«A Biblioteca Cultural Central de Ideias surgiu com o apoio da sociedade da Charneca da Caparica»
Na Charneca da Caparica nasceu em 2013 um espaço de cultura diferente do que nos habituámos a ver.
Chama-se ‘Biblioteca Cultural Central de Ideias’ e é uma biblioteca/livraria ao ar livre, onde por um “pequeno valor simbólico” pode levar consigo aqueles livros de que mais gosta. A ideia pioneira partiu de Geraldo Valentim, imigrante brasileiro que escolheu as terras de Almada para residir.
“Sou do Brasil, de Minas Gerais, daquela cidade das palmeiras que se chama Caratinga, na região sudeste do Brasil”, conta ao Diário do Distrito.
“Entre 2010 e 2012 vi que as coisas no meu país já estavam caminhando tendenciosamente para onde chegámos. Resolvi fechar o que fazia no Brasil, terminar com a produção teatral com o Grupo de Teatro ‘Esterco’, em que trabalhava há mais de dez anos. O nosso último espectáculo foi levado a cena no dia 15 de Fevereiro de 2012, às 19h00, no Centro Cultural Luz, de Minas. Foi nesse dia que disse à população que aquela seria a minha última actividade e que estava de partida.”
A escolha da nova aventura fê-lo ponderar vários destinos, “até que decidi vir para Lisboa, a ‘casa da vovó’, e aqui cheguei no dia 8 de Outubro de 2010. A primeira coisa que fiz quando cheguei no aeroporto foi tomar dois cálices de vinho do Porto. Maravilha!”.
E a sorte parecia estar do lado de Geraldo Valentim porque “ainda estava na sala de recepção do aeroporto, quando veio ter comigo um cambista, a vender um bilhete de loteria mas eu não comprei. O homem deu uma volta na sala de recepção, e voltou a passar por mim. Aí, levantei a mão e acabei comprando uma loteria, e esta tinha um prémio de 200 euros.”
Ao Brasil confessa que não pensa voltar, “sobretudo no momento em que está agora, que não oferece condições a ninguém, com o novo fascismo, e destruindo tudo o que se conseguiu fazer nos últimos quinze anos no que respeita à cultura”.
Nascer e crescer de um sonho
Em Portugal encontrou “um país com dificuldades, em plena crise. Mas como na vida temos de trabalhar, porque esta não é feita de moleza, em 2013 comecei com um pequeno negócio. Vim falar com o senhor Fernando, dono do talho na Rua Marco Cabaço, na Charneca da Caparica, e ele permitiu-me que viesse aqui para a sua porta vender os livros que tinha trazido comigo.
Nessa altura tive também um grande apoio de uma senhora professora reformada, Luísa Bandeira, que me deu uma mala com mais de 100 livros, mas nunca mais voltei a encontrar essa senhora, a quem muito agradeço, porque ela e o senhor Fernando, fora os incentivadores deste projecto. E também sei que muitos desses livros, se eu não estivesse aqui com a Biblioteca, iriam para o lixo.”
Durante dois anos “todos os dias tirava e voltava a colocar aqui os livros, e ao fim desse tempo, conseguimos deixar esse material ‘dormir’ aqui, sem qualquer tipo de vandalismo. As pessoas respeitam este espaço e acredito que o trabalho que faço aqui chega lá nas famílias, que passam esse respeito aos seus filhos.”
E por isso o espaço para as crianças está também ali definido. “Temos aqui uma biblioteca mirim (infantil), onde as crianças podem ver os livros, pegar eles e levar para ler, gratuitamente. Um dos objectivos é incentivar a leitura nas crianças. Acredito que a transformação da nossa sociedade ocorre através das crianças. O dia melhor de amanhã será conseguido através das crianças e através da leitura.”
Segundo Geraldo Valentim, “este projecto foi construído não com dinheiro, mas com o apoio da sociedade da Charneca da Caparica, da margem sul, de Lisboa, e no Verão também de muitos turistas, que me trazem o material para a biblioteca.
O dinheiro é necessário, mas não é tudo. Costumo dizer que aprendi a viver com o que tenho. Há quem se sinta desesperado sem dinheiro, eu não passo por isso e consegui construir isto na minha vida.”
E por isso não restringe o acesso aos livros. “Os preços aqui são populares, se tiver recursos paga, se não tiver também pode levar livros.”
Recentemente, o projecto de Geraldo Valentim foi alargado com o apoio do Estado português e de uma empresa. “Colocaram aqui uma cabina com livros, pública, cujo conceito é trazer um livro e levar outro, e eu apenas controlo quem traz e leva livros. Mas isso também ajuda bastante a dinamizar a leitura e a descentralizar a cultura, que parece estar só nas grandes cidades, mas na periferia também há pessoas que querem ter acesso à leitura, e por vezes têm menos recursos.”
Aposta ganha com sucesso
Questionado sobre o sucesso da ‘Biblioteca Cultural Central de Ideias’, Geraldo Valentim é rápido na resposta: “só não tenho clientes e visitas nos dias que não estou aqui. Há quem venha aqui todos os dias só para prosear comigo por meia hora, ou dez minutos, seja sobre política, sobre a vida, etc.”.
O dia de trabalho começa pelas 7h00, “monto uma parte da biblioteca, a outra já está montada, vou almoçar pelas 12h40, volto até às 14h30 e saio 17h30, e aos feriados e fins-de-semana, só estou por aqui até às 12h30”. O descanso é à segunda-feira “só no Inverno, porque no Verão tenho sempre muita procura”.
E acredita que o seu trabalho tem vindo a fazer diferença. “Devagar, lentamente, porque tudo na cultura acontece de forma lenta, mas as coisas vão acontecendo.”
O amor aos livros e à leitura mantêm um dos sonhos de Geraldo Valentim: “gostaria de um dia ver nascer aqui na Charneca da Caparica uma biblioteca de verdade e com muita diversidade de livros. Aqui temos também um grande número de imigrantes, do Brasil, Cabo Verde, Jamaica, países do Leste, etc. e há uma enorme necessidade de ter aqui uma biblioteca.
As crianças e jovens, para estudarem têm de ir a Almada, mas se os pais não tiverem dinheiro, não podem ir.”
E refere que “há um lote aqui perto que foi comprado por um presidente da Junta de Freguesia, para a construção de uma biblioteca, há mais de vinte anos. Chamava-se Anastácio e era o sonho dele. Em 2012 eu montei a ‘Biblioteca Cultural Central de Ideias’, cinco anos depois vieram montar a cabine de troca de livros, quem sabe daqui a cinco anos teremos a nossa biblioteca. São sonhos. «Também se chamava estrada, Viagem de ventania; Também se chamavam sonhos, E sonhos não envelhecem»” cita.
Lamenta ainda que “esta freguesia esteja esquecida pelo poder local… tudo acontece noutros locais, e aqui não chega nada. E por isso sigo a filosofia de tentar ‘mudar meu pedaço’. É aqui que estou agora, e é aqui que posso fazer a diferença. Se posso fazer algo por este pedacinho, já estou a contribuir para um mundo melhor amanhã.”
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