À Boa MesaAtualidadeDestaqueSociedade

Abóboras, santoros e pão-por-Deus na tradição do Dia de Todos os Santos

O primeiro dia de Novembro assinala no calendário cristão o Dia de Todos os Santos, distinto do Dia de Fiéis Defuntos, celebrado a 2 de Novembro.

A Igreja Católica celebra a Festum Omnium Sanctorum (Festa de Todos os Santos) a 1 na qual são celebrados todos os santos e mártires, conhecidos ou não, uma tradição apostólica.

No fim do Sec. II, os professos cristãos começaram a honrar todos os que haviam sido martirizados por causa da sua fé. Esta passou a uma comemoração regular a 13 de maio de 609 ou 610, quando o Papa Bonifácio IV dedicou o Panteão (o templo romano em honra a todos os deuses) a Maria e a todos os mártires, substituindo assim, de forma definitiva, os deuses romanos pelos santos da religião cristã.

A data foi mudada para novembro quando o Papa Gregório III (731-741) dedicou uma capela em Roma a Todos os Santos e ordenou que eles fossem homenageados no primeiro dia de Novembro.

A causa para a mudança poderá estar no facto de que a 1 de Novembro, os povos celtas celebravam o ‘Samhain’ e a Igreja Britânica tentou acabar com os costumes pagãos, assinalando na mesma data uma comemoração cristã.

Em Portugal, como não podia deixar de ser, também esta celebração está ligada à comida, e em tempo de castanhas, estas têm de fazer parte do menu.

Foi nesta data que surgiram os ‘magustos’, transferidos depois para o dia de S. Martinho, também assinalado em Novembro.

Em tempos passados, os moradores das aldeias, de norte a sul do país, reuniam-se no campo, em redor de uma fogueira de silvas, onde assavam as castanhas e em redor da qual eram feitas várias brincadeiras, como se enfarruscarem com os tições.

A alegria da festa era interrompida ao final da tarde pelo toque a finados dos sinos, toque que durava toda a noite até ao dia dos Fiéis Defuntos.

Ainda hoje em algumas zonas de Bragança, os aldeãos reúnem-se a uma mesa comunitária, em redor de uma fogueira (que adquire o nome de «canhoto») para uma refeição à base de cabra.

Entre o Douro e Tâmega, na zona de Vila Real, é costume neste dia comer-se um caldo de castanhas. No Alentejo e na Beira Baixa era habitual a preparação de uma papa à base de milho, «papas de carolo», com açúcar ou mel.

Outro ingrediente para umas papas dos Santos, estas sobretudo na zona de Aveiro, é a abóbora-menina, misturada com açúcar ou mel e colorida com canela em pó.

E nem os defuntos eram esquecidos na hora do repasto. Em muitas zonas existia o costume de deixar durante a noite de 1 para 2 de Novembro, à porta de casa, uma mesa com castanhas para poderem ser apreciadas pelas almas que nessa data vagueiam pelo mundo. Essas castanhas ou outros produtos alimentares, não eram depois aproveitados por se acreditar que as mesmas estavam «babadas» pelos mortos.

Em Trás-os-Montes, na zona de Quintanilha, era costume os rapazes irem ao campo buscar lenha, no dia 1 de Novembro, num carro puxado pelos próprios, e as raparigas faziam um peditório pela aldeia, por vinho e castanhas. Estas eram depois cozidas em caldeiras de cobre e recebem o nome de «castanhas mamotas». A fogueira era acesa à noite, em redor da qual se folgava e comia, até alguém fazer tocar os sinos e terminar a festa.

Almas do Purgatório

Ó Deus de bondade, de Misericórdia Tende piedade das benditas almas dos fiéis, que estão sofrendo e que padecem no purgatório, aliviai as suas penas, dai-lhe Senhor o descanso Eterno, e Fazei nascer para elas a luz perpétua.

Oração pelas almas do Purgatório

Em certas regiões de Bragança faz-se o «Pau das Almas», em que os rapazes vão buscar lenha em carros, também puxados pelos próprios sem recurso a força animal, lenha que é vendida aos moradores em leilão. O dinheiro obtido é para pagar missas pelas almas do Purgatório.

É também em nome dessas almas do Purgatório que se instituiu o costume do ‘Pão por Deus’, durante o qual pessoas carenciadas e crianças pediam de porta em porta o dito pão, transformado em bolos cozinhados especialmente para a ocasião, pelo que por vezes é também conhecido por ‘Dia do bolinho’.

O Dia de Todos os Santos era já chamado o Dia do Pão por Deus no seculo XV e nesse dia repartiam-se alimentos pelos mais pobres, um hábito que ganhou força após o grande terramoto de 1755 que destruiu completamente parte da capital e que aconteceu justamente no dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos.

Os anos seguintes ao terramoto foram de fome e miséria, e em várias cidades reforçou-se o acto de partilha de alimentos com os mais necessitados, com especial significado na data que assinalava a catástrofe.

DR _Fotodia Madeira.blogspot.com

Durante o regime salazarista, foram criadas algumas regras para pedir o ‘pão por Deus’, em que só podiam participar nos peditórios crianças até os 10 anos de idade (com idades superiores, as pessoas recusavam-se a dar), e estes só podia ter lugar até ao meio-dia.

A partir dos anos 1980, a tradição foi gradualmente desaparecendo e, atualmente, a tradição tem vindo a ser recuperada pelas autarquias como forma de memória do passado, como acontece na Azóia, em Sesimbra.

Mas voltemos aos bolinhos, que integravam os cantares que acompanhavam os peditórios: «Bolinhos, bolinhos / Para mim e para vós / Para dar a quem está / Debaixo da cruz / Truz Truz» ou «Bolos, bolos / Em honra do Santos todos / Bolinhos, bolinhos / Em honra dos Santinhos», ou ainda «Bolinho, Bolonho / para o seu defuntinho».

E para os avaros que não davam nem bolo ou fruta, vinha a resposta pronta: «Aqui cheira a alho / Aqui anda algum dialho / Aqui cheira a louro / Aqui anda algum besouro / Aqui cheira a unto / Aqui anda algum defunto» ou mais simplesmente «Se o tem e o não quer dar / os rato lhe comam a massa no alguidar».

Estes bolos dos santos são tipo broa, feitos com farinha de milho, mel, erva-doce e canela, ou então com massa de pão ‘melhorada’ com açúcar e canela, sendo a dádiva do ‘pão por Deus’ acompanhada de frutos secos, castanhas, romãs, etc.

Era considerado que, por cada bolo doado a quem pedia, uma alma se livrava do Purgatório, ou que através da dádiva aos que a pediam, se alimentavam também as almas que vagueavam pelo mundo.

Na Beira Alta, estes bolos são apelidados de ‘Santoros’ ou ‘Santorinhos’ e podem ter a forma de um bolo comprido, tendo as pontas em forma de chifres, em massa de bolo podre, e serviam para as crianças colocarem debaixo dos travesseiros na noite em que os mortos andam no mundo, e no caso de estes não encontrarem a dita oferenda, comeriam as orelhas às crianças.

E agora um pormenor curioso: as tradições agora importadas do Halloween americano, têm muito mais relação com Portugal do que pode pensar à primeira vista.

Voltemos então à abóbora, normalmente a menina, servida em forma de papa doce no dia de Todos os Santos.

Mas esta tinha ainda outro papel nos peditórios de ‘pão por Deus’. É que os grupos de pedintes, sobretudo na zona de Coimbra, faziam-se acompanhar de uma dita esvaziada e com dois buracos a fazer de olhos, com uma vela acesa dentro.

Em Portugal tradicionalmente é dia feriado, retirado em 2013, 14 e 15, pelo chamado Governo da Troika (PSD/CDS-PP) e viria a ser reposto em 2016, com o Governo da Geringonça (PS/PCP/BE).

Dia dos Finados ou Fiéis Defuntos

O Dia de Finados, ou Fiéis Defuntos, é dedicado aos que partiram, sendo na crença cristã o dia dedicado a rezar para ajudar as almas no Purgatório a obter a bem-aventurança celestial.

A data de 2 de Novembro foi fixada no Séc. XI monges de Cluny, na França, mas deriva do culto dos mortos, que remonta ao neolítico, com a consagração de alimentos nos locais de enterramento.

Os gregos e romanos realizavam banquetes, num dia específico, junto das tumbas dos entes queridos, tradição que se manteve em muitos locais da Europa e em Portugal até às Constituições Sinodais do Bispado do Porto, de 1585, que decretaram a proibição geral de festins nos templos (relembrar que até 1844, os mortos eram sepultados dentro das igrejas, e foi a proibição deste costume que levou à Revolta da Maria da Fonte).

No México assinala-se o Dia de Los Mortos, em que os familiares passam a noite nos cemitérios com os seus defuntos, levando comida e assinalando a data com doces de açúcar na forma de caveiras e esqueletos.

No Peru, o Dia de Todos os Santos é uma data também especial,  com visitas às campas dos entes queridos falecidos, com pratos tradicionais para oferecer de forma simbólica aos mortos, e as crianças são vestidas com roupas de festa e presenteadas com ‘anjos’, pãezinhos típicos  de batata-doce, são decorados de forma cuidadosa.

Anjos, pãezinhos doces oferecidos às crianças no Peru

 

 


ÚLTIMA HORA! O seu Diário do Distrito acabou de chegar com um canal no whatsapp
Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *