitos mais… Amor em Tempos de Covid!

O que é que na mente do português (convencido que vive na sociedade do pensamento crítico e livre arbítrio, mas cujos hábitos de leitura de menos de 2 livros por pessoa por ano, tão convenientemente mantêm agrilhoados aos raciocínios das massas acéfalas, sem sequer se aperceber disso), imediatamente, surge?

“A China e a Rússia tomam o papel que a Sociedade Ocidental, presa pela democracia ou pela burocracia, pelo politicamente correto ou pela falta de solidariedade, simplesmente não consegue encarnar – o de salvar o Mundo!”

Pois bem… deixem-me que vos desiluda e que vos dê algumas explanações que consubstanciam a famosa afirmação de Winston Churchill de que “a democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”!

Começo apontando um facto: poucas preocupações têm o Governo Chinês ou o Governo Russo pelo cumprimento dos Direitos Humanos, relativamente à sua população. Se o povo tem de morrer para o engrandecimento da Pátria-mãe, pois este é um sacrifício com total legitimidade na mente dos ideólogos destes regimes, bem como dos seus executores.

Uma manobra de propaganda, à escala mundial, à custa de uns quantos milhares (dezenas, centenas de milhares?) de cidadãos da Federação Russa ou da República do Povo da China? Não haja um segundo de dúvida em como vai ser efetivada.

Infelizmente, experiências passadas em ambos os países que, note-se, nunca foram uma democracia, nem nos 5000 (!) anos de história da China nem na atual farsa Russa, provam que o povo é dispensável para quem não tenha um quadro de Direito que promova a Liberdade, Justiça e o Bem. Oxalá não fossem os factos tão evidentes, para quem os quer ver.

Provada a possibilidade e a disponibilidade de utilização por estes países de manobras propagandísticas em detrimento direto do seu povo, falemos realmente da ajuda que está a ser prestada. A publicidade e a propaganda resumem-se a isto, uma questão de perspetiva e, conquanto os acontecimentos que ocorrem com frequência raramente são noticiados, os que têm um carácter excecional são amplamente difundidos.

Ora vejamos, não se noticia que “hoje a temperatura média da Terra aumentou 0,01 milionésimos de grau centígrado”, mas já se noticia que “houve um tsunami na Ásia Meridional”.

É a natureza das coisas – as pessoas não precisam de ser informadas do que acontece diária ou correntemente porque já se pressupõe esse conhecimento, exatamente pela sua frequência! Problema? Tal como na questão das alterações climáticas a consciência global da sua gravidade e realidade é abundantemente debatível, na questão da ajuda humanitária e solidariedade internacional a opinião pública continua largamente ignorante relativamente aos seus protagonistas.

Quem são os maiores doadores para Ajuda ao Desenvolvimento Internacional? Estados Unidos da América, Alemanha, Reino Unido, Japão e França. Per capita, países tão gratuitamente insultados como a Holanda doam US$338,38/ano. Luxemburgo, Dinamarca, Suécia ou a Noruega estão também entre os mais elevados neste rácio.

Quem são os maiores doadores para a Organização Mundial de Saúde (OMS)? Estados Unidos da América, Coreia do Sul, Austrália, Japão, Comissão Europeia e Nova Zelândia.
Muitos apontaram no início desta crise que doenças como a poliomielite, VIH/SIDA, malária, entre outras, matavam muito mais seres humanos que um mero “coronavírus gripal” (sic). Pois bem, quem, ainda assim, impede que este número seja astronomicamente maior é exatamente a OMS e as Nações Unidas (UN), cujos maiores doadores também já adivinharam quem são… não já?

Adicionalmente, há que refletir que a Ajuda ao Desenvolvimento prestada por estes Organismos Internacionais é, o mais possível, desinteressada, enquanto os acordos bilaterais de ajuda internacional assinados pela China ou Rússia, sabemos que têm um custo de subserviência bastante elevado. Os interesses nacionais de Estados autoritários e, no caso da China, totalitários estão sempre acima dos de quaisquer parceiros ou desenvolvimento cooperante e mútuo.

Conclusão: Porque é que estas ajudas estão a ser tão largamente publicitadas e noticiadas? Exatamente porque se tratam de uma manobra de propaganda e porque são absolutamente inéditas, excecionais!

Tal como não ajudam o Bem Comum em tempos normais, ao contrário do que esta manobra de propaganda leva os mais incautos a concluir, também em muito os regimes autoritários contribuem para o surgimento destas crises.

Imaginamos a contenção que podia ter sido feita se a China tivesse declarado toda a verdade, inicialmente? Em vez de uma restrição às deslocações aéreas mundial, teria sido implementada um impedimento aos voos provenientes da China ou, pelo menos, um controlo sanitário.

Porém, a resposta chinesa foi silenciar, através de vários métodos, imagino, mas que têm incluído o desaparecimento ou mera detenção, aqueles desviantes do discurso propalado pelo Partido Comunista Chinês.

A nível nacional, se houvesse as preocupações que existem no mundo Ocidental com o bem-estar animal, teria esta doença, como tantas outras, surgido? Os mercados “húmidos” chineses dão a resposta a esta pergunta.

De resto, ainda alguém acredita, com as medidas que têm sido tomadas por todo o mundo e com a disseminação da doença a prosseguir à mesma, que não existam casos nas restantes cidades chinesas? Há casos registados desde Dezembro de 2019 em Wuhan, mas as medidas tomadas em fim de Janeiro naquela cidade foram suficientes para impedir o contágio de cidades como Shangai ou Pequim? A China controlou a epidemia? Como?

A única disseminação que a China controlou foi a de informação e esta é outra das liberdades basilares dos nossos Estados de Direito!

Amor em tempos de Covid, provenientes da China ou da Rússia?

Não se deixem enganar, pois este vem com algo bem pior do que Covid… ou Cólera!




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