Opinião

A VASP e os Soldados do Papel

Uma crónica de Bruno Fialho.

Em todas as “guerras” quem assume as maiores perdas, principalmente quando falamos de vidas humanas, são os soldados que combatem no terreno.

Na economia passa-se o mesmo, os soldados, que neste caso são os contribuintes individuais que trabalham por conta de outrem ou os pequenos empresários, são sempre os mais prejudicados, ao contrário dos grandes grupos empresariais ou financeiros, que são em tudo muito similares aos generais de gabinete, que não têm qualquer problema em enviar jovens para combater na guerra e morrer por eles.

No passado mês de Março, a VASP (maior distribuidora de Publicações em Portugal), os editores os Grupos de media com títulos em papel e a FCB Lisboa  decidiram fazer uma campanha conjunta para homenagear os vendedores de jornais e revistas que diariamente os disponibilizam aos portugueses, a quem, carinhosamente, chamaram de “Soldados do Papel”.

Devido às consequências da pandemia, esta campanha tinha um objectivo: “reconhecer a coragem de quem diariamente contribui para manter os portugueses informados, num momento sem paralelo a nível global”.

Acontece que, apenas dois meses depois, em Maio, os “Soldados do Papel” receberam uma prenda amarga da VASP, que foi esta ter anunciado que face “às quebras de vendas na imprensa e sem resposta por parte do governo”, vai cobrar a partir de julho uma taxa aos quiosques pela distribuição de jornais e revistas.

A primeira pergunta que coloco é a seguinte: Mas a VASP não sabia, em Março, quando fez uma campanha a agradecer aos Soldados do Papel, que tinha tido quebras de vendas ou foi uma campanha “para inglês ver”?

Sabendo que os jornais apenas dão grande lucro aos grandes grupos empresariais dos media portugueses, a VASP decidiu aplicar, unilateralmente, aos vendedores de jornais e revistas uma taxa de custos de transporte diários no valor de 1,50 € nas entregas realizadas de segunda a sábado e de 1€ nas entregas de domingo, onde acresce o IVA.

Para quem não saiba, esclareço que, um vendedor de jornais ganha cerca de 10 cêntimos por cada jornal vendido, ou seja, para conseguir pagar a taxa da VASP, teria que vender diariamente, no mínimo, 15 jornais.

Poderá o leitor pensar o seguinte: mas isso quer dizer que se vender 50 jornais, poderá ainda ter um putativo lucro de 3,5 euros diários e se forem 100 jornais, um lucro de 7 euros diários…

Sim, eu sei, são valores astronómicos, comparando com algum país do 4.º mundo, onde se vive em pobreza extrema, mas em Portugal é, na minha opinião, idêntico à escravatura.

Todavia, nem todos os vendedores vendem 50 jornais por dia, em particular aqueles que estão no interior do país, os quais têm sorte quando vendem duas dúzias.

Mas existem pormenores que o leitor mais incauto pode estar a esquecer, nomeadamente o facto de que os jornais e revistas não aparecem nas prateleiras por magia, tal como aqueles que têm de ser empacotados para devolução porque não foram vendidos. Só nesses dois trabalhos, que é feito em exclusivo pelos vendedores de jornais, é gasto todos os dias, pelo menos, 1 hora de trabalho, dependendo do volume de jornais a devolver.

Ou seja, depois de um vendedor acordar mais cedo do que o normal das pessoas para colocar jornais e revistas nas prateleiras da loja ou quiosque para venda, ao fechar o estabelecimento ainda tem de gastar tempo a empacotar os jornais que não foram vendidos, pelo que, coloco a minha segunda questão: O leitor considera normal que um cidadão ganhe 3,5 euros por 1 hora ou mais de trabalho por dia, ao que ainda terá de deduzir o IVA?

Espero, sinceramente, que tenha respondido um enorme, NÃO!

A VASP decidiu fazer de Robin dos Bosques, mas ao contrário, pois está a tentar “roubar” aos pobres (vendedores de jornais) para dar aos ricos (Grupos dos Media portugueses), a quem seria mais lógico exigir o pagamento dessa taxa, pois são eles que têm os grandes lucros com a venda dos jornais.

Pior, pode existir por parte da VASP uma guerrilha ao Governo, utilizando os milhares de famílias que dependem da venda de jornais, fazendo-as de reféns, para que o executivo português conceda alguns milhões de benefícios para os bolsos dos seus accionistas.

Por essa razão, os vendedores de jornais e revistas uniram-se e decidiram fazer ontem e hoje um boicote à venda de jornais, na esperança de que fossem “os ricos a pagar a crise”.

Espero que os Soldados do Papel saiam vencedores desta disputa, pois, a minha solidariedade está sempre com quem tem de lutar contra o abuso daqueles que são fortes com os fracos e fracos com os fortes.

Por último, mais uma vez constato que o grande problema laboral e económico em Portugal é, em grande parte, a mentalidade de quem gere empresas ou negócios, pois, alguém querer pagar menos de 3,5 euros por dia para se vender jornais é, no mínimo, ofensivo.

Para sermos um país competitivo não podemos ter salários de miséria, pois basta comparar com os nossos parceiros da União Europeia, onde os países mais desenvolvidos ou com melhor qualidade de vida, são aqueles que oferecem os melhores salários, para percebermos que salários baixos apenas permitem aos grandes grupos empresariais ou financeiros serem competitivos “lá fora”, porque “cá dentro” são poucos aqueles que têm verdadeiro poder de compra.


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