A arte da reciprocidade
Tenho o privilégio, como psicoterapeuta, de ter os afetos como palco primordial do meu trabalho. É assim que, diariamente, me permito o fascínio de acompanhar a construção de amores, de despedidas, o nascimento de famílias e os rituais do luto.
Tenho vindo a observar que a capacidade de dar e receber afeto é um dos maiores desafios do ser humano. Se dar implicará generosidade, empatia e motivação para o encontro, receber pode ser um processo complexo para muitos, dado que, muitas vezes, desperta sentimentos de vulnerabilidade e potencia uma intimidade emocional, que pode ser sentida como assustadora e não desejada.
De facto, em terapia de casal e familiar, muitos desequilíbrios virão precisamente desta dialética do dar e receber, que pode gerar frustração e sentimentos de abandono e mau amor. Muitas pessoas verbalizam que dão mais do que recebem e sofrem com isso.
Não se tratará de medir a quantidade do afeto, mas sim a qualidade do mesmo. Sendo que são também frequentes os problemas de comunicação no que concerne às demonstrações de amor. O encontro com o outro implica disponibilidade para a partilha, respeito e verdade. Mas muitos serão fingidores uma vida inteira.
O exercício da transparência, tão necessário nas relações afetivas, é um desafio! Em uma cultura que privilegia o instante, a aparência e o efémero arriscar a revelação, a partilha e a co construção de intimidade revela-se uma prática menos frequente do que se esperaria.
Muitos são os pacientes que sofrem desilusões em relações amorosas iniciadas na idade adulta, precisamente por constrangimentos na comunicação, que potencia enganos, e nas dificuldades na reciprocidade do dar e receber afeto.
As relações românticas parecem evoluir rapidamente em termos de intensidade e de intimidade sexual, mas revelam-se pouco duradoras, sendo frequentes os abandonos, pelo desaparecimento de um dos parceiros sem qualquer justificação, e as ruturas por quebra de confiança.
A base para estar disponível para dar e receber afeto será assim o amor próprio. A confiança que se tem o que dar e que se merece receber. Simples assim.
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