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‘A Mutilação Genital Feminina não tem qualquer fundamento na religião muçulmana’

Tema ainda tabu, remetido para uma ‘questão cultural e religiosa’, a excisão feminina continua a ser uma realidade em pleno século XXI, e em várias comunidades migrantes sobretudo na região da Grande Lisboa.

Este domingo, 6 de Fevereiro, assinala-se o Dia Mundial da Tolerância Zero para as Mutilações Genitais Femininas, data assinalada na Moita, com o 6.º Encontro Regional para a Intervenção Integrada pelo Fim da Mutilação Genital Feminina (MGF), que decorre hoje no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo, na Baixa da Banheira.

Com um variadíssimo painel de oradores, e com a presença da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, e da Embaixadora do Senegal em Portugal, Fatoumata Binetou Correa, o Encontro apresentou vários projectos e o trabalho realizado por entidades na luta pela erradicação da mutilação genital feminina, com a apresentação de Rolaisa Embaló, antiga aluna da Escola Secundária da Baixa da Banheira.

Imã Adbul Gaffar e Fátima Amina Rafael da Comunidade Islâmica de Palmela

Uma das vozes que marcou a manhã foi a do Imã Adbul Gaffar, da Comunidade Islâmica de Palmela, que desmistificou “a ideia existente de que a MGF é incentivada pelo Islão e pelo Profeta Maomé”.

A Comunidade Islâmica em Palmela tem vindo a desenvolver encontros com mulheres e crianças islâmicas, sob o lema «MGF/corte não tem justificação».

O Imã referiu ter-se sentido “surpreendido, quando falava com as meninas e mulheres que estudam na Mesquita da Damaia, e me diziam que conheciam e se submetiam à MGF porque o Profeta assim o pretendia.

Esta prática não tem qualquer fundamento na religião muçulmana e não pode existir no Islão.

E o nosso papel como líderes religiosos desmistificar e tomar uma posição sobre este assunto.”

O Imã Adbul Gaffar explicou depois que “este assunto é abordado na religião islâmica, numa passagem onde se refere que o Profeta Maomé terá visto o acto a ser praticado e nada disse, sendo isso interpretado como aprovação da sua parte.

No entanto, nem sempre o Profeta teria de falar, uma vez que a sua expressão facial perante qualquer tipo de acontecimento, marcaria a sua posição.

Dou como exemplo a passagem em que o Profeta viu um homem construir uma casa com grande ostentação, e nada disse, mas o homem percebeu que o Profeta não estava contente e desmanchou a casa, ganhando assim as graças do Profeta.

Infelizmente esta narração referente à MGF é muito fraca e omissa, não explica claramente o que o Profeta pensou.”

Na defesa do posicionamento do Islão contra a mutilação genital, o Imã Adbul Gaffar frisa ainda outros aspectos religiosos: “o Profeta não queria que ninguém se magoasse, e permitiu mesmo que em situações onde está muito frio, as abluções fossem feitas apenas por gestos, sem água, para que o crente não passasse frio. Como é então possível que o Profeta permitisse que se fizesse mal a uma mulher? É esta mensagem de coerência que estamos a transmitir às jovens que estudam connosco na mesquita e na Escola Islâmica em Palmela.”

Os projectos desenvolvidos em rede no município da Moita, bem como testemunhos dos alunos da Escola Secundária da Baixa da Banheira e da Escola Técnica Profissional da Moita foram apresentados em três vídeos.

‘Muito trabalho há ainda a fazer, enquanto mulheres e meninas sofrerem esta prática’

Carlos Albino, presidente da Câmara Municipal da Moita destaca “a importância de debater as várias formas de violência de que continuam a ser vítimas as mulheres, e este encontro tem como objectivo chamar a atenção para um desses aspectos.

Carlos Albino, presidente da Câmara Municipal da Moita

É preciso olhar a nossa comunidade, e mudar mentalidades, porque a mudança é possível” e relembra o trabalho realizado pela Associação Mulheres sem Fronteiras, desde que em 2011 se alertou pela primeira vez para o problema neste município.

Muito trabalho tem sido feito, com entidades, alunos, docentes e técnicos, e muitos projectos têm sido dinamizados, de formação e sensibilização. Mas muito trabalho há ainda a fazer, enquanto mulheres e meninas sofrerem esta prática.”

Em 2020 foram registados pelos profissionais de saúde 60 casos, e em 2021 um total de 140 casos de MGF, “o que significa também que estes estão mais atentos à situação”, refere a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, que salienta também o papel “das autarquias, da comunidade escolar, dos técnicos das várias entidades, mas também da comunicação social, no sentido de promover a informação sobre a MGF mas também, e muito importante, evitando que o discurso sobre esta prática reverta apenas em posições racistas ”.

Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade

A maior parte das mutilações tem lugar fora de Portugal, “muitas vezes aproveitando as férias escolares, em que as meninas são levadas para os seus países de origem, e aí submetidas a esta prática. Por esse motivo temos vindo a implementar campanhas de informação nos aeroportos.”

Rosa Monteiro frisa ainda o papel “fundamental das autarquias neste trabalho em rede, com as escolas, a CPCJ, e o SEF no combate a estas prácticas nefastas e a importância que tem o darmos voz às mulheres e jovens, quer as que nasceram em Portugal, quer também as que nos chegam por movimentos migrantes ou como refugiadas”.

Do encontro ficou reforçada a ideia de que é preciso mudar mentalidades, e que esta mudança é possível com a informação de todos, pais e jovens, bem como com o empenhamento de toda a sociedade civil, que não pode nem deve continuar a encarar a Mutilação Genital Feminina como algo ‘cultural ou religioso’, na luta pela vida e liberdade sexual de milhares de mulheres.


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